sábado, 27 de agosto de 2016

OS MISTÉRIOS DO MONTE SAINT-MICHEL por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Monte Saint-Michel

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Os mistérios do Monte Saint-Michel
Francisco Souto Neto
 
FOTO 1 - Le Mont Saint-Michel em momento de maré cheia. Fotografia da internet (La France vue du ciel -  Foto Sywain Augier) 

            Por vários motivos, o Mont Saint-Michel, uma ilha situada na Normandia, litoral norte da França, é considerado um dos locais mais misteriosos e fascinantes do mundo. No passado visitei aquele lugar na companhia de um amigo, o psicólogo Rubens Faria Gonçalves. Ali hospedados no Hotel du Guesclin durante alguns dias, pudemos conhecer a antiguidade da cidadela medieval e observar as fenomenais marés – as maiores da Europa – que ocorrem naquela região.

Marés gigantescas

FOTO 2 - Souto Neto com Le Mont Saint-Michel ao fundo. 

            A Natureza privilegiou Le Mont Saint-Michel com ciclópicas marés. A diferença entre a altura da montante e da vazante chega aos 15 metros. Na vazante, o mar afasta-se por cerca de 10 quilômetros, deixando expostas as perigosas areias movediças que já mataram  desavisados. Ao retornar, o mar vem com a velocidade de um cavalo a galope. Por tais motivos, é proibido nadar na maré alta e andar pelas areias na baixa. Em toda parte, placas advertem aos turistas dos perigos do Monte.

FOTO 3 - Esta pequena capela fica atrás do Mont Saint-Michel. Na maré vazante, o mar está 10 quilômetros afastado da base do monte.

FOTO 4 - Rubens Gonçalves apontando para a chegada do mar, na maré montante. Em poucos minutos, as águas atingem a encosta do Monte, à direita.

            Durante nossos dias de estada, pudemos admirar por várias vezes esses fenômenos. No primeiro dia, por volta das 15 horas, quando a vazante atingira seu ponto mais baixo, fomos olhar de perto. O mar recuou com tanta intensidade que desapareceu para além da linha do horizonte. Vimos um grupo de turistas tirando os sapatos para iniciar um passeio guiado pelas areias. O guia era um expert do próprio Monte que sabia como identificar e, principalmente, evitar as áreas de areias movediças.

FOTO 5 - A placa branca adverte aos motoristas qual a hora em que a maré montante encobrirá totalmente o estacionamento. A placa maior, com fundo preto, avisa que "baignade interdite" (banho é proibido) e existem "sables mouvants" (areias movediças).

            Deste modo, pode-se ir através das areias expostas, também porque o retorno das águas do mar tem hora marcada, diariamente divulgada por duas vezes através de grandes placas fixadas em pontos estratégicos da ilha. Resolvemos pisar um pouco nas areias e impressionei-me por serem elas extremamente escorregadias.

A saga da foca

            Pouco depois das 17 horas fomos observar o retorno do mar e ficamos fascinados porque as águas de um rio que passa ao lado do Mont Saint-Michel começaram, de repente, a correr ao contrário. O mar surgiu no horizonte e veio avançando rapidamente em direção à ilha, provocando ruidosos turbilhões. Nós, e os demais turistas que ali nos encontrávamos, corríamos para todos os lados, gritando alegremente, mostrando uns aos outros os efeitos do fascinante fenômeno. O mar avançava quase que em cascatas sobre o continente, formando rodamoinhos. Um grande declive nas areias dava-nos a certeza de que teríamos tempo hábil para fugirmos das águas, caso fosse necessário.

            Vimos então um animal trazido pelo mar, que emergia e desaparecia no turbilhão. Quando o bicho saiu das águas e subiu a pequena ladeira de areia, percebemos que se tratava de uma foca que, ao terminar a subida, estirou-se e ficou preguiçosamente a tomar sol, alheia à barulhenta e admirada plateia humana. Todos nós não resistimos a um pequeno afago nas costas do animal, que parecia habituado a receber tais carícias. Um dos presentes, um entusiasmado turista, dizendo que seria mais seguro que a foca voltasse ao mar, levou as mãos sob o mamífero, rolando-o para as águas. Porém a foca não tinha a mesma opinião porque, sob uma gargalhada generalizada, saiu do mar buliçoso, galgando a ladeira por onde fora empurrada e, outra vez, estirou-se na areia seca.

FOTO 6 - Rubens Gonçalves filmando a foca trazida pela maré montante.

            Mas tudo foi muito rápido, porque a maré expulsou-nos para as rochas, donde vimos a foca, agora sem areias secas onde tomar banhos de sol, nadando para longe.

            Em poucos minutos toda a região onde se avistavam somente areias – as temíveis areias movediças – estava tomada pelo mar, agora muito sereno, que contornou toda a ilha de Le Mont Saint-Michel.

            Algumas vezes atravessamos La Digue a pé e fomos aos campos nas terras continentais, a grande distância, para observarmos o Monte de longe e para vermos os famosos carneiros das redondezas.

FOTO 7 - Souto Neto atrás dos carneiros, no continente, com a ilha do Mont Saint-Michel ao fundo.

A cidadela medieval

            A história do Monte é a seguinte: no final do século VII, Saint Michel (no Brasil, São Miguel) teria aparecido em sonho ao abade Aubert, pedindo-lhe que construísse uma capela no alto do Mont Tombe (Monte Túmulo), pois era assim que então se chamava. O abade não tomou qualquer providência porque as violentas marés e as traiçoeiras areias movediças da vazante tornavam o caminho extremamente perigoso. Então Saint Michel apareceu-lhe num segundo sonho, e com um dedo apertou a cabeça do assustado religioso, para que este se lembrasse do seu pedido.

FOTO 8 -  Crânio do abade Aubert, tido como relíquia numa das igrejas do Mont Saint-Michel (que estava fechada), mostra o lugar onde o anjo São Miguel (San Michael) o teria apertado com o dedo. Desenho "Caveira do abade Aubert" encontrado na internet.

            Assim, o Mont Saint-Michel – como passou a ser chamado – começou como um oratório no ano de 708. Em 1017 foi iniciada a construção da igreja e da abadia. No começo do século XIII foi acrescentado o mosteiro que passou a ser conhecido como “La Merveille” (“O Milagre”) e “A Maravilha do Ocidente”, um dos mais gloriosos complexos arquitetônicos do planeta.

            O Monte tornou-se um dos mais importantes locais de peregrinação cristã na Europa, só comparável a Roma e Santiago de Compostela. No final do século XIX a ilha foi unida ao continente por uma passarela artificial conhecida como “La Digue”, hoje usada por veículos que chegam até aos portões da cidadela.

FOTO 9 - Fotografia tirada por Souto Neto do alto da abadia, mostra em primeiro plano a ilha, em seguida La Digue, que faz a ligação com o continente, cheia de carros e ônibus estacionados, o que é possível somente durante a maré vazante. Em último plano, as pastagens das ovelhas. Muito ao longe, depois das pastagens, há uns hotéis para quem deseja pagar diárias menos caras.

            No seu interior, pelas ruelas, circulam somente pedestres. A cidadela medieval que resistiu a várias invasões e guerras ocorridas através dos séculos e que chegou intacta aos nossos dias, é encantadora e fascinante. Andar por suas ruas tortuosas, algumas das quais com menos de um metro de largura, transporta-nos a um passado remoto e fascinam pela extrema beleza.

            A abadia, no alto da ilha, é magnífica. Percorremos seus corredores, salões e galerias. Alguns trechos são mantidos propositalmente com pouca iluminação, o que facilita a sensação de recuo no tempo. Tudo é desmesuradamente grandioso. Não sei em que Umberto Eco se inspirou para escrever “O Nome da Rosa”, mas não será inesperado se a resposta estiver no Le Mont Saint-Michel. De todo o complexo formado pela abadia e igreja, a maior surpresa é o átrio no pináculo da construção, com delicada colunata dupla, tudo isto emoldurando o grande quadrilátero que abriga um jardim suspenso cheio de florinhas e pássaros.

FOTO 10 - Rubens Gonçalves filmando o claustro e seu jardim, na parte mais alta da abadia.

            Durante o dia, hordas de turistas entopem as ruelas e é difícil andar por ali. A Grande Rue, principal via do Monte, que sobe íngreme até à abadia, é cheia de lojas, lanchonetes e restaurantes atulhados de gente. É enorme o número de turistas viajando acompanhados dos seus cães de estimação.

FOTO 11 - Rubens Gonçalves na Grande Rue, a principal do Monte, repleta de turistas.

            À noite, como poucas pessoas hospedam-se na cidadela, as multidões desaparecem e o silêncio desce imperioso. As ruelas medievais tornam-se quietas. Andávamos então ouvindo o ressoar dos próprios passos, e as nossas vozes ecoavam pelos becos vazios. Só alguns casais permaneciam namorando na obscuridade.

FOTO 12 - Souto Neto subindo por este caminho entre duas lojas da Grande Rue. Por incrível que pareça, esta escada é uma rua do Monte, que leva às entradas de algumas casas.

FOTO 13 – Os frades da Abadia, andando dentro desta roda (como ratos) faziam subir as mercadorias para o alto do Monte.

FOTO 14 – Esta é uma das duas gigantescas lareiras da imensa sala de refeições que aqueciam centenas de peregrinos na Idade Média.

FOTO 15 – Francisco Souto Neto em frente às antiquíssimas residências do Mont Saint-Michel com seus telhados de ardósia.

            Em julho o sol se põe às 22 horas. No lusco-fusco, os passarinhos alvoroçam-se para liquidar os farelos de comestíveis deixados no chão pelos turistas. Os cães, de todos os tamanhos e cores, que durante o dia imperam na cidadela, somem com os seus donos quando a noite cai. Surgem então os soberanos noturnos do Mont Saint-Michael: os gatos. Inúmeros, entram nos latões de lixo revirando tudo que podem, e andam em atitude de caça. Creio que procuram por ratos e baratas, mas ainda bem que não vimos essas duas outras espécies.

            Quando deixamos o nosso hotel centenário situado no alto de uma das muralhas da cidadela – o Hôtel Du Guesclin - teríamos como destino outras localidades do interior da França, mas nem a expectativa de futuras descobertas encobria a tristeza de termos que deixar o quase mágico Le Mont Saint-Michel, com suas marés gigantescas e as admiráveis construções que, durante todo o tempo, deram-nos a sensação de estarmos face a face com a Eternidade.

Abaixo, o link do YouTube com o resumo de um filme que fizemos no Mont Saint-Michel:

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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

REUNIÃO DA ACADEMIA DE LETRAS JOSÉ DE ALENCAR EM AGOSTO DE 2016 por Francisco Souto Neto.


Comendador Francisco Souto Neto

Reunião da Academia de Letras José de Alencar em agosto de 2016

Francisco Souto Neto

Reuniram-se ontem os membros da Academia de Letras José de Alencar em sua sede no Palacete dos Leões, no bairro curitibano Alto da Glória. Tivemos um dia típico de inverno com chuva, vento e muito frio. Entretanto a reunião sob a presidência da advogada e escritora Anita Zippin, transcorre sempre em clima agradável, acolhedor e fraternal, não importa a estação do ano. Compareceram ao encontro Arioswaldo Trancoso Cruz, Alberto Gomes, Claudinei Roncolatto, Celso Portugal, Francisco Souto Neto, João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat, Mariane Jacques, Noilves Araldi, Rubens Faria Gonçalves, Tânia Rosa Ferreira Cascaes e Vera Rauta.

Hoje, numa pausa nos meus artigos ou crônicas semanais, vou tão-somente anexar as fotografias da reunião captadas com a câmera de Rubens Faria Gonçalves, fotos estas feitas por ele próprio ou por mim, Francisco Souto Neto. A filmagem realizada por João Carlos Cascaes – o diretor da Academia que documenta magnificamente todas as reuniões em fotos e filmes – serão acrescentadas ao final, através do YouTube ou do blog da própria Academia de Letras.

Quem desejar informações sobre o Palacete dos Leões, poderá encontra-las  no meu artigo publicado na revista “Mary in Foco” nº 18, de maio de 2008, neste endereço:


Sobre a Academia de Letras José de Alencar, o leitor encontrará fartas informações no endereço seguinte:


Abaixo, as fotografias da reunião de 18 de agosto de 2016: 


1 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Arioswaldo Trancoso Cruz, Anita Zippin, Celso de Macedo Portugal.

2 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Celso de Macedo Portugal, Hamilton Bonat e Francisco Souto Neto lendo a ata por ele lavrada. 

3 - Ata da reunião anterior da Academia de Letras José de Alencar.

4 - Ata da reunião anterior da Academia de Letras José de Alencar.

5 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Claudinei Roncolatto, Noilves Araldi, Mariane Jacques, Arioswaldo Trancoso Cruz. 

6 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Claudinei Roncolatto, Noilves Araldi. 

7 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – João Carlos Cascaes, o diretor que filma e fotografa as reuniões da Academia.

8 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Anita Zippin, Celso de Macedo Portugal, Hamilton Bonat, Vera Rauta, Francisco Souto Neto, João Carlos Cascaes (em pé, filmando), Alberto Gomes (de costas). 

9 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Alberto Gomes, Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Claudinei Roncolatto, Noilves Araldi.

10 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Arioswaldo Trancoso Cruz, Anita Zippin, Celso de Macedo Portugal, Hamilton Bonat. 

11 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Arioswaldo Trancoso Cruz, Anita Zippin, Celso de Macedo Portugal, Hamilton Bonat, Vera Rauta, Francisco Souto Neto. 

12 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat. 

13 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat, Tânia Rosa Ferreira Cascaes. 

14 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Tânia Rosa Ferreira Cascaes. 

15 - Foto de Francisco Souto Neto - Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Arioswaldo Trancoso Cruz, Rubens Faria Gonçalves, João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat.

16 – Foto de Francisco Souto Neto – Rubens Faria Gonçalves, João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat. 

17 – Foto de Francisco Souto Neto – Celso de Macedo Portugal, Alberto Gomes, Tânia Rosa Ferreira Cascaes, Anita Zippin, Rubens Faria Gonçalves, Hamilton Bonat. 

18 – Foto de Francisco Souto Neto – Arioswaldo Trancoso Cruz, Celso de Macedo Portugal. 

19 – Foto de Francisco Souto Neto – Claudinei Roncolatto, Anita Zippin, Noilves Aralde, Mariane Jacques. 

20 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – Celso de Macedo Portugal, Francisco Souto Neto, Alberto Gomes, João Carlos Cascaes. 

21 – Foto de Rubens Faria Gonçalves – João Carlos Cascaes, Hamilton Bonat.

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A filmagem da mesma reunião, da autoria de Dr. João Carlos Cascaes, poderá ser vista em vários dos seus trechos nestes links:

Francisco Souto Neto lê a ata da reunião anterior da Academia de Letras, por ele lavrada:



A presidenta da Academia, Anita Zippin, fala sobre a Antologia de Bolso, cujo primeiro tomo terá como tema “Inspiração”:



Hamilton Bonat conta a história da sua vida:

Arioswaldo Trancoso Cruz e Anita Zippin falam sobre livros. Depois, Anita refere-se ao novos associados e ao preenchimento de vaga patronímica:



Sobre as eleições para a nova diretoria e a Chapa Inspiração:



Francisco Souto Neto fala sobre o vocábulo “presidenta” e a respeito das revistas que alteram as cartas dos leitores: o caso Eduardo Cunha e um remoto acontecimento envolvendo Marilyn Monroe:



O lanche dos acadêmicos:



Lanche e descontração:



Ainda o lanche e descontração:



Fim de festa:


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sábado, 13 de agosto de 2016

O JORNAL DA MANHÃ, DE PONTA GROSSA, NOS PASSEIOS DA MINHA MEMÓRIA por Francisco Souto Neto para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Arary Souto,  diretor de redação do Jornal do Paraná (da década de 40 ao começo da década de 50) que se tornou o atual Jornal da Manhã. 

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

O Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, nos passeios da minha memória
Comendador Francisco Souto Neto
Escrevi um longo e-mail ao diretor de redação do Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, lembrando da grande influência que meu pai exerceu na sua formação, na qualidade de também diretor de redação do antecessor do referido diário, que foi o Jornal do Paraná. Ao mesmo tempo fiquei sensibilizado por ter recebido, através do Sr. Egon Kruse, um convite do Sr. Aldo Mikaelli, para a Festa dos Radialistas de Ponta Grossa (pois meu pai Arary Souto foi jornalista e radialista) a realizar-se no dia 8 de novembro vindouro. Nas palavras que recebi do Sr. Mikaelli, “para que venhas receber um brinde em nome do querido Arary Souto”. Senti-me emocionado com o convite, principalmente porque meu pai faleceu há mais de meio século, há 53 anos para ser exato, e continua sendo lembrado por seus amigos autênticos. Por isso resolvi fazer do e-mail dirigido do diretor do Jornal da Manhã, uma carta aberta para, excepcionalmente, publicá-la no Portal Iza Zilli, no lugar do meu habitual artigo.

Carta aberta

Exmº Sr. Jornalista ELOIR RODRIGUES,
DD. Diretor de Redação do JORNAL DA MANHÃ.
Ponta Grossa, PR.

Prezado jornalista Sr. Eloir!

A areia da ampulheta escorre depressa demais, e os fatos jornalísticos havidos no século XX estavam, até muito recentemente, se perdendo no tempo e caindo no esquecimento. O prodígio desta nova era, representado pela internet, está propiciando o resgate de muitos tesouros históricos, graças à paulatina digitalização que vem ocorrendo com o que restou de jornais e revistas publicados há décadas, que afortunadamente vinham sendo guardados por cidadãos comuns em armários de sótãos.

A história da imprensa ponta-grossense é fascinante. Meu pai exerceu forte influência no jornalismo dos Campos Gerais, porém poucos registros dão conta disso. Até mesmo eu tive alguma participação nessa história, porque eventualmente fiz publicações no Jornal da Manhã, embora sem grande importância. Assim, como no passado eu tive contato amiúde com esse jornal, gostaria de passar algumas informações ao prezado colega que ora se encontra no comando do matutino, no afã de que estas possam se integrar à valorosa história desse diário, e talvez perpetuá-las em prol da Memória da cidade de Ponta Grossa.

Jornal do Paraná, antecessor do Jornal da Manhã

O Jornal da Manhã tem um histórico que antecede à sua fundação em 4 de julho de 1954. Na década de 40 existiu em Ponta Grossa o Jornal do Paraná, que era considerado o mais informativo do nosso Estado. Não tenho memórias muito concretas daquele tempo devido à minha então tenra idade, mas alguns documentos comprovam: meu pai, Arary Souto (1908-1963), que já trabalhava naquele diário, foi seu diretor de redação, como se lê na primeira página da edição de 24 de maio de 1949:


Durante os primeiros meses de 1951 meu pai afastou-se por alguns meses da diretoria do jornal para solucionar problemas surgidos na Companhia Impressora do Paraná, que pertencia ao mesmo jornal, à qual ele estava também ligado, onde cumulava o cargo de gerente.


ANEXO 1 – Arary Souto em 1951.

Após alguns meses, resolvidos os tais problemas, Arary Souto voltou a se dedicar exclusivamente às funções de diretor de redação do Jornal do Paraná, ocasião em que o diretor superintendente, Adalberto Carvalho de Araújo, fez uma retrospectiva da vida de meu pai, o que considero memorável, como se lê na primeira página da edição de 1º de novembro de 1951:


Eu mantenho as encadernações mensais do Jornal do Paraná, que um dia pretendo doar a alguma instituição ponta-grossense que se comprometa a manter os originais para sempre e digitalizar todos os exemplares: ou à Biblioteca Pública, ou à Casa da Cultura, ou a quem tiver o propósito de colocar seu conteúdo integralmente na internet. Esses jornais preservam a História de Ponta Grossa da metade do século XX. Nas duas fotos abaixo, a primeira exibe um pedaço da parte superior de uma primeira página do jornal, e a segunda mostra Adalice Araújo comigo, em minha residência, folheando um dos cadernos mensais do Jornal do Paraná, do qual os nossos respectivos pais eram pares de diretoria: Adalberto Carvalho de Araújo como diretor superintendente, e Arary Souto como diretor de redação.

ANEXO 2 – Um detalhe da primeira página da edição de 20 de julho de 1949 do Jornal do Paraná.

 
ANEXO 3 – Francisco Souto Neto recebe Adalice Araújo e juntos folheiam as edições encadernadas do mês de julho de 1949 do Jornal do Paraná.

Em 1953, atendendo a um convite de Wilson Barbosa Martins, então prefeito de Campo Grande (depois senador da República e mais tarde governador de MS), meu pai transferiu nosso domicílio para aquela cidade, para fundar – ou organizar? – o jornal Correio do Estado, do qual durante algum tempo foi redator-chefe.

Neste ínterim, em Ponta Grossa, o Jornal do Paraná foi vendido. Quem comprou o seu título foi a Folha de Londrina, que pretendia lançar um “novo Jornal do Paraná” em Curitiba. Não concretizou seu projeto, mas incorporou referido título a seu próprio, passando a chamar-se “Folha de Londrina, o Jornal do Paraná”, como continua até hoje. A parte física da empresa foi totalmente comprada pelo novo matutino Jornal da Manhã, por isso este era considerado como o legítimo sucessor do Jornal do Paraná. Nos primeiros tempos, quando algum jornalista do Jornal da Manhã se referia a meu pai, escrevia algo como: “O Sr. Arary Souto, que foi nosso diretor de redação...”.

Retornamos a Ponta Grossa em novembro ou dezembro de 1955, porque meu pai tinha uma nova missão: fundar e dirigir a Rádio Central do Paraná, o que fez dali até seu falecimento em 1963.


Década de 50 e a importância da “Cortina de Seda” do Jornal da Manhã

O que vou adiante narrar ocorreu há cerca de 60 anos. Nos anos dourados, como é chamada a década de 50 do século XX, a crônica social dava força aos jornais. No eixo Rio – São Paulo, existiam Jacintho de Thormes e Ibrahim Sued. No Paraná eram Fadlo Auak com sua coluna “Cortina de Seda” em Ponta Grossa, e Dino Almeida com “Nossa Sociedade” no Diário do Paraná, em Curitiba.

A Cortina de Seda era publicada na edição dominical do Jornal da Manhã, e de tão bem conceituada e poderosa, fazia aumentar a circulação do matutino. Assinava-a Fadlo Auak, heterônimo de Sebastião Nascimento Filho, o conhecido e saudoso Professor Bastico. O exemplar da coluna abaixo, é recorte de uma edição de janeiro de 1958, ilustrada com um único clichê mostrando a Srª Vera Nascimento Sávio, esposa de Bernardo Sávio, “uma das dez mais elegantes de Ponta Grossa”.

ANEXO 4 –  “Cortina de Seda”, de Fadlo Auak, em Jornal da Manhã de janeiro de 1958.

Aos 13 anos de idade, eu já desejava escrever e publicar no Jornal da Manhã. Meu pai aconselhava-me esperar por mais algum tempo, para que eu, com a idade, ganhasse mais estofo e um melhor domínio do idioma pátrio. Ele tinha razão. Contudo, no ano seguinte ocorreu um fato marcante no jornalismo ponta-grossense: aparentemente cansado do jornalismo, Fadlo Auak cedeu a sua coluna Cortina de Seda a uma misteriosa Belinda, cuja identidade ninguém conhecia. Como Belinda se mostrava inovadora, eu resolvi ousar, e arrisquei: escondido do meu pai, escrevi uma carta a Belinda oferecendo-lhe colaboração e assinei o pseudônimo de “Mister X”. Para mim não seria difícil escrever sobre o hight society, porque bastava ouvir as novidades que os amigos dos meus irmãos, reunidos na nossa sala, comentavam. Não revelei a Belinda a minha identidade, porque eu era ainda um garoto, e se ela soubesse disso, certamente não se interessaria em ter, dentro da sua coluna de tamanho prestígio, a colaboração de um menino inexperiente. Fiz isto sem que ninguém soubesse. Para minha surpresa, Belinda aceitou a colaboração e publicou as notinhas que lhe enviei. As minhas notícias dentro da Cortina de Seda passaram a levar o subtítulo “Mexericos de Mister X”. Por incrível que pareça, Mister X fez sucesso. No domingo, o jornal aberto nas mãos do meu irmão, ouvi-o dizer à nossa irmã: “Veja, agora há um tal Mister X fazendo fofocas na Cortina de Seda”… e eu senti um frio na barriga. Mas esta já é outra história. O episódio de minha entrada no jornalismo ficou registrado na Cortina de Seda – coluna social de Belinda – num Jornal da Manhã de dezembro de 1959:

ANEXO 5 - No final do ano de 1959, a misteriosa Belinda passa a assinar a Cortina de Seda (Jornal da Manhã, Ponta Grossa) no lugar de Fadlo Auak. E ganha um colaborador, também misterioso, que assina… Mister X.

Nunca revelei a identidade de Mister X na Cortina de Seda. Belinda também não revelou aos seus leitores quem era ela. Passados quase 60 anos, mantenho a identidade da instigante Belinda em segredo, pois ao contrário do elegante Fadlo Auak, Belinda deixou alguns leitores irritados com o tom às vezes ácido que adotou na coluna.

Já houve um estudo sério a respeito das mulheres na história do jornalismo ponta-grossense, que participou do 9º Encontro Nacional da História da Mídia, realizado na UFOP – Ouro Preto, Minas Gerais, de 30 de maio a 1º de junho de 2013, no qual os autores Paula Melani Rocha, Marina A. Oliveira e Crystian E. Kuhl mencionam os dois primeiros nomes femininos de que se tem registro na imprensa ponta-grossense: Belinda e Neide Zanoni (vide capítulo “A mulher e o colunismo social em Ponta Grossa”, antes das “Considerações finais”):


Década de 60 a 90


Meu pai faleceu em 11 de abril de 1963, uma semana antes de seu 56º aniversário. Ele era diretor geral da Rádio Central do Paraná desde o final do ano de 1955 e na ocasião ocupava a presidência do Rotary Club local. Nos meses seguintes a seu falecimento, dois seus grandes amigos, Dr. Faris Michaele e Deodoro Alves Quintiliano, presidentes do Centro Cultural Euclides da Cunha e União Brasileira de Trovadores – Seção Ponta Grossa, respectivamente, chamaram-me para ocupar cargos em ambas as diretorias daquelas instituições. Eles desejavam introduzir-me ao mundo cultural e literário da Princesa dos Campos.

Em 1964 o famoso cronista social Dino Almeida, de Curitiba, estendeu sua coluna ao Jornal da Manhã, onde era publicada aos domingos, simultaneamente com o mesmo conteúdo na Gazeta do Povo, de Curitiba. Abaixo, na edição de 26 de janeiro de 1964, a primeira nota do subtítulo “Da agenda princesinha”, divulgava-se o casamento de minha irmã Ivone Barbosa Souto com Dulci Col da Rosa, como se vê adiante:

ANEXO 6 – Coluna social do celebrado Dino Almeida na edição de 21.1.1964 no Jornal da Manhã. A intermediação pela publicação dominical de Dino no JM, foi feita por Eduardo Domingues de Souza.

Em 1965 eu publicava sonetos e também textos no Jornal da Manhã, como o que se lê adiante, publicado na primeira página da edição de 31 de dezembro de 1965.

ANEXO 7 – Primeira página da edição de 31 de dezembro de 1965, com carta de Francisco Souto Neto dirigida a Nicolau Ferigotti, diretor de redação do Jornal da Manhã.

 
ANEXO 8 – Detalhe da página acima.

Ainda muito jovem, a carta publicada demonstra os sonhos e os equívocos dos adolescentes da minha geração. O presidente da República era Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro do regime militar. Todos estávamos tomados por uma espécie de catarse, ou histeria coletiva que, temerosa pelo “assédio” do comunismo, achávamos ainda que o governo militar seria bom para a cultura do país e acreditávamos que Castelo Branco convocaria eleições gerais para a presidência. Ledo (melhor dizer tenebroso) engano!

A primeira publicação do Jornal da Manhã no ano de 1968 é datada de 3 de janeiro. Nessa edição, o jornalista Gilson Cordeiro teceu comentários a respeito da inauguração da Rua Engenheiro Francisco Souto Júnior, em homenagem ao pai de Arary Souto e avô de Francisco Souto Neto:

ANEXO 9 – “A Família Souto”, um sensível artigo do jornalista Gilson Cordeiro na edição de 3.1.1968 do Jornal da Manhã, em homenagem à memória de Francisco Souto Júnior, pai de Arary Souto e avô de Francisco Souto Neto. 


ANEXO 10 - À esquerda, Francisco Souto Júnior (1881-1948) e à direita Arary Souto (1908-1963).  

Em 1968 eu já publicava longos artigos no Jornal da Manhã, como se vê neste recorte da edição de 24.4.1968, com minhas impressões de uma viagem que fiz abrangendo cinco países da América do Sul. O artigo abaixo é um resumo de uma palestra que proferi na reunião festiva do Rotary Club local, no dia 7 de fevereiro de 1968, a convite do Sr. Afonso Lange, um grande amigo de meu saudoso pai, que pode se encontrada abaixo:

ANEXO 11 – “Memórias da cidade sagrada de Machu Picchu”, de Francisco Souto Neto, artigo publicado na edição de 24.4.1968 do Jornal da Manhã:

Em 13.7.1969 o JM chegou a incluir o meu nome num teste de conhecimentos, como se vê na questão 6 do anexo abaixo:

ANEXO 12 – O JM incluiu no item 6 o nome de Francisco Souto Neto no seu teste de conhecimentos... gentilezas do jornal.

O Jornal da Manhã nunca deixou de se referir às suas raízes provenientes do Jornal do Paraná, como no recorte abaixo, da sua edição de 29 de setembro de 1979, quando da inauguração da “Rua Arary Souto” em Ponta Grossa, em homenagem à memória do meu pai. Um trecho da reportagem, referindo-se a Arary Souto registra o seguinte: “Em 1948 [Arary Souto] mudou-se para Ponta Grossa, onde exerceu a princípio o cargo de redator-chefe do matutino do Jornal do Paraná, passando a ser seu diretor aproximadamente em 1949. O Jornal do Paraná foi posteriormente vendido, recebendo o nome de Jornal da Manhã”, conforme se confirma abaixo:

ANEXO 13 – “Duas ruas receberam ontem suas denominações [Abel Ricci e Arary Souto]”, conforme o  Jornal da Manhã de 29 de setembro de 1979. Na foto que ilustra a reportagem, o prefeito Romeu de Almeida Ribas e Dª Edith Barbosa Souto – viúva de Arary Souto – descerram a placa com o nome da rua.

Eu, que trabalhava na agência local do Banco do Estado do Paraná, com a passagem do tempo fui aprovado em concurso interno para ser inspetor da instituição, e nos últimos 17 anos de minha carreira fui assessor de diretoria, da presidência e assessor para assuntos de cultura do Banestado. Aposentei-me em 1991.

Em 1988, na qualidade de Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado, instituí um Conselho de Administração para a Galeria Banestado de Ponta Grossa, composto por alguns nomes sugeridos por mim, que eram meus amigos de longa data: o artista plástico Sidney Mariano, o intelectual Augusto Cunha Rocha e Dr. Brasil Borba (este confirmado pelo então Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa), e viajei a Ponta Grossa para dar posse ao conselho, que se completou com os nomes de Maria Augusta Pereira Jorge (sugerida pelo prefeito municipal) e Ronald Folador (sugerido pela imprensa escrita, falada e televisionada). A galeria era dirigida por Jurandir Modesto e administrada por Leda Maria Veneri. Em sua edição de 30.3.1988 o Jornal da Manhã deu ampla cobertura ao acontecimento, como se vê no recorte abaixo:

ANEXO 14 – “Galeria de Arte Banestado empossa seu 1º Conselho Administrativo”, na edição de 30.3.1988 do Jornal da Manhã. A reportagem é ilustrada com foto de Francisco Souto Neto, Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado”.

Ao longo do tempo, ficaram para mim a lembrança do Jornal da Manhã como um “diário amigo”, e a dos antigos diretores desse matutino que se sucederam no transcorrer da segunda metade do século passado. Fica aqui esta minha carta em forma de depoimento, no afã de que estas palavras alcancem os diretores que estão por vir – seus sucessores na diretoria de redação – e que prossigam com os mesmos entusiasmo e a competência, alcançando muitas e muitas gerações do porvir.

Com os agradecimentos e cumprimentos de
Francisco Souto Neto.
Curitiba, PR.


P.S.: Ocorreu-me agora a ideia de fazer deste e-mail uma carta aberta, de modo a pô-la no meu blog e também no Portal Iza Zilli, do qual sou colaborador, e ainda no grupo público do Facebook “Antigamente em Ponta Grossa”, sob a moderação de Paulo José da Costa. Será uma forma de elogio à longevidade do Jornal da Manhã e da sua defesa aos legítimos interesses do Município de Ponta Grossa.

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