O Cemitério do Catumbi e a sua depredação (Foto F. Souto Neto).
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Iza Zilli
Comendador Francisco Souto Neto
Histórias bonitas e feias do
Cemitério do Catumbi
Há 50
anos, portanto há meio século, desde 1968 venho acompanhando os desacertos e acertos
ocorridos no Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do
Catumbi, a mais antiga necrópole do Rio de Janeiro, e onde estão inumadas as
mais importantes personalidades do Brasil Imperial.
Em 1968,
ao visitar os túmulos dos meus trisavós, o visconde e a viscondessa de Souto,
notei que uma favela avançava sobre os fundos do cemitério, justamente onde se
localiza o setor histórico. Havia um muro que tentava conter a expansão daquela
comunidade, porém existia um portão – melhor dizendo, um buraco tosco – no
referido muro, por onde entravam e saíam pessoas. Eram os moradores da favela
que para encurtar o caminho, passavam por dentro do cemitério para poderem
chegar às ruas convencionais da cidade.
Francisco Souto Neto em 1968 ao lado do jazigo
perpétuo do visconde de Souto no setