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VIAGEM
PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967
6ª PARTE
INÍCIO
DA VIAGEM ENTRE LA PAZ (BOLÍVIA)
E
CUSCO (PERU)
por
Francisco Souto Neto
Esta é uma transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países
da América do Sul em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de
idade. Passados 55 anos, é interessante observar os detalhes de como eram
feitas as viagens naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este
então jovem viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e
quando eu achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.
DE LA PAZ A GUAQUI (BOLÍVIA) DE TREM
“Às 13:30 horas cheguei à estação ferroviária de La Paz. Embarquei num trem de apenas dois vagões: um deles de primeira classe, outro de
segunda. A segunda estava lotada de cholas. Na primeira, bem confortável,
apenas turistas e, dentre eles, três conhecidos meus: o casal Joanne e Paul, e
a irmã de Joanne, chamada Melinda Mills. Por coincidência, foram eles que
voaram nos mesmos aviões que eu até La Paz. Ficamos surpresos com o casual
reencontro e logo fizemos amizade. Melinda, bem diz o nome, é linda, simpática,
moderna, inteligente; estudou durante dois anos em Lima e agora, com a irmã e
cunhada, voltava aos lugares que já conhecia. Ela fala um espanhol
irrepreensível, muito melhor que o meu. Um italiano de Gênova, chamado Rafaelle
Enrico Longo (oficial da Marinha, em férias, fazendo turismo pela América do
Sul) integrou o nosso grupo. Com Melinda e Rafaelle eu falava em espanhol; com
Joanne e Paul em inglês, mas nesse idioma não falo nada bem, porém entendem-me.
Melinda reside em Broadalbin, New York. Ela, muito curiosa, fez dezenas de
perguntas sobre o Brasil. Eu, que viajava com cartões postais do Brasil e
fotografias de casa e de parentes de São Paulo (as fotos estavam comigo para
mostrar aos parentes de Campo Grande, onde ficou minha mãe que me acompanhou
até Mato Grosso, e que ali ficou hospedada pelo seu irmão Cláudio), mostrei
para Melinda os cartões postais de São Paulo, Rio, Curitiba e Brasília, que a
deixaram encantada. Ela perguntou-me como os brasileiros moravam, e calhou de
eu estar com as fotos de minha casa e das tias de São Paulo, e mostrei-lhe. Ela
mostrou-se muito admirada, pois o apartamento de minha tia Mariinha era
deslumbrante, mas ficou muito mais impressionada com a beleza de minha tia. Ela
quis ver mais fotos de parentes, e mostrei-lhe tias e primas... e ela disse
jamais ter visto tantas mulheres bonitas numa mesma família. Pediu licença,
pegou as fotos e os cartões postais, e durante uns 15 minuitos comentou-as com
seus familiares e com o passageiro italiano.
Antes do trem partir, entraram muitos
índios vendedores e tudo que se possa imaginar: revistas, fotografias
pornográficas, baralhos de plástico com mulheres nuas, bolachas e soles (a
unidade monetária do Peru). Pediam preços absurdos e em soles para confundir os
turistas. ‘Ora! 38 soles compram um dólar! Essas bolachas estão caras demais’,
disse eu. ‘Ele sabe!’, falou um vendedor para o outro.
O trem partiu às duas da tarde e
subiu lentamente para El Alto. Melinda devolveu-me as fotografias com muitos
elogios. Começou a chover. Um outro casal de americanos, que depois soube
chamarem-se Boris e Maida, também ali estava viajando para Cusco. Maida era
feia. O casal pôs os pés sobre o banco da frente, que estava desocupado.
Um inspetor de polícia recolheu todos
os passaportes e logo devolveu-os carimbados. A estrada de ferro levava-nos
para El Alto, com o trem dando voltas sobre si mesmo, em muitos 8. Pelo caminho
víamos casas pobres com as paredes de adobe. Eram três horas menos dez minutos
da tarde quando passamos pelo arco de boas-vindas. La Paz estava agora
iluminada pelo sol, 860 metros abaixo. Lancei os olhos pela última vez àquela
estranha capital. Adiós, bela cidade, pitoresca e colorida. Adiós, Illimani. O
trem parou numa estaçãozinha de El Alto, os índios atacaram a segunda classe,
vendendo todo tipo de coisas, mas não se aproximaram da primeira. O inspetor de
polícia desceu e a segunda classe se desmembrou.
Agora era apenas o nosso vagão,
transformado em litorina. Às três da tarde partimos pelo Altiplano rumo a
Guaqui, às margens do Titicaca. Maida e Boris conversavam animadamente e ele
tirou as botas, calçando mais um par de meias sobre as que já usava. É que
fazia frio. Melinda lia um livro, Joanne e Paul ressonavam, Rafaelle lia um
jornal de La Paz. Eu olhava pela janela. Tirei umas fotos da paisagem e abri
meu livrinho da viagem para ver como seria exatamente o caminho até Guaqui.
Às 15:30 chegamos a Viacha (altitude
de 3.925 metros). Comprei drops da Califórnia e leite condensado de Amsterdan.
Nesse meio tempo, eu conversava com Melinda, muito culta apesar de apenas 22
anos de idade.
O Altiplano caracteriza-se pela
aridez e capim aos tufos. Às vezes vê-se um rodamoinho de poeira. Às 5 da
tarde, eis-nos passando por... Tiahuanaco! Ao longe, divisei a Porta do Sol.
Paramos na estação durate 10 minutos. A inscrição na plataforma diz: ‘Tiahuanaco
– Km 21 – Altitude: 3.825. FORJADOR DE CIVILIZACIONES”.
Às 17:30 horas chegamos a Guaqui. Saindo do trem,
andamos 15 passos e já estávamos ao lado do grande navio que durante toda a
noite nos levaria até ao Peru”.
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Na 7ª PARTE deste relato, o assunto será a travessia do Lago Titicaca em navio
relativamente grande, de Guaqui na Bolívia a Puno no Peru.
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