HISTÓRIAS
DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE
13 (FINAL)
Francisco Souto Neto
A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio
de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia
Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à
510, subintitulado O Cemitério do Catumbi,
no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase
meio século – pela preservação do setor
histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os
mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos.
Este é o 13º capítulo do Apêndice.
APÊNDICE
O CEMITÉRIO DO
CATUMBI:
DEPOIMENTO DE
FRANCISCO SOUTO NETO
13
2009 – 40 ANOS APÓS A PRIMEIRA VISITA AO CATUMBI
Embora este
depoimento estivesse finalizado no capítulo 12, pareceu-me necessário acrescentar
mais algumas considerações.
Eu e minha
prima Lúcia Helena Souto Martini estávamos encerrando a biografia do visconde
de Souto no segundo semestre de 2009. Retocávamos o texto, quando decidimos
viajar ao Rio de Janeiro para realizar pesquisas complementares e visitar
alguns locais ligados à vida do nosso biografado. Uma das expectativas era a de
irmos ao Cemitério do Catumbi, 40 anos depois da minha primeira visita àquela
necrópole, e 22 após a última. Soubemos que o monsenhor Abílio Ferreira da Nova9 continuava sendo o provedor da
Venerável Ordem. Eu já tinha sido informado de que o tombamento da necrópole
não chegou a se realizar. Pelo que soube através do próprio IPHAN, infelizmente
este não teve força bastante na luta contra o desinteresse da proprietária do
campo-santo.
Na tarde do
dia 20 de agosto de 2009 rumamos ao Cemitério do Catumbi na companhia de Sílvia
Maria Pinheiro Grumbach. Conforme relato em V – PASSADO REVISITADO, da obra Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no
Rio de Janeiro Imperial, no dia anterior visitáramos a Beneficência
Portuguesa, quando sua diretora Isaura Taveira Barbosa, ao saber que iríamos
àquela necrópole, ofereceu-nos como acompanhante o chefe da segurança daquela
instituição, Jorge Pinto da Silva Júnior, para proteger-nos de situações
imprevisíveis, porque o local tornou-se muito perigoso.
Fomos
recebidos pelo administrador da necrópole, que antes de subirmos ao setor
histórico mostrou-nos que o cemitério é agora vigiado por câmeras. Rumamos ao
túmulo da viscondessa de Souto no setor 2, no qual constatamos o furto da cruz
neo-gótica que existiu sobre a capela.
Em seguida
subimos ao setor 1, que encontramos tão limpo quanto o 2. Entretanto... em
grande maioria dos túmulos desapareceu a rica decoração em mármore esculpido.
Em seu lugar, restaram apenas retângulos de pedra cobertos de cimento, sem
identificação. Muito impressionado, não encontrei de imediato o jazigo do
visconde de Souto. Foi preciso localizar seus vizinhos, os túmulos do marquês e
da marquesa de Olinda, quase em ruínas, para ver que a sepultura do visconde de
Souto é agora apenas um retângulo toscamente cimentado, não identificado.
Simplesmente desapareceu a campa de granito que em 1986 ali coloquei, e que
deveria durar séculos, sobre a qual eu mandara afixar a lápide original,
restaurada. Alguns delinquentes devem ter gostado do granito e, de algum modo,
desprenderam-no, levando-o para alguma finalidade inimaginável. Ou para
vendê-lo. A preciosa lápide de 1880, inútil para os ladrões, deve ter sido
descartada no lixo.
O
administrador que nos acompanhava, mostrou-nos a região à esquerda do setor 1,
tratada no Capítulo 7 deste depoimento, agora desmatada, contando-nos que
recentemente “a facção” tinha permitido
que o matagal fosse limpo. Atrás do muro, e colada ao mesmo, a favela
mostrava-se muito ampliada e totalmente pintada de verde. Centenas e centenas
de casebres monocromáticos, a perder de vista, todos eles ostentando o mesmo
verde desbotado. A explicação: “a facção” exige aos moradores que a pintura de todas
as casas seja naquela mesma cor e tom, para que a polícia tenha maior
dificuldade em localizar alguma em particular.
O Rio de
Janeiro, na primeira década do século XXI, tem sido a “cidade das balas
perdidas”, onde o narcotráfico dita aos cidadãos de bem o que pode e o que não
pode ser feito. Aparentemente, as pessoas encaram tal absurdo como natural, e
parece que as autoridades se conformam com essa afronta, porque até agora não
se conhecem medidas efetivas no combate ao crime.
Algo de
muito errado está acontecendo. Neste país a corrupção grassa em todos os níveis
da política. Os criminosos “de colarinho branco”, em Brasília, orgulhosos da
sua impunidade, sorriem nas fotos estampadas nas revistas, e isso não
escandaliza o suficiente, e pouco mobiliza o povo a uma reação pela moralidade
e a ética10.
Sanear a
Pátria é a dura tarefa a ser transmitida às novas gerações pelos homens de bem
do nosso tempo. Os antepassados dos brasileiros contemporâneos, aqueles que tão
bravamente lutaram pelo engrandecimento do país e legaram o exemplo da sua
retidão, aqueles, inumados no Catumbi, sentiriam vergonha se soubessem que a
corrupção e a violência tornaram-se habituais por aqui.
A discussão
sobre os setores históricos do Catumbi não se encerrou. É necessário que os descendentes
dos ali inumados tomem consciência da sua responsabilidade, reconstruam os
túmulos dos seus antepassados e se unam em torno de uma nova tentativa pela
preservação e tombamento daquele solo sagrado.
