HISTÓRIAS
DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE
1 (de 13)
A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio
de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia
Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à
510, subintitulado O Cemitério do Catumbi,
no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase
meio século – pela preservação do setor
histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os
mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O livro biográfico Visconde de Souto: Ascensão e
“Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, em cuja capa é anunciado o apêndice sobre
o Cemitério do Catumbi.
O livro aberto em quaisquer das suas quase 600
páginas.
O Apêndice conta com 13 capítulos.
Este é o 1º capítulo do Apêndice.
APÊNDICE
O CEMITÉRIO DO
CATUMBI:
DEPOIMENTO DE
FRANCISCO SOUTO NETO
1
1969 – VISITANDO O
CATUMBI
A história do Cemitério do Catumbi
(Cemitério São Francisco de Paula), no Rio de Janeiro, começa em 1845, quando
as catacumbas da Igreja de São Francisco de Paula estavam tão lotadas, que se
resolveu criar um cemitério, o primeiro a céu aberto destinado à elite e à
nobreza da corte imperial.
Ao final de 1849 aprovaram-se a planta
e o regulamento do novo cemitério e em 1850 os restos mortais do marechal
Miguel Nunes Vidigal, falecido em 1843, foram exumados das catacumbas da igreja
e trasladados para o primeiro túmulo da nova necrópole. Entretanto, naquele
mesmo ano o Rio de Janeiro viu-se assolado por devastadora epidemia de febre
amarela, e o governo ordenou que fossem ali sepultados cerca de três mil
cadáveres de pessoas que não pertenciam à irmandade proprietária, para assim
desafogar o Cemitério da Misericórdia.
O cemitério do Catumbi (acima do muro à direita)
por volta de 1850. Foto da internet com marca do Instituto Moreira Salles.
Depois disso, os expoentes do Segundo
Reinado voltaram a ser inumados no Catumbi.
No Rio de Janeiro, em 1969, fui ao
Cemitério do Catumbi levar flores à memória dos meus trisavós António José
Alves Souto (1813 – 1880) e Maria Jacintha de Freitas Souto (1819 – 1885), os
viscondes de Souto. Os setores históricos 1 e 2, onde estão sepultadas
importantes personalidades da capital imperial, localizam-se na parte mais alta
da colina. Enquanto subia as escadarias, lembrava-me de que meu pai, Arary
Souto (1908 – 1963), sempre me recomendara não esquecer os nossos antepassados.
Cemitério do Catumbi com uma das favelas laterais
ao fundo. Foto encontrada na internet.
As irregularidades ali encontradas
causaram-me péssima impressão. Ademais, uma grande favela avançava sobre os
fundos do campo-santo. A irmandade da Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de
São Francisco de Paula, administradora e proprietária do cemitério, havia
erguido um muro para conter a favela que já vinha construindo barracos sobre
vários túmulos, dentre os quais o de Teófilo Otoni.
No muro havia um buraco e por ali
entravam e saíam pessoas. Os habitantes da favela preferiam atravessar o
cemitério para chegar à rua, em vez de usar as vias próprias da sua comunidade.
Por aquela passagem circulavam não apenas as pessoas sérias e honestas que ali
viviam e que merecem respeito. O grande problema é que muitos daqueles
indivíduos eram depredadores, que se divertiam golpeando os delicados mármores
dos túmulos com barras de ferro, conforme relato de funcionário da portaria do
cemitério.
Os bustos dos meus trisavós,
que originalmente se localizavam dentro das respectivas capelinhas, tinham sido
furtados, assim como dois dos quatro vasos de mármore do túmulo do visconde. À
capela deste, também faltava uma parede lateral, o que fragilizava e comprometia
a sua integridade.
No século XIX as sepulturas da área
nobre do Catumbi quase sempre eram individuais. Marido e mulher, mesmo os da
nobreza eram, via de regra, inumados separadamente. Deste modo, o túmulo do
visconde de Souto localiza-se no setor 1 e o da sua viscondessa no setor 2. As
pequenas capelas existentes em muitos desses túmulos, em geral abrigavam apenas
o busto da pessoa ali sepultada. O resultado disso, em termos de estética, deu
ao cemitério jazigos com aspecto de singela delicadeza e raro bom-gosto.
Numa mesma rua do setor 1 encontram-se,
lado a lado, o túmulo do marquês de Olinda, que era avô de uma nora do visconde
de Souto, o da marquesa de Olinda, e o do próprio visconde de Souto. Poucos
metros acima, localiza-se a sepultura do visconde de Vila Izabel e também o
conselheiro Paulo Barboza da Sylva, identificado no mármore como “1º Mordomo de
S. M. o Sr. Dom Pedro II”. Um pouco adiante, está o jazigo do visconde de
Congonhas.
