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VIAGEM PELA AMÉRICA DO
SUL EM 1967
18ª PARTE
LA
CHACARITA e ADIÓS, ARGENTINA
por Francisco Souto Neto
Esta é uma
transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul
em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55
anos, é interessante observar os detalhes de como eram feitas as viagens
naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este então jovem
viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu
achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.
LA CHACARITA
“Dia 2 de outubro de 1967 acordei-me muito
tarde! Eram quase 11 horas. Perdi o café da manhã do hotel. A Calle Lavalle, rua do
meu hotel, é de pedestres e, sem dúvida, a mais movimentada da capital
portenha.
Dei uma volta pelas cercanias e
aproveitei para fotografar o movimento da rua e também o capitólio do Palácio
do Governo, que é muito bonito. Algo que me impressiona muito em Buenos Aires
são as portas das casas e dos prédios. São portas monumentais, belíssimas, trabalhadas
por artistas entalhadores, qualquer coisa de fascinante.
Após o almoço, tomei um ônibus e fui
a La Chacarita, um cemitério-cidade com túmulos belíssimos e imponentes. Tem
ruas, por onde circulam carros, calçadas para os pedestres, e em vez de casas
tem túmulos finíssimos, um pegado ao outro. A construção palaciana de cada
túmulo é muito mais espaçosa do que aparenta, porque todos esses
túmulos-capelas são dotados de escadas com corrimões dourados [OBSERVAÇÃO que faço em 2022: na época em que escrevi este diário, no Brasil - não em Portugal - o plural do vocábulo "corrimão" era "corrimões". Escrever "corrimãos" seria errado. Mas agora, no século XXI, ambas as formas são consideradas corretas... e eu continuo com a antiga] e brilhantes que descem
para vários andares no subsolo, nos quais os caixões funerários ficam expostos
e não emparedados e assim escondidos como no Brasil. Esse cemitério atesta o
alto grau de civilidade dos portenhos... e de sua riqueza. Altíssimo poder econômico!
Cada quarteirão tem um funcionário do
cemitério que dá a volta à quadra munido das chaves de cada um dos túmulos,
que eles, usando espanadores de penas, abrem e espanam o pó dos caixões. Conversei com um desses funcionários que me
deixou entrar no túmulo que ele estava limpando. A parte onde se localiza o altar está sempre toda decorado com castiçais, fotografias dos mortos, quadros de santos, estátuas. Ali
mesmo, sob o altar e ao nível da rua, costuma haver dois caixões com suas madeiras entalhadas. Ao
lado, está a escada que desce para outros andares cheios de caixões de defuntos.
Parece um pouco essa coisa de filme de Drácula, mas não me infundem medo. Em
Buenos Aires os caixões são de metal por dentro, parece-me que chumbo, para que
a deterioração dos corpos não seja percebida pelo olfato ou por vestígios nas
madeiras. Tudo muito bem planejado. É coisa de país super evoluído. Nem parece
que estamos na América do Sul.
-o-
[Quero fazer um adendo em março de
2022 a esta transcrição do meu diário de viagem de 1967. Devo contar que estive
inúmeras vezes em La Chacarita com as pessoas com quem viajei nas vezes
posteriores: com minha mãe, com minha irmã Ivone, com meu amigo Rubens Faria
Gonçalves. E no ano de 2016 publiquei na internet um artigo sobre La Chacarita e
Recoletta, os dois principais cemitérios de Buenos Aires, com fotos de túmulos
abertos e funcionários tirando o pó dos caixões funerários, o que pode ser
visto neste endereço:
https://fsoutone.blogspot.com/2016/08/cemiterios-de-la-chacarita-e-resoleta.html ]
-o-
É uma pena que no momento os
argentinos vivam sob uma ditadura militar. O presidente chama-se general
Onganía e existem muitas proibições no país e violações aos direitos humanos, e
ainda a censura à palavra escrita, falada e televisionada. Mesma coisa está
acontecendo no Brasil, com o general Costa e Silva na presidência. Os
prognósticos sobre o futuro da Argentina são péssimos.
À noite diverti-me no burburinho da
Calle Lavalle, onde jantei. No dia seguinte começaria a viagem de retorno ao
Brasil.
-o-
O AUTOR EM 2022, 55 ANOS APÓS OS ESCRITOS ACIMA
-o-
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