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VIAGEM
PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967
3ª PARTE
A SOFRIDA VIAGEM DE LA PAZ A TIAHUANACO,
ESPLÊNDIDO “FORJADOR DE CIVILIZACIONES”
por Francisco Souto Neto
Esta é uma transcrição do
meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul em 1967, iniciada
na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55 anos, é interessante
observar os detalhes de como eram feitas as viagens naquele tempo e as
impressões que os lugares causaram a este então jovem viajante. A transcrição
do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu achar necessário intervir
no texto, farei isto entre colchetes.
A SOFRIDA VIAGEM EM ÔNIBUS DE LA PAZ A
TIAHUANACO
“Dia 18 de setembro de 1967 foi meu
pior dia, devido ao ‘soroche’ e paradoxalmente o mais interessante dos que
passei na Bolívia. Neste dia nada parou no meu estômago. Porém bem cedo
levantei-me e fui ao local de onde sairia o ônibus rumo a... Tiahuanaco,
‘Forjador de Civilizações’. Era este o meu interesse número um em território
boliviano.
Chegando ao local, descobri que se tratava de um micro-ônibus e, como não bastasse, nas poltronas para duas pessoas sentavam-se três... e gente em pé até não mais caber nem sequer uma mosca! Eu, felizmente, fui sentado. Entre dois nativos, mas sentado. Eu era o único turista naquela viagem que duraria cerca de duas horas. E lá fui, rumo ao Altiplano andino, em estrada construída a uma altitude superior a 4.000 metros.
Viagem longa e cansativa, paisagem
monótona. A única localidade por onde o ônibus passou, chama-se Laja. É uma
simples aldeia, mas da janela do ônibus vi e fotografei sua catedral, de uma
imponência e beleza que me espantou.
Até que de repente, um dos índios que
me cercavam apontou o indicador da mão calejada para uma leve dobra do terreno
e disse com o respeito de quem indicaria uma divindade: “Tiwanaku!”. Busquei
com os olhos e vi na distância enormes blocos de pedras, colunas, portas que se
abrem para nenhuma parte.
Bem ao fundo, surgiu uma aldeia com
ruas torcidas, de paredes empenadas de pedra e barro, ostentando chifres de
animais e cruzes nos tetos que me pareceram de sapé. Descemos eu e alguns
índios, e o ônibus continuou sua viagem para outras aldeias.
Nada naquele lugar faria supor que
naquele mesmo local existiu uma das mais interessantes e misteriosas metrópoles
da América Arcaica. Apenas ruínas restam dos templos, muralhas, cemitérios daquela
que, há 10.000 anos, era a mais importante e a mais populosa cidade das
Américas.
Alguns arqueólogos citam Tiahuanaco
como o berço do homem americano, e outros acham possível que se trate do berço
da Humanidade, e que dalí, e não da África, teria saído o homem que povoou as
Américas e depois, passando pelo Estreito de Bering (Estados Unidos – Rússia),
teria alcançado a Ásia e a África.
Quando os espanhóis chegaram a
Tiahuanaco e perguntaram aos índios se aquela cidade havia sido fundada pelos
Incas, eles riram-se da pergunta e responderam que muito antes da chegada dos
Incas, e antes que o deus Viracocha tivesse criado a terra e as estrelas,
Tiahuanaco já existia.
Eu estava informado de que quando
chegasse a Tiahuanaco, deveria procurar pelo Padre Jaime na Igreja de São
Pedro, que ele abriria a porta do templo para eu apreciar as pinturas do ano
1.600 e que, se eu precisasse, ele me daria respaldo e orientação. Fui diretamente
à referida igreja e bati à porta. O índio que me atendeu, muito bem educado,
disse-me que o padre acabava de deitar-se para fazer a ‘siesta’, e que eu
voltasse quando ele já tivesse acordado e lanchado. ‘Em quanto tempo?’,
perguntei. E o índio: ‘Algumas três horas ou três e meia’. Agradeci e fui
embora, porque não tinha tempo a perder. Além disso, sofrendo de ‘soroche’, eu
não sentiria disposição para conversar com o padre.
Um nativo me observava e
aproximou-se. Pelo que me foi dizendo, e pelo seu aspecto e maneira como se
expressava, achei-o confiável. Disse-me que era um guia, falava razoavelmente o
idioma espanhol e era um aimará, que descende dos kollas. Era uma figura que
impunha uma sensação de dignidade e honestidade. Combinamos o preço e ele me
conduziu às ruínas. Tirei várias fotos dele. Mas ele não sabia fotografar. Orientei-o
muito bem e até que fez algumas boas fotos, embora muito de longe.
O mais importante monumento de
Tiahuanaco é a Porta do Sol, talhada num bloco maciço de andesita, com três
metros de altura por quatro de largura. Sua abertura central mede pouco mais de
metro e meio. O ângulo direito do monólito tem uma rachadura que alguns autores
dizem ter sido provocada pelos espanhóis. A Srª Emma Castellón, ainda no
Brasil, disse-me ter sido causada por um raio. O monólito impressiona pelas
harmoniosas formas geométricas, mas a frisa que corre por toda a sua extensão
acima da abertura, é – no dizer de vários autores – alucinante. Ao centro da
frisa está a figura do deus supremo, criador da Terra e das estrelas: Viracocha
el Divino ou, simplesmente, o Sol.
Entre a aldeia e a ferrovia, há um
conjunto de ruínas: Puma-Puncu (a Porta dos Leões), o o Tunca-Puncu (Porta dos
Dez) e o Umu-Puncu (Porta da Água). E inúmeros outros monumentos em antigas
praças, que fotografei.
Desconhece-se o que determinou o fim
de Tiahuanaco. Alguns autores acreditam que possa ter havido a ruptura de um
dique natural, isto é, de um dos lagos suspensos da Cordilheira, que teria
lançado suas águas no Lago Titicaca, e então uma súbita enchente teria
submergido Tiahuanaco com seus habitantes e artistas. Mas são suposições,
porque a verdadeira história dessa metgrópole pré-histórica é desconhecida.
Devido ao soroche, eu só desejava voltar
a La Paz e deitar-me”.
-o-
[Foi então que ocorreram dois episódios que
são quase inacreditáveis. Um deles foi o que chamei de “os cães mendigos” e o outro
“surreal embarque para retornar em micro-ônibus a La Paz”, algo que quase não
acredito que tenha vivido... e sobrevivido, o que relatarei na PARTE 4 desta
narrativa].
P.S.:
ALGUMAS OBSERVAÇÕES EM 8.3.2022.
-o-
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