quarta-feira, 30 de março de 2022

VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967 - 18ª PARTE - LA CHACARITA e ADIÓS, ARGENTINA, por Francisco Souto Neto.

 

 

Francisco Souto Neto no cemitério La Chacarita

 

Comendador Francisco Souto Neto

 

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VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967

 

18ª PARTE


 LA CHACARITA e ADIÓS, ARGENTINA

 

por  Francisco Souto Neto

 

Esta é uma transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55 anos, é interessante observar os detalhes de como eram feitas as viagens naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este então jovem viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.

 

LA CHACARITA

 

“Dia 2 de outubro de 1967 acordei-me muito tarde! Eram quase 11 horas. Perdi o café da manhã do hotel. A Calle Lavalle, rua do meu hotel, é de pedestres e, sem dúvida, a mais movimentada da capital portenha.

Dei uma volta pelas cercanias e aproveitei para fotografar o movimento da rua e também o capitólio do Palácio do Governo, que é muito bonito. Algo que me impressiona muito em Buenos Aires são as portas das casas e dos prédios. São portas monumentais, belíssimas, trabalhadas por artistas entalhadores, qualquer coisa de fascinante.

Após o almoço, tomei um ônibus e fui a La Chacarita, um cemitério-cidade com túmulos belíssimos e imponentes. Tem ruas, por onde circulam carros, calçadas para os pedestres, e em vez de casas tem túmulos finíssimos, um pegado ao outro. A construção palaciana de cada túmulo é muito mais espaçosa do que aparenta, porque todos esses túmulos-capelas são dotados de escadas com corrimões dourados  [OBSERVAÇÃO que faço em 2022: na época em que escrevi este diário, no Brasil - não em Portugal - o plural do vocábulo "corrimão" era "corrimões". Escrever "corrimãos" seria errado. Mas agora, no século XXI, ambas as formas são consideradas corretas... e eu continuo com a antiga]  e brilhantes que descem para vários andares no subsolo, nos quais os caixões funerários ficam expostos e não emparedados e assim escondidos como no Brasil. Esse cemitério atesta o alto grau de civilidade dos portenhos... e de sua riqueza. Altíssimo poder econômico!


[A fotografia acima não é da minha viagem de 1967, mas da que fiz com minha mãe, que aparece na foto, na década de 80. É porque aqui fotografei minha mãe em La Chacarita conversando com o simpático limpador dos caixões mortuários, no momento em que ele os estava espanando. À direita do altar estava a escada que leva aos andares inferiores do túmulo, cheios de caixões expostos e rigorosamente limpos]

Cada quarteirão tem um funcionário do cemitério que dá a volta à quadra munido das chaves de cada um dos túmulos, que eles, usando espanadores de penas, abrem e espanam o pó dos caixões.  Conversei com um desses funcionários que me deixou entrar no túmulo que ele estava limpando. A parte onde se localiza o altar está sempre toda decorado com castiçais, fotografias dos mortos, quadros de santos, estátuas. Ali mesmo, sob o altar e ao nível da rua, costuma haver dois caixões com suas madeiras entalhadas. Ao lado, está a escada que desce para outros andares cheios de caixões de defuntos. Parece um pouco essa coisa de filme de Drácula, mas não me infundem medo. Em Buenos Aires os caixões são de metal por dentro, parece-me que chumbo, para que a deterioração dos corpos não seja percebida pelo olfato ou por vestígios nas madeiras. Tudo muito bem planejado. É coisa de país super evoluído. Nem parece que estamos na América do Sul.


Atenção: tem aspecto de cidade e em suas ruas passam automóveis. Mas em vez de prédios e casas, são mausoléus e túmulos. Estamos no estranho e ao mesmo tempo belo e rico Cemitério de La Chacarita.

O túmulo de Carlos Gardel com sua estátua de tamanho natural em bronze. Nas paredes há inúmeras placas, tributos de antigos fãs.Esse túmulo está sempre cercado de curiosos.

Estou queimado do sol! Às minhas costas, túmulos “comuns” (mas nada é comum em La Chacarita). Os caixões não são emparedados, mas ficam à mostra de quem olhe pela porta através dos vidros. E contam com vários andares subterrâneos, nos quais se desce pela escada com corrimões dourados.

No restaurante do cemitério comprei um sanduíche e fui andar comendo, quando vi passar um enterro que fotografei na hora. 

Eu numa das entradas do fabuloso La Chacarita.

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[Quero fazer um adendo em março de 2022 a esta transcrição do meu diário de viagem de 1967. Devo contar que estive inúmeras vezes em La Chacarita com as pessoas com quem viajei nas vezes posteriores: com minha mãe, com minha irmã Ivone, com meu amigo Rubens Faria Gonçalves. E no ano de 2016 publiquei na internet um artigo sobre La Chacarita e Recoletta, os dois principais cemitérios de Buenos Aires, com fotos de túmulos abertos e funcionários tirando o pó dos caixões funerários, o que pode ser visto neste endereço:


https://fsoutone.blogspot.com/2016/08/cemiterios-de-la-chacarita-e-resoleta.html ]


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É uma pena que no momento os argentinos vivam sob uma ditadura militar. O presidente chama-se general Onganía e existem muitas proibições no país e violações aos direitos humanos, e ainda a censura à palavra escrita, falada e televisionada. Mesma coisa está acontecendo no Brasil, com o general Costa e Silva na presidência. Os prognósticos sobre o futuro da Argentina são péssimos.

À noite diverti-me no burburinho da Calle Lavalle, onde jantei. No dia seguinte começaria a viagem de retorno ao Brasil.

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O AUTOR  EM 2022, 55 ANOS APÓS OS ESCRITOS ACIMA

Francisco Souto Neto em março de 2022, aos 78 anos.

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