Que os
gloriosos construtores deste país, que viveram em gerações passadas, continuem
servindo de bom exemplo aos faltosos brasileiros contemporâneos, “até que outro
valor mais alto se alevante”.
Francisco Souto Neto
Curitiba, 20 de janeiro de 2010
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NOTAS A APÊNDICE
9 No dia 8 de setembro
de 2010, o monsenhor Abílio Ferreira da Nova foi preso em flagrante pela
Polícia Federal no Aeroporto Internacional Tom Jobim, Rio de Janeiro, tentando
embarcar para a cidade do Porto, em Portugal, “com cerca de R$102,6 mil não
declarados”, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o que foi também noticiado
pelos principais periódicos e revistas do Brasil. Nas palavras da Veja,
“Monsenhor Abílio tentava embarcar para Portugal com 52 mil euros. Parte das
cédulas estava escondida nas meias e na cueca do religioso”.
-o-
ADENDO
À PARTE 13 (FINAL)
Depoimento
de Francisco Souto Neto
Após mandar reconstruir o túmulo do Visconde de Souto em 1987, levei
muitos anos sem voltar ao Rio de Janeiro. Passados 22 anos, em 2009 viajei ao
Rio com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, com o objetivo de realizarmos
pesquisas para o livro que estávamos escrevendo em coautoria, Visconde de
Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial. No dia que
planejamos visitar o Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como
Cemitério do Catumbi, acompanhou-nos Sílvia Maria Pinheiro Grumbach, esposa de
José Roberto Ponce Grumbach (nosso primo, descendente do Visconde de Souto e do
Marquês de Olinda). Por gentileza da Drª Isaura Taveira Barbosa, diretora da Beneficência
Portuguesa, acompanhou-nos no táxi, nas visitas que fizemos à Capela Mayrink e
ao Cemitério do Catumbi, o chefe de segurança da Beneficência Portuguesa, para
nos proteger da violência urbana.
Ao chegarmos ao Cemitério do Catumbi, fomos atendidos pelo atencioso
administrador, que nos levou em carro elétrico até ao setor histórico. Para
minha surpresa e decepção, tinha desaparecido a campa de granito que em 1987 eu
mandara colocar sobre o túmulo do Visconde de Souto, e com ela foi-se a
preciosa lápide original que naquela época eu mandara restaurar. O túmulo
encontrava-se como mostram as fotos abaixo. Na primeira foto abaixo vê-se
à esquerda um pedaço do túmulo do Marquês de Olinda. O túmulo ao lado, que é
encimado por uma estátua de mulher, é da Marquesa de Olinda. Ao lado do túmulo
da Marquesa, encontra-se o do Visconde de Souto com uma tampa de cimento e sem identificação. Na ala de
baixo, na direção do túmulo do Visconde de Souto, Lúcia Helena Souto Martini e
Sílvia Grumbach examinam o desabamento de uma outra sepultura. Na
segunda foto abaixo, está o túmulo do Visconde de Souto sem a campa, sem a
lápide original, coberto com cimento e sem nenhuma identificação.
-o-
No ano de 2011 eu e Lúcia Helena Souto Martini voltamos ao
Rio de Janeiro, desta feita a convite de nossa prima Cybelle de Ipanema
(presidenta do IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, e
diretora do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para
proferirmos uma palestra, seguida de debate com a plateia, na sede do IHGB, sob
o tema “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”, alusão ao nosso artigo
publicado naquele ano na Revista do IHGRJ ano 18, nº 18, 2011. Na ocasião,
procurei pelo marmorista Alessandro Mário (Rua Dom Pedro
Mascarenhas, 19, telefones 3972-6546 e 9192-9799) a quem encomendei a colocação
de uma nova campa de granito sobre o túmulo do Visconde de Souto, e a
reconstituição da lápide, com base em fotografia, em alto relevo, em mármore de
Carrara, com a ortografia original de 1880. O marmorista efetuou primoroso
trabalho, e o túmulo ficou pronto no corrente ano de 2012, conforme se vê nas
fotografias abaixo, ambas gentilmente tiradas pelo próprio marmorista Alessandro
Mário:
Aspecto atual do túmulo do Visconde de Souto.
A nova lápide de mármore é uma réplica da original, na ortografia vigente no final do século XIX.
-o-
Curitiba, 12 de janeiro de 2018
Francisco Souto Neto
FIM
Boa tarde, sou historiadora e pesquiso sobre a memória relativa a guerra do Paraguai. Alguns dos mais importantes do conflito estão enterrados no cemitério do Catumbi. Apesar de morar no RJ, nunca fui ao setor histórico devido aos problemas recorrentes da localidade mencionados na sua última visita. Gostaria de fazer um contato pois me interessei muito pela história e gostaria de saber mais. Meu email abbyasouza@yahoo.com.br
ResponderExcluirAbraços,
Ana Beatriz
Prezada Ana Souza, somente hoje estou vendo pela primeira vez as suas palavras acima, escritas HÁ QUASE TRÊS ANOS. Eu não recebi aviso pela internet e não sabia da sua mensagem. Peço, portando, que me desculpe pelo involuntário silêncio! Pode dispor do que estiver ao meu alcance. Na biografia do Visconde de Souto, eu enumerei todos os vultos históricos com lápides intactas do Setor Histórico do Cemitério do Catumbi. Exatamente a metade dos túmulos está sem identificação devido a depredações, ignorância e violência. Ainda hoje vou enviar-lhe meu endereço de e-mail para este que a srª indicou acima. Obrigado. Até mais. Abraço.
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