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VIAGEM PELA AMÉRICA DO
SUL EM 1967
17ª PARTE
BUENOS AIRES e EL TIGRE
por Francisco Souto Neto
Esta é uma
transcrição do meu diário da viagem que fiz a vários países da América do Sul
em 1967, iniciada na semana em que completei 24 anos de idade. Passados 55
anos, é interessante observar os detalhes de como eram feitas as viagens
naquele tempo e as impressões que os lugares causaram a este então jovem
viajante. A transcrição do meu diário de viagem vai entre aspas, e quando eu
achar necessário intervir no texto, farei isto entre colchetes.
BUENOS AIRES
“Dia 2 de outubro de 1967 acordei-me
às 8:00 horas e após o café da manhã fui Banco do Brasil cambiar alguns
dólares-cheques. Passei por uma livraria porque queria comprar algum Pablo
Neruda, mas só havia edição argentina, eu preferiria chilena. Enfim...
Paguei a conta do hotel e peguei um
táxi que me levasse ao aeroporto. Meu avião, um DC-8 da Braniff, amarelo como o
anterior, vinha de Miami com primeira escala em Lima. Agora, comigo as bordo,
rumaria para Buenos Aires.
Ninguém sentou-se ao meu lado e
partimos numa viagem de Pacífico a Atlântico, atravessando horizontalmente a
América do Sul. Será um voo rápido, de apenas uma hora e meia.
Foi servido o almoço de bordo: uma deliciosa maionese e vinho; um presunto à milanesa, cenouras com a forma de bolas de gude, chuchu com molho e uma batata artisticamente cortada. Sobremesa: cerejas com creme de chantilly. Depois, café com leite em pó para adicionar, pão com muita manteiga, queijo cremoso, bolachas e cigarros mentolados. Começaram a servir da frente para trás, e eu estava na penúltima fila. Quando comecei a refeição, os que estavam lá na frente já a terminavam. E eu como devagar. Após a salada, o avião inteiro trepidou e uma voz informou que começávamos a descida de 20 minutos em direção ao Aeroporto de Ezeiza em Buenos Aires. Fiz um sanduíche do pão e guardei junto à garrafinha de vinho e bolachas. Mandaram que apertássemos os cintos e em cerca de 10 minutos tocávamos o solo.
Hospedei-me num hotel muito simples,
na Calle Lavalle, chamado El Cabildo. A Lavalle é a rua dos cinemas e restaurantes. Saí para ver o burburinho
das ruas. Eu tinha vestido minha camisa vermelha e me senti como se tivesse
duas cabeças e quatro braços. É que algumas pessoas paravam para me olhar. Observei
que, tal como em Santiago, os portenhos sempre usam gravata; quando estão com
roupa esporte, vestem cores escuras e discretas. Ao retornar ao hotel, guardei a
camisa no fundo da mala, para não tornar a usá-la na Argentina.
Os restaurantes estão cheios de gente.
As calçadas são muito largas, e várias ‘confiterias’ têm mesas e cadeiras
ocupando parte delas, tudo muito parisiense.
Os cinemas, antes mesmo da
bilheteria, são acarpetados com nylon de uns dois centímetros de espessura, no
qual os sapatos afundam. Alguns desses cinemas têm gatos que dormem sobre os
carpetes e são respeitados pelos frequentadores. Esses cinemas são imensos e
muito luxuosos, como os melhores de São Paulo.
Fui ver o metrô, que tem cinco linhas
como se fosse uma mão aberta sob Buenos Aires. Numa das linhas, em vez de
assentos comuns a trens e ônibus, há uma espécie de sofás colocados de costas
para as janelas, estofados com veludo, muito elegantes.
Cansado, voltei ao hotel para dormir
mais cedo.
No dia 3, acordei e por alguns
segundos fiquei sem saber em que país estava. Mas logo me localizei: “na
Argentina, é claro”.
Naquela manhã levantei-me com um
propósito: ir conhecer o Edifício Atlas (que teve o nome alterado para Alas) o
mais alto do país em 1967, inaugurado há 10 anos em 1957, com 41 andares e 132
metros de altura. Foi mandado erguer por Perón, para que a Argentina tivesse o
prédio mais alto da América do Sul. Ele tem um ‘bunker’ subterrâneo para servir
de refúgio no caso de uma guerra nuclear. Localiza-se na Av. Bolívia nº 1339,
não muito distante da Calle Lavalle, onde eu estava hospedado. É que eu tenho o
hábito de sempre querer saber ‘qual o prédio mais alto do país’. No Brasil, por
exemplo, o prédio mais alto é o Mirante do Vale, em São Paulo, com 51 andares
e 170 metros, inaugurado em 1960, há sete anos.