O túmulo da viscondessa de Souto, na
quarta rua do setor 2, um pouco distante do do visconde, apresentava-se
perfeitamente preservado, exceto pelo desaparecimento do busto. Na segunda rua
alinham-se os túmulos de alguns notáveis, como o barão de Maroim (senador do
império), duquesa de Caxias, duque de Caxias, barão de Santa Mônica e marquês
de Bonfim. Na terceira rua, o general Severo Luiz da Costa Labareda Prates, o
barão e baronesa de Itacurussá e o conde de Mesquita. A quarta rua inicia-se
com a campa do barão de Villa Bella, cuja capela muito alta e fora do nível
ameaçava desabar sobre dois túmulos da terceira rua identificados como do
comendador Manoel Teixeira da Cunha e do dr. André Pereira Lima. Vizinhos ao
túmulo da viscondessa de Souto estão o do marquês de Sapucahy e general Manoel
Estanislau Castro e Cruz. Na quinta rua estão os jazigos do barão de Ibituruna
e da baronesa Homem de Mello. Entre tantos nomes importantes, localizei, na
oitava rua do setor 2, uma comovente homenagem: o mármore registra,
simplesmente, “Nhonhô (Homenagem dos seus protetores)”. Tratava-se de um
escravo ou liberto, cujos “protetores” resolveram sepultá-lo entre vultos
expoentes, numa demonstração do amor e respeito que tinham pelo falecido. Esse
túmulo registra, muito bem, a existência de donos de escravos que os trataram e
os amaram como se fossem seus próprios familiares.
Capela do túmulo do Visconde de Souto em 1969. Já
faltavam algumas floreiras. O busto em mármore do Visconde, que existia dentro
da capela, também já fora furtado, bem como a cruz gótica que encimava a
construção.
Francisco
Souto Neto no túmulo de seu trisavô António José Alves Souto, o Visconde de
Souto, em 1969.
A
lápide de mármore que identificava o túmulo do Visconde.
Em
1969, o túmulo da Maria Jacintha de Freitas Souto, a Viscondessa de Souto,
idêntico ao do Visconde. Mais bem preservado, ainda com a cruz gótica sobre o
telhado na parte da frente, e a agulha na parte dos fundos. Inteiramente em
mármore de Carrara. O busto da Viscondessa também já tinha sido furtado.
A
lápide de mármore que identifica o túmulo da Viscondessa.
O
túmulo de José Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, tio-tetravô de
Francisco Souto Neto.
Francisco
Souto Neto em 1969 ao lado do túmulo de sua tia-tetravó a Duquesa de Caxias.
O
túmulo de um dos filhos do Visconde de Souto, Manoel José Alves Souto.
Vale observar que as tumbas do duque e
duquesa de Caxias estão vazias. Seus restos mortais foram exumados em 1949 e
levados para o Panteão de Caxias localizado na Praça da República, em frente ao
Palácio Duque de Caxias, antigo prédio do Ministério da Guerra.
Fotografei alguns túmulos e me dirigi à
Venerável Ordem, então presidida por Vicente Noronha. Fui recebido pela
secretária, a senhora Maria Hiluz del Priori, que me conduziu ao presidente, a
quem entreguei os documentos que portava especialmente para a ocasião,
oferecendo-lhe as provas de ser trineto dos viscondes de Souto, e recebi dele o
reconhecimento oficial, através de uma declaração, de que eu me tornava, a
partir dali, o guardador dos jazigos perpétuos, não apenas dos viscondes de
Souto, como também do meu tio-bisavô Manuel José Alves Souto, já que o túmulo
do mesmo encontrava-se igualmente com aspecto de abandonado.
Sr. Vicente Noronha, presidente da Venerável Ordem
Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula em 1969 (proprietária do
Cemitério do Catumbi).
Sr. Vicente Noronha e sua secretária Maria Hiluz
Del Priori em 1969.
Francisco Souto Neto e Vicente Noronha em 1969.
Nessa declaração estão mencionados os
seguintes números dos registros dos sepultamentos: o visconde no jazigo 29,
quadro 1, registro n.º 7445; a viscondessa no quadro 2, registro n.º 8112 e
Manuel José Alves Souto no quadro 2, registro n.º 9012. Tal declaração termina
com estas palavras:
Tendo recebido e arquivado os referidos documentos, e estando comprovada
oficialmente sua descendência do visconde e viscondessa de Souto [...]
tornou-se o Sr. Francisco Souto Neto, a partir desta data, o responsável de
direito pela guarda dos jazigos dos seus ancestrais. (Noronha, V. Carta para Francisco Souto Neto. Rio de
Janeiro, 1969, 1 f .).
O presidente da Ordem falou das dificuldades em manter intacto o muro
dos fundos do cemitério, mas que iria não só aumentar-lhe a altura, como também
torná-lo mais espesso. Ficou combinado que a irmandade, ao realizar as obras da
contenção da favela, também efetuaria, às minhas expensas, o reforço da parede
que faltava à capela do túmulo do visconde de Souto.
Retornando a Curitiba, onde resido,
enviei uma carta à administração do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN, na capital do então Estado da Guanabara, sugerindo
o tombamento do Cemitério do Catumbi, pelos motivos óbvios.
-o-
CONTINUA NA PARTE 2
CONTINUA NA PARTE 2
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