HISTÓRIAS
DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE
4 (de 13)
Francisco Souto Neto
A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio
de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia
Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à
510, subintitulado O Cemitério do Catumbi,
no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase
meio século – pela preservação do setor
histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os
mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos.
Este é o 4º capítulo do Apêndice.
APÊNDICE
O CEMITÉRIO DO
CATUMBI:
DEPOIMENTO DE
FRANCISCO SOUTO NETO
4
MARÇO DE 1985 – A VIGOROSA REPORTAGEM DO JORNAL DO BRASIL
Passou-se
todo o mês de março de 1985 e eu não recebera qualquer manifestação por parte
da Venerável Ordem, muito menos do cardeal. Em represália, nos primeiros dias
de abril procurei sensibilizar a imprensa carioca para o problema. A maior
receptividade veio do Jornal do Brasil, que foi ao local e publicou na página
20 da sua edição de 7 de abril de 1985 a reportagem abaixo transcrita, intitulada
“IPHAN estuda tombamento de túmulos em cemitério”, ilustrada com uma fotografia
do túmulo do marquês de Olinda e a seguinte legenda: “O túmulo do Marquês de
Olinda está hoje cercado de mato”. Escreveu o Jornal do Brasil:
IPHAN estuda
tombamento de túmulos em cemitério: / Uma equipe
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional realiza pesquisas no
Cemitério do Catumbi e, dependendo dos resultados do trabalho, alguns jazigos
ou mesmo o trecho mais antigo do cemitério, onde ficam sepulturas de barões,
viscondes e figuras de destaque da fase de passagem do Império para República,
poderão ser tombados, para evitar que desapareçam, em decorrência da depredação
ou mesmo da especulação. Não existem cemitérios tombados no Rio. / O Patrimônio iniciou os estudos a
partir da denúncia de que o jazigo do barão de Guaratiba foi demolido por seus
descendentes para dar lugar a outras sepulturas, vendidas a terceiros. A
repetição de outros casos poderia resultar num processo de liquidação de
jazigos centenários que guardam os restos mortais de figuras com participação
em momentos importantes da História do Brasil. Muitos desses túmulos já
desapareceram sob uma favela, outros estão encobertos pelo mato e alguns foram
simplesmente violados. / Desrespeito / Armas
e brasões incrustados em mármores contendo datas de nascimento e morte de
barões foram roubados, outros estão em pedaços ou escondidos entre moitas de
capim-colonião, ervas daninhas e arbustos característicos de locais
abandonados. Por ordem do interventor da Irmandade de São Francisco de Paula,
Monsenhor Abílio Ferreira da Nova, a atual administração do cemitério iniciou
há um mês a erradicação do mato do trecho antigo. / A entidade vem enfrentando problemas sérios, ao ponto de ter
imóveis e outros bens leiloados. O Cemitério do Catumbi, que pertence à
Irmandade, “sofreu reflexos disso”, conforme admite Monsenhor Abílio Ferreira
da Nova. Mas ele acha que a fase crítica já passou. / – Identifiquei, há pouco, indícios de um processo que poderia
resultar no fim de muitos jazigos de personagens de uma fase histórica do país.
Por enquanto, isto está contido, até porque as áreas do cemitério pertencem à
Irmandade e os jazigos são apenas para usufruto das famílias ou descendentes. /
Na realidade, a parte alta do cemitério, a mais antiga e de maior importância
histórica, ponto onde surgiram as primeiras sepulturas, teve um trecho tomado
por barracos da Favela Mineira e durante anos vem sendo dominada pelo matagal.
O aparecimento de assaltantes na área acabou por espantar os raros visitantes e
pelo menos durante um ano o local ficou praticamente abandonado. / Indignação / Esse quadro deixou
indignado o advogado Francisco Souto Neto, que em janeiro passado, ao tentar
visitar os jazigos dos seus trisavós, visconde de Souto e duque de Caxias4, foi obrigado a derrubar “mato
cerrado, vendo pelo caminho as sepulturas de nossos vultos históricos violadas,
as lápides quebradas e mármores fragmentados, em meio a cacos de garrafas e
lixo”. / “Ao alcançar a sepultura de
meu trisavô, visconde de Souto, encontrei, assombrado, o mármore da campa
rompido e, dentro do jazigo, diversos sacos de plástico de lixo, contendo
restos mortais, como colunas vertebrais, costelas, crânios. País de memória
curta! Um povo não pode se arrostar ao direito de um futuro se não aprender,
antes, a respeitar a memória dos seus mortos.” / Esse trecho faz parte do documento que o advogado, residente em
Curitiba, encaminhou à Ordem dos Mínimos de São Francisco de Paula, denunciando
a situação do cemitério. Ontem à tarde, grande parte do trecho antigo do
cemitério já estava capinado e o túmulo do visconde de Souto, o primeiro
banqueiro de que se tem notícia no Brasil Imperial, começava a ficar livre do
mato. Mas os sacos com restos mortais continuavam à mostra, junto à superfície
da terra. O visconde nasceu no Porto, Portugal, veio para o Rio de Janeiro em
1830, aos 22 anos5
estabeleceu-se como corretor de fundos e mercadorias e acabou tornando-se
vizinho e amigo de D. Pedro II. / Hoje,
o túmulo do visconde de Souto está perto da sepultura do conselheiro Paulo
Barbosa da Silva, primeiro-mordomo de D. Pedro II. Ao lado, fica o do Marquês
de Olinda, parcialmente danificado. Mais abaixo, agora livres das ervas
daninhas mas adornados pelo capim-seda, aparecem os dos barões de Villa Bella,
do Maruim, Itacuruçá, Monte dos Cedros, Ibituruna e também os do marquês de
Bonfim e conde de Mesquita. Todos são vizinhos das sepulturas do duque e
duquesa de Caxias, que no entanto tiveram seus restos mortais levados para o
mausoléu construído em frente ao prédio do antigo Ministério da Guerra, na
Avenida Presidente Vargas. / Em
trecho mais distante, em local cimentado, os túmulos do barão de Vila Velha e
do marquês de Maricá têm permanecido um pouco livres do mato, mas ao lado
deles, com a queda da campa, o de Dª Emília Pereira dos Santos, sobre a qual
não existe qualquer registro de nobreza, está adornado por um mamoeiro
carregado de frutos. A planta nasceu espontaneamente no fundo da sepultura e,
segundo os coveiros, “os mamões são doces como mel”. / O interventor da Ordem de São Francisco de Paula, Monsenhor
Abílio Ferreira da Nova, acha que a responsabilidade pela conservação do
cemitério do Catumbi não cabe apenas à administração, mas também às famílias
que têm parentes ali sepultados. “Nós – acrescentou o monsenhor – devemos
manter as quadras e acessos limpos, mas os jazigos precisam ser mantidos ou
recuperados pelas famílias. E a verdade é que muitas não se dão conta disso,
deixam os túmulos abandonados”, acrescentou. (IPHAN estuda tombamento de
túmulos em
cemitério. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 7 abr.
1985, 1º caderno. p. 20).
_______________________
NOTAS A APÊNDICE
4 O correto deveria ter sido: “(...) ao tentar visitar os jazigos dos seus trisavós, os viscondes de Souto, e
dos seus tios-trisavós, os duques de Caxias (...)”.
5 O visconde de Souto chegou ao Brasil
aos 15 anos de idade, e não aos 22.
-o-
Jornal do Brasil de 7
de abril de 1985, 1º caderno, página 20.
-o-
CONTINUA NA PARTE 5
CONTINUA NA PARTE 5
Nenhum comentário:
Postar um comentário