Ao Edifício Atlas, ou Alas, eu disse
na portaria que gostaria de ir ao terraço para tirar fotografias. O porteiro
surpreendeu-se e me falou: “Mas este é um edifício do Exército!”. O que fiz?
Sorrindo, puxei minhas credenciais assinadas pelos diretores de duas
Faculdades: Dr. Brasil Borba, da Faculdade de Direito, e Prof. Joselfredo
Cercal de Oliveira, da de Filosofia. O porteiro pegou o telefone, falou com
alguém, gesticulou, e me disse que estavam autorizando que eu subisse ao
terraço e que o Sr. Cordich me acompanharia até lá. Logo surgiu um senhor
idoso, cabelos brancos, que me levou ao elevador e lá fomos até ao 41º andar.
Gostei demais da vista lá de cima e tirei várias fotografias. Buenos Aires é
imensa, quase do tamanho de São Paulo. Segundo as estatísticas, neste ano de
1967 está com exatos 7.000.000 de habitantes e é a segunda da América Latina.
Foi ultrapassada por São Paulo que agora tem 7.244.000 habitantes.
[A história do Edifício Atlas, ou
Alas, está neste interessante link, com fotografias desde a sua construção:
http://www.arcondebuenosaires.com.ar/edificio_alas.htm ]
Minha calça de veludo, que ao sair do Brasil era
bem justa, agora me parece uma peça para elefante: eu emagreci durante a viagem
e minhas roupas estão agora meio desajustadas.
Passei por algumas casas de discos procurando um
long play com a gravação de ‘Alturas de Machu Picchu’ (texto de Pablo Neruda),
mas me parece que o disco está esgotado na Argentina. Desisti de um de Ella Fitzgerald
e outro dos Swingle Singers, e acabei comprando um de Frank Sinatra. Depois fui à
Cruzeiro do Sul para definir meu retorno ao Brasil. Eu havia planejado ficar dois
dias em Montevidéu, mas desisti. Farei lá uma troca de aviões com algumas horas
de diferença. Significa que farei apenas um pequeno passeio no Uruguai, já em
seguida viajando pelo Caravelle para São Paulo com escala em Porto Alegre. Pois
é, irei a São Paulo, ficarei lá por um ou dois dias e em seguida tomarei um
ônibus leito direto a Ponta Grossa ou, se não houver, direto a Curitiba, e de
lá outro ônibus até Ponta Grossa. Na verdade, já estou bastante cansado de
viajar e querendo voltar para casa. Minhas férias estão quase acabando e quero
ter pelo menos ainda um dia em casa para descansar antes de reassumir no Banco.
Ainda deu tempo de ir conhecer o Jardim Zoológico,
também fui à catedral e aproveitei para ver a Casa Rosada (com tantas
histórias políticas envolvendo Perón e Evita) e ainda fui aos famosos jardins
de Palermo, onde passeei de carruagem.
PASSEIO A
EL TIGRE E DELTA DO PARANÁ
Fiz uma bela excursão à cidade de El Tigre, onde
uma embarcação levou-me para conhecer o Delta del Paraná. Foi um passeio de uma
tarde inteira.
Quando o micro-ônibus passou pelo meu hotel, já
carregava alguns passageiros. Passamos por mais uns três ou quatro hotéis, e um
deles era o Hilton, onde embarcaram um senhor gordo e a esposa cheia de jóias. Num
dos outros hotéis embarcaram uma senhora com uma linda filha com quem fiz
amizade, chamada Cármen.
O caminho para El Tigre é muito bonito, pois passa por
monumentos, galerias de arte, depois por uma zona residencial com grande
quantidade de prédios de apartamentos, mais adiante campos de golfe e parques
sem fim, onde se joga futebol e as crianças brincam. Fomos pela Avenida General
Paz, com 24 quilômetros de extensão. Noutra avenida, a velocidade mínima
era de 40 quilômetros por hora; eu nunca vira uma via pública com “velocidade
mínima”. No Brasil temos somente limitação para “velocidade máxima”.
O passeio de barco foi muito agradável, pois passamos
por margens pitorescas, uma região maravilhosa, e tirei muitas fotos.
Retornei ao hotel à noite. Para o dia seguinte eu planejei conhecer o famoso Cemitério de La Chacarita.
-o-
O AUTOR EM 2022
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