sexta-feira, 11 de março de 2022

VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967 - 6ª PARTE - INÍCIO DA VIAGEM ENTRE LA PAZ (BOLÍVIA) E CUSCO (PERU) por Francisco Souto Neto

 

 

Comendador Francisco Souto Neto

 

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VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967

6ª PARTE

INÍCIO DA VIAGEM ENTRE LA PAZ (BOLÍVIA)

E CUSCO (PERU)

por  Francisco Souto Neto

 

Esta é uma transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55 anos, é interessante observar os detalhes de como eram feitas as viagens naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este então jovem viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.

 

DE LA PAZ A GUAQUI (BOLÍVIA) DE TREM


 

“Às 13:30 horas cheguei à estação ferroviária de La Paz. Embarquei num trem de apenas dois vagões: um deles de primeira classe, outro de segunda. A segunda estava lotada de cholas. Na primeira, bem confortável, apenas turistas e, dentre eles, três conhecidos meus: o casal Joanne e Paul, e a irmã de Joanne, chamada Melinda Mills. Por coincidência, foram eles que voaram nos mesmos aviões que eu até La Paz. Ficamos surpresos com o casual reencontro e logo fizemos amizade. Melinda, bem diz o nome, é linda, simpática, moderna, inteligente; estudou durante dois anos em Lima e agora, com a irmã e cunhada, voltava aos lugares que já conhecia. Ela fala um espanhol irrepreensível, muito melhor que o meu. Um italiano de Gênova, chamado Rafaelle Enrico Longo (oficial da Marinha, em férias, fazendo turismo pela América do Sul) integrou o nosso grupo. Com Melinda e Rafaelle eu falava em espanhol; com Joanne e Paul em inglês, mas nesse idioma não falo nada bem, porém entendem-me. Melinda reside em Broadalbin, New York. Ela, muito curiosa, fez dezenas de perguntas sobre o Brasil. Eu, que viajava com cartões postais do Brasil e fotografias de casa e de parentes de São Paulo (as fotos estavam comigo para mostrar aos parentes de Campo Grande, onde ficou minha mãe que me acompanhou até Mato Grosso, e que ali ficou hospedada pelo seu irmão Cláudio), mostrei para Melinda os cartões postais de São Paulo, Rio, Curitiba e Brasília, que a deixaram encantada. Ela perguntou-me como os brasileiros moravam, e calhou de eu estar com as fotos de minha casa e das tias de São Paulo, e mostrei-lhe. Ela mostrou-se muito admirada, pois o apartamento de minha tia Mariinha era deslumbrante, mas ficou muito mais impressionada com a beleza de minha tia. Ela quis ver mais fotos de parentes, e mostrei-lhe tias e primas... e ela disse jamais ter visto tantas mulheres bonitas numa mesma família. Pediu licença, pegou as fotos e os cartões postais, e durante uns 15 minuitos comentou-as com seus familiares e com o passageiro italiano.

Antes do trem partir, entraram muitos índios vendedores e tudo que se possa imaginar: revistas, fotografias pornográficas, baralhos de plástico com mulheres nuas, bolachas e soles (a unidade monetária do Peru). Pediam preços absurdos e em soles para confundir os turistas. ‘Ora! 38 soles compram um dólar! Essas bolachas estão caras demais’, disse eu. ‘Ele sabe!’, falou um vendedor para o outro.

O trem partiu às duas da tarde e subiu lentamente para El Alto. Melinda devolveu-me as fotografias com muitos elogios. Começou a chover. Um outro casal de americanos, que depois soube chamarem-se Boris e Maida, também ali estava viajando para Cusco. Maida era feia. O casal pôs os pés sobre o banco da frente, que estava desocupado.

Um inspetor de polícia recolheu todos os passaportes e logo devolveu-os carimbados. A estrada de ferro levava-nos para El Alto, com o trem dando voltas sobre si mesmo, em muitos 8. Pelo caminho víamos casas pobres com as paredes de adobe. Eram três horas menos dez minutos da tarde quando passamos pelo arco de boas-vindas. La Paz estava agora iluminada pelo sol, 860 metros abaixo. Lancei os olhos pela última vez àquela estranha capital. Adiós, bela cidade, pitoresca e colorida. Adiós, Illimani. O trem parou numa estaçãozinha de El Alto, os índios atacaram a segunda classe, vendendo todo tipo de coisas, mas não se aproximaram da primeira. O inspetor de polícia desceu e a segunda classe se desmembrou.


Assim é o grande deserto do Altiplano, a cerca de 4.000 metros de altitude.

Agora era apenas o nosso vagão, transformado em litorina. Às três da tarde partimos pelo Altiplano rumo a Guaqui, às margens do Titicaca. Maida e Boris conversavam animadamente e ele tirou as botas, calçando mais um par de meias sobre as que já usava. É que fazia frio. Melinda lia um livro, Joanne e Paul ressonavam, Rafaelle lia um jornal de La Paz. Eu olhava pela janela. Tirei umas fotos da paisagem e abri meu livrinho da viagem para ver como seria exatamente o caminho até Guaqui.

Às 15:30 chegamos a Viacha (altitude de 3.925 metros). Comprei drops da Califórnia e leite condensado de Amsterdan. Nesse meio tempo, eu conversava com Melinda, muito culta apesar de apenas 22 anos de idade.


Eis que a litorina passa por... Tiahuanaco! Na estação, uma placa de mármore registra: “Tiahuanaco, forjador de civilizações”.

Todos descemos da litorina nesta parada de apenas 10 minutos e compramos algumas lembranças. 

O Altiplano caracteriza-se pela aridez e capim aos tufos. Às vezes vê-se um rodamoinho de poeira. Às 5 da tarde, eis-nos passando por... Tiahuanaco! Ao longe, divisei a Porta do Sol. Paramos na estação durate 10 minutos. A inscrição na plataforma diz: ‘Tiahuanaco – Km 21 – Altitude: 3.825. FORJADOR DE CIVILIZACIONES”.


As casas dos índios no Altiplano não têm janelas. Só uma porta. Assim essas habitações permanecem menos frias durante a noite.

Boris e Maida olhando a paisagem.

Fotografo da janela do trem as índias que seguem pelo triste deserto de aspecto lunar.

Chego ao Lago Titicaca e fotografo a motonave aliscafo Inca Narrow, a mesma que apareceu na revista Life en Español, edição de 22 de maio de 1967, às páginas 30 e 31.

Às 17:30 horas chegamos a Guaqui. Saindo do trem, andamos 15 passos e já estávamos ao lado do grande navio que durante toda a noite nos levaria até ao Peru”.

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Na 7ª PARTE deste relato, o assunto será a travessia do Lago Titicaca em navio relativamente grande, de Guaqui na Bolívia a Puno no Peru.

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