HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 8 (de 13)
Francisco Souto Neto
A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio
de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia
Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à
510, subintitulado O Cemitério do Catumbi,
no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase
meio século – pela preservação do setor
histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os
mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos.
Este é o 8º capítulo do Apêndice.
APÊNDICE
O CEMITÉRIO DO
CATUMBI:
DEPOIMENTO DE
FRANCISCO SOUTO NETO
8
VETERANA VERBA DE 26 DE NOVEMBRO DE 1985
No dia 26 de
novembro de 1985 o historiador David Carneiro voltava a escrever a respeito do
Cemitério do Catumbi, com algumas impressões de tal modo interessantes, que fiz
cópias da coluna e enviei-as ao IPHAN, a algumas outras autoridades do Rio de
Janeiro e Brasília e, naturalmente, à Venerável Ordem.
Veterana
Verba / Zacarias e a necrópole do Catumbi / [...] Tive a
satisfação de ver que Souto Neto continua batalhando para salvar o que ainda se
possa salvar de veneráveis restos existentes no Cemitério do Catumbi. / Tenho a
impressão de que aqueles despojos que ficaram a cargo da irmandade da Ordem
Terceira de São Francisco de Paula (ordem religiosa essa que a ela própria se
denomina de “venerável” mas que ao que parece nenhuma veneração merece, visto
que não cumpriu o mais elementar dos seus deveres, qual fosse o de cuidar das
tumbas que estavam sob sua responsabilidade) estarão irremediavelmente
perdidos. / Para que tenha essa impressão deverei justificá-la: / No Conselho
Estadual de Cultura ficou decidido que nos esforçássemos para encontrar no
Cemitério do Catumbi os veneráveis restos do conselheiro Zacarias de Góes e
Vasconcelos, para que pudéssemos trazê-los para o Paraná (cuja província, como
tal foi por ele instalada) colocando esses sagrados despojos, sob a sua herma e
na praça que o homenageia, lembrando-o. / O relatório de que o ilustre diretor
do Museu Paranaense nos deu conhecimento foi de molde a apagar as nossas
esperanças, e onde a família acreditava existirem apenas os seus ossos, mais de
meia dúzia de caveiras estavam depositadas6, e os ossos correspondentes aos respectivos esqueletos estavam
espalhados na tumba, que devia ser da família, mas que a família está
incapacitada de dizer (porque e como) tais ossadas ali estão. / Netos e
bisnetos do conselheiro que foram procurados no Rio de Janeiro consideraram
digno de aplausos o gesto do Paraná; mas aturdidos ante o desleixo e a
ignorância dos encarregados na Ordem Terceira de S. Francisco de Paula,
inclinam-se a desistir da homenagem à memória do seu antepassado, enquanto
outros descendentes estão de acordo em que as pesquisas dos encarregados do
Museu Paranaense prossigam até que os veneráveis restos sejam encontrados e
sejam trazidos para o Estado que teve Zacarias de Góes e Vasconcelos como seu
primeiro presidente de Província. / A descrição que Francisco Souto Neto nos
havia feito do desleixado cemitério do Catumbi foi que nos fez pensar em trazer
para Curitiba os restos do Conselheiro Zacarias, o que talvez não se consiga
fazer, muito embora não tenhamos ainda desistido. / Souto Neto diz que no
Catumbi estariam também o marquês de Olinda, o barão de Mesquita, o conde de
Bonfim, Teófilo Otoni, os barões de Maruim e muitos outros titulares,
conselheiros, senadores do Império, gente ilustre que pertence à História e que
como tal poderia estar sujeita a uma afronta subjetiva dessa espécie. / O Sr.
Souto diz que uma injúria dessas jamais ocorreria numa nação que se pretenda
civilizada, e com efeito assim é. / De D. Pedro I, de seu ilustre filho, do
Duque e da Sra. Duquesa de Caxias os restos estão “ad aeternum” preservados;
mas por quê Teófilo Otoni e Araújo Lima (Olinda) não devem merecer o mesmo
respeito? / Creio que o Ministério da Cultura (se o titular tem consciência do
que seu cargo representa) deve tomar a peito esse assunto, além do mais porque
é vergonha nacional os cemitérios (sejam eles quais forem) não estarem sujeitos
a regulamentos que garantam a integridade, a conservação, a defesa dos ossos
humanos, quando nos países civilizados os cães merecem esse respeito. E não é
somente isso. / Os despojos do Marquês de Olinda mereceriam um Panteon, e no
entanto jazem abandonados no Catumbi, ao pé de uma favela cujos habitantes se
divertem profanando túmulos. Não é possível que os descendentes não tenham
vergonha de saber que o jazigo de seus ilustres antepassados está sujeito a
tais profanações. [...]. / Nossa obrigação é educar os vivos de maneira que
considerem os ossos dos que entraram construtivamente na História nacional
fiquem resguardados dos insultos de eventual ausência de civilização.
(CARNEIRO, David. Gazeta do Povo.
Curitiba, 26 nov. 1985. Veterana Verba, p. 5).
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NOTAS A APÊNDICE
6 Os familiares de Zacarias de Góis e
Vasconcellos encontraram meia dúzia de esqueletos misturados aos restos do seu
ancestral, do mesmo modo que Francisco Souto Neto, pouco antes, descobrira
sacos de lixo entreabertos, cheios de ossos e várias caveiras, entrouxados no
túmulo do visconde de Souto. Isto evidencia que essa atitude criminosa poderia
ser habitual naquela época. Os responsáveis não deveriam ter sido apenas
criticados publicamente pelo desleixo, mas legalmente punidos.
-o-
A excelente crônica de David Carneiro em defesa do
Cemitério do Catumbi. Referido historiador e Francisco Souto Neto refizeram
seus laços de amizade, após o engano do Prof. Carneiro que levara ambos a uma
situação muito constrangedora.
Em seu museu, o Prof. David Carneiro com a mão no ombro de Francisco Souto Neto, num gesto de amizade, respeito e reconciliação.
Prova de que Souto Neto desculpou David Carneiro pelos seus erros, está numa correspondência que o historiador enviou-lhe em janeiro no ano seguinte, 1986:
O envelope que David Carneiro expediu sem especificar o endereço de Souto Neto. Mesmo assim, os Correios fizeram a entrega corretamente ao Banestado, e este fez chegar o envelope ao destino.
Data do carimbo dos Correios.
Verso do envelope de David Carneiro.
A simpática mensagem do Prof. David Carneiro para Francisco Souto Neto.
-o-
CONTINUA NA PARTE 9
CONTINUA NA PARTE 9
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