sábado, 27 de agosto de 2016

OS MISTÉRIOS DO MONTE SAINT-MICHEL por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Monte Saint-Michel

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Os mistérios do Monte Saint-Michel
Francisco Souto Neto
 
FOTO 1 - Le Mont Saint-Michel em momento de maré cheia. Fotografia da internet (La France vue du ciel -  Foto Sywain Augier) 

            Por vários motivos, o Mont Saint-Michel, uma ilha situada na Normandia, litoral norte da França, é considerado um dos locais mais misteriosos e fascinantes do mundo. No passado visitei aquele lugar na companhia de um amigo, o psicólogo Rubens Faria Gonçalves. Ali hospedados no Hotel du Guesclin durante alguns dias, pudemos conhecer a antiguidade da cidadela medieval e observar as fenomenais marés – as maiores da Europa – que ocorrem naquela região.

Marés gigantescas

FOTO 2 - Souto Neto com Le Mont Saint-Michel ao fundo. 

            A Natureza privilegiou Le Mont Saint-Michel com ciclópicas marés. A diferença entre a altura da montante e da vazante chega aos 15 metros. Na vazante, o mar afasta-se por cerca de 10 quilômetros, deixando expostas as perigosas areias movediças que já mataram  desavisados. Ao retornar, o mar vem com a velocidade de um cavalo a galope. Por tais motivos, é proibido nadar na maré alta e andar pelas areias na baixa. Em toda parte, placas advertem aos turistas dos perigos do Monte.

FOTO 3 - Esta pequena capela fica atrás do Mont Saint-Michel. Na maré vazante, o mar está 10 quilômetros afastado da base do monte.

FOTO 4 - Rubens Gonçalves apontando para a chegada do mar, na maré montante. Em poucos minutos, as águas atingem a encosta do Monte, à direita.

            Durante nossos dias de estada, pudemos admirar por várias vezes esses fenômenos. No primeiro dia, por volta das 15 horas, quando a vazante atingira seu ponto mais baixo, fomos olhar de perto. O mar recuou com tanta intensidade que desapareceu para além da linha do horizonte. Vimos um grupo de turistas tirando os sapatos para iniciar um passeio guiado pelas areias. O guia era um expert do próprio Monte que sabia como identificar e, principalmente, evitar as áreas de areias movediças.

FOTO 5 - A placa branca adverte aos motoristas qual a hora em que a maré montante encobrirá totalmente o estacionamento. A placa maior, com fundo preto, avisa que "baignade interdite" (banho é proibido) e existem "sables mouvants" (areias movediças).

            Deste modo, pode-se ir através das areias expostas, também porque o retorno das águas do mar tem hora marcada, diariamente divulgada por duas vezes através de grandes placas fixadas em pontos estratégicos da ilha. Resolvemos pisar um pouco nas areias e impressionei-me por serem elas extremamente escorregadias.

A saga da foca

            Pouco depois das 17 horas fomos observar o retorno do mar e ficamos fascinados porque as águas de um rio que passa ao lado do Mont Saint-Michel começaram, de repente, a correr ao contrário. O mar surgiu no horizonte e veio avançando rapidamente em direção à ilha, provocando ruidosos turbilhões. Nós, e os demais turistas que ali nos encontrávamos, corríamos para todos os lados, gritando alegremente, mostrando uns aos outros os efeitos do fascinante fenômeno. O mar avançava quase que em cascatas sobre o continente, formando rodamoinhos. Um grande declive nas areias dava-nos a certeza de que teríamos tempo hábil para fugirmos das águas, caso fosse necessário.

            Vimos então um animal trazido pelo mar, que emergia e desaparecia no turbilhão. Quando o bicho saiu das águas e subiu a pequena ladeira de areia, percebemos que se tratava de uma foca que, ao terminar a subida, estirou-se e ficou preguiçosamente a tomar sol, alheia à barulhenta e admirada plateia humana. Todos nós não resistimos a um pequeno afago nas costas do animal, que parecia habituado a receber tais carícias. Um dos presentes, um entusiasmado turista, dizendo que seria mais seguro que a foca voltasse ao mar, levou as mãos sob o mamífero, rolando-o para as águas. Porém a foca não tinha a mesma opinião porque, sob uma gargalhada generalizada, saiu do mar buliçoso, galgando a ladeira por onde fora empurrada e, outra vez, estirou-se na areia seca.

FOTO 6 - Rubens Gonçalves filmando a foca trazida pela maré montante.

            Mas tudo foi muito rápido, porque a maré expulsou-nos para as rochas, donde vimos a foca, agora sem areias secas onde tomar banhos de sol, nadando para longe.

            Em poucos minutos toda a região onde se avistavam somente areias – as temíveis areias movediças – estava tomada pelo mar, agora muito sereno, que contornou toda a ilha de Le Mont Saint-Michel.

            Algumas vezes atravessamos La Digue a pé e fomos aos campos nas terras continentais, a grande distância, para observarmos o Monte de longe e para vermos os famosos carneiros das redondezas.

FOTO 7 - Souto Neto atrás dos carneiros, no continente, com a ilha do Mont Saint-Michel ao fundo.

A cidadela medieval

            A história do Monte é a seguinte: no final do século VII, Saint Michel (no Brasil, São Miguel) teria aparecido em sonho ao abade Aubert, pedindo-lhe que construísse uma capela no alto do Mont Tombe (Monte Túmulo), pois era assim que então se chamava. O abade não tomou qualquer providência porque as violentas marés e as traiçoeiras areias movediças da vazante tornavam o caminho extremamente perigoso. Então Saint Michel apareceu-lhe num segundo sonho, e com um dedo apertou a cabeça do assustado religioso, para que este se lembrasse do seu pedido.

FOTO 8 -  Crânio do abade Aubert, tido como relíquia numa das igrejas do Mont Saint-Michel (que estava fechada), mostra o lugar onde o anjo São Miguel (San Michael) o teria apertado com o dedo. Desenho "Caveira do abade Aubert" encontrado na internet.

            Assim, o Mont Saint-Michel – como passou a ser chamado – começou como um oratório no ano de 708. Em 1017 foi iniciada a construção da igreja e da abadia. No começo do século XIII foi acrescentado o mosteiro que passou a ser conhecido como “La Merveille” (“O Milagre”) e “A Maravilha do Ocidente”, um dos mais gloriosos complexos arquitetônicos do planeta.

            O Monte tornou-se um dos mais importantes locais de peregrinação cristã na Europa, só comparável a Roma e Santiago de Compostela. No final do século XIX a ilha foi unida ao continente por uma passarela artificial conhecida como “La Digue”, hoje usada por veículos que chegam até aos portões da cidadela.

FOTO 9 - Fotografia tirada por Souto Neto do alto da abadia, mostra em primeiro plano a ilha, em seguida La Digue, que faz a ligação com o continente, cheia de carros e ônibus estacionados, o que é possível somente durante a maré vazante. Em último plano, as pastagens das ovelhas. Muito ao longe, depois das pastagens, há uns hotéis para quem deseja pagar diárias menos caras.

            No seu interior, pelas ruelas, circulam somente pedestres. A cidadela medieval que resistiu a várias invasões e guerras ocorridas através dos séculos e que chegou intacta aos nossos dias, é encantadora e fascinante. Andar por suas ruas tortuosas, algumas das quais com menos de um metro de largura, transporta-nos a um passado remoto e fascinam pela extrema beleza.

            A abadia, no alto da ilha, é magnífica. Percorremos seus corredores, salões e galerias. Alguns trechos são mantidos propositalmente com pouca iluminação, o que facilita a sensação de recuo no tempo. Tudo é desmesuradamente grandioso. Não sei em que Umberto Eco se inspirou para escrever “O Nome da Rosa”, mas não será inesperado se a resposta estiver no Le Mont Saint-Michel. De todo o complexo formado pela abadia e igreja, a maior surpresa é o átrio no pináculo da construção, com delicada colunata dupla, tudo isto emoldurando o grande quadrilátero que abriga um jardim suspenso cheio de florinhas e pássaros.

FOTO 10 - Rubens Gonçalves filmando o claustro e seu jardim, na parte mais alta da abadia.

            Durante o dia, hordas de turistas entopem as ruelas e é difícil andar por ali. A Grande Rue, principal via do Monte, que sobe íngreme até à abadia, é cheia de lojas, lanchonetes e restaurantes atulhados de gente. É enorme o número de turistas viajando acompanhados dos seus cães de estimação.

FOTO 11 - Rubens Gonçalves na Grande Rue, a principal do Monte, repleta de turistas.

            À noite, como poucas pessoas hospedam-se na cidadela, as multidões desaparecem e o silêncio desce imperioso. As ruelas medievais tornam-se quietas. Andávamos então ouvindo o ressoar dos próprios passos, e as nossas vozes ecoavam pelos becos vazios. Só alguns casais permaneciam namorando na obscuridade.

FOTO 12 - Souto Neto subindo por este caminho entre duas lojas da Grande Rue. Por incrível que pareça, esta escada é uma rua do Monte, que leva às entradas de algumas casas.

FOTO 13 – Os frades da Abadia, andando dentro desta roda (como ratos) faziam subir as mercadorias para o alto do Monte.

FOTO 14 – Esta é uma das duas gigantescas lareiras da imensa sala de refeições que aqueciam centenas de peregrinos na Idade Média.

FOTO 15 – Francisco Souto Neto em frente às antiquíssimas residências do Mont Saint-Michel com seus telhados de ardósia.

            Em julho o sol se põe às 22 horas. No lusco-fusco, os passarinhos alvoroçam-se para liquidar os farelos de comestíveis deixados no chão pelos turistas. Os cães, de todos os tamanhos e cores, que durante o dia imperam na cidadela, somem com os seus donos quando a noite cai. Surgem então os soberanos noturnos do Mont Saint-Michael: os gatos. Inúmeros, entram nos latões de lixo revirando tudo que podem, e andam em atitude de caça. Creio que procuram por ratos e baratas, mas ainda bem que não vimos essas duas outras espécies.

            Quando deixamos o nosso hotel centenário situado no alto de uma das muralhas da cidadela – o Hôtel Du Guesclin - teríamos como destino outras localidades do interior da França, mas nem a expectativa de futuras descobertas encobria a tristeza de termos que deixar o quase mágico Le Mont Saint-Michel, com suas marés gigantescas e as admiráveis construções que, durante todo o tempo, deram-nos a sensação de estarmos face a face com a Eternidade.

Abaixo, o link do YouTube com o resumo de um filme que fizemos no Mont Saint-Michel:

-o-

2 comentários:

  1. Não sabia da existência desta ilha misteriosa. Adorei a narrativa é vou assistir ao resumo do filme que vocês fizeram. Obrigada Francisco Souto Neto!

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    1. Cara amiga, sinto-me muito feliz quando consigo passar alguma coisa positiva para meus leitores, neste caso um pouco da beleza que existe no mundo. Muito obrigado por ter escrito. Seja sempre bem-vinda. Um abraço.

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