terça-feira, 8 de março de 2022

VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967 - 3ª PARTE - A SOFRIDA VIAGEM DE LA PAZ A TIAHUANACO, ESPLÊNDIDO “FORJADOR DE CIVILIZACIONES” por Francisco Souto Neto.

 

Francisco Souto Neto com seu gorro amarelo nas ruínas de Tiahuanaco.

 

Comendador Francisco Souto Neto

 

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VIAGEM PELA AMÉRICA DO SUL EM 1967

3ª PARTE

A SOFRIDA VIAGEM DE LA PAZ A TIAHUANACO,

ESPLÊNDIDO “FORJADOR DE CIVILIZACIONES”

 

por  Francisco Souto Neto

 

Esta é uma transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55 anos, é interessante observar os detalhes de como eram feitas as viagens naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este então jovem viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.

 

 A SOFRIDA VIAGEM EM ÔNIBUS DE LA PAZ A TIAHUANACO

 

“Dia 18 de setembro de 1967 foi meu pior dia, devido ao ‘soroche’ e paradoxalmente o mais interessante dos que passei na Bolívia. Neste dia nada parou no meu estômago. Porém bem cedo levantei-me e fui ao local de onde sairia o ônibus rumo a... Tiahuanaco, ‘Forjador de Civilizações’. Era este o meu interesse número um em território boliviano.

Chegando ao local, descobri que se tratava de um micro-ônibus e, como não bastasse, nas poltronas para duas pessoas sentavam-se três... e gente em pé até não mais caber nem sequer uma mosca! Eu, felizmente, fui sentado. Entre dois nativos, mas sentado. Eu era o único turista naquela viagem que duraria cerca de duas horas. E lá fui, rumo ao Altiplano andino, em estrada construída a uma altitude superior a 4.000 metros.

No início da viagem, fotografo La Paz da janela do ônibus.

Viagem longa e cansativa, paisagem monótona. A única localidade por onde o ônibus passou, chama-se Laja. É uma simples aldeia, mas da janela do ônibus vi e fotografei sua catedral, de uma imponência e beleza que me espantou.

A catedral de Laja no meio do deserto do Altiplano.

Até que de repente, um dos índios que me cercavam apontou o indicador da mão calejada para uma leve dobra do terreno e disse com o respeito de quem indicaria uma divindade: “Tiwanaku!”. Busquei com os olhos e vi na distância enormes blocos de pedras, colunas, portas que se abrem para nenhuma parte.

Bem ao fundo, surgiu uma aldeia com ruas torcidas, de paredes empenadas de pedra e barro, ostentando chifres de animais e cruzes nos tetos que me pareceram de sapé. Descemos eu e alguns índios, e o ônibus continuou sua viagem para outras aldeias.

Nada naquele lugar faria supor que naquele mesmo local existiu uma das mais interessantes e misteriosas metrópoles da América Arcaica. Apenas ruínas restam dos templos, muralhas, cemitérios daquela que, há 10.000 anos, era a mais importante e a mais populosa cidade das Américas.

Alguns arqueólogos citam Tiahuanaco como o berço do homem americano, e outros acham possível que se trate do berço da Humanidade, e que dalí, e não da África, teria saído o homem que povoou as Américas e depois, passando pelo Estreito de Bering (Estados Unidos – Rússia), teria alcançado a Ásia e a África.

Quando os espanhóis chegaram a Tiahuanaco e perguntaram aos índios se aquela cidade havia sido fundada pelos Incas, eles riram-se da pergunta e responderam que muito antes da chegada dos Incas, e antes que o deus Viracocha tivesse criado a terra e as estrelas, Tiahuanaco já existia.

Eu estava informado de que quando chegasse a Tiahuanaco, deveria procurar pelo Padre Jaime na Igreja de São Pedro, que ele abriria a porta do templo para eu apreciar as pinturas do ano 1.600 e que, se eu precisasse, ele me daria respaldo e orientação. Fui diretamente à referida igreja e bati à porta. O índio que me atendeu, muito bem educado, disse-me que o padre acabava de deitar-se para fazer a ‘siesta’, e que eu voltasse quando ele já tivesse acordado e lanchado. ‘Em quanto tempo?’, perguntei. E o índio: ‘Algumas três horas ou três e meia’. Agradeci e fui embora, porque não tinha tempo a perder. Além disso, sofrendo de ‘soroche’, eu não sentiria disposição para conversar com o padre.

Um nativo me observava e aproximou-se. Pelo que me foi dizendo, e pelo seu aspecto e maneira como se expressava, achei-o confiável. Disse-me que era um guia, falava razoavelmente o idioma espanhol e era um aimará, que descende dos kollas. Era uma figura que impunha uma sensação de dignidade e honestidade. Combinamos o preço e ele me conduziu às ruínas. Tirei várias fotos dele. Mas ele não sabia fotografar. Orientei-o muito bem e até que fez algumas boas fotos, embora muito de longe.

O mais importante monumento de Tiahuanaco é a Porta do Sol, talhada num bloco maciço de andesita, com três metros de altura por quatro de largura. Sua abertura central mede pouco mais de metro e meio. O ângulo direito do monólito tem uma rachadura que alguns autores dizem ter sido provocada pelos espanhóis. A Srª Emma Castellón, ainda no Brasil, disse-me ter sido causada por um raio. O monólito impressiona pelas harmoniosas formas geométricas, mas a frisa que corre por toda a sua extensão acima da abertura, é – no dizer de vários autores – alucinante. Ao centro da frisa está a figura do deus supremo, criador da Terra e das estrelas: Viracocha el Divino ou, simplesmente, o Sol.


O primeiro monumento que visito é a Porta do Sol, com cerca de 10.000 anos, um monólito esculpido pelos pré-incaicos Kollas.

O índio, que fotografei na escada, será o guia que me mostrará Tiahuanaco. Ele é aimára, descendente dos Kollas. Bem ao fundo, a escultura monolítica de um deus.

A Porta do Sol vista de frente. Ao centro, a figura do criador da Terra e das estrelas: o deus Viracocha ou, simplesmente, o Sol.

Eu, usando meu longo gorro, de costas para a Porta do Sol.

Uma das praças.

O índio e o cemitério tiahuanacota.

Eu, com meu gorro amarelo, em uma das portas, doente de “soroche”.

Fotografo o índio de modo a quase confundi-lo com a escultura.

O Senado.

Ao meu lado, uma das mais famosas esculturas tiahuanacotas: o Monólito Ponce Estela 8.

Fotografo o índio sentado e as pedras atrás, que dão uma sensação de eternidade.

Deixando as ruínas, fotografo pela última vez a Porta do Sol ao longe.

Voltando à aldeia, vejo um pequeno lago e uma totora.

Entre a aldeia e a ferrovia, há um conjunto de ruínas: Puma-Puncu (a Porta dos Leões), o o Tunca-Puncu (Porta dos Dez) e o Umu-Puncu (Porta da Água). E inúmeros outros monumentos em antigas praças, que fotografei.

Desconhece-se o que determinou o fim de Tiahuanaco. Alguns autores acreditam que possa ter havido a ruptura de um dique natural, isto é, de um dos lagos suspensos da Cordilheira, que teria lançado suas águas no Lago Titicaca, e então uma súbita enchente teria submergido Tiahuanaco com seus habitantes e artistas. Mas são suposições, porque a verdadeira história dessa metgrópole pré-histórica é desconhecida.

Devido ao soroche, eu só desejava voltar a La Paz e deitar-me”.

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 [Foi então que ocorreram dois episódios que são quase inacreditáveis. Um deles foi o que chamei de “os cães mendigos” e o outro “surreal embarque para retornar em micro-ônibus a La Paz”, algo que quase não acredito que tenha vivido... e sobrevivido, o que relatarei na PARTE 4 desta narrativa].

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P.S.: ALGUMAS OBSERVAÇÕES EM  8.3.2022.


Logo após retornar da viagem, fiz uma escultura em madeira inspirada no Monólito Ponce Estela 8, de Tiahuanaco.

Meu saudoso amigo Joãozinho Vargas, que assinava uma coluna social no Jornal da Manhã, viu a escultura e me pediu para fotografá-la e divulgá-la. E assim fez.

Detalhes do artigo do Joãozinho sobre a minha escultura.

Em 2022 tiro uma fotografia com a escultura que fiz há mais de meio século e que tem me acompanhado por toda a vida. Acima, no meu apartamento de Curitiba.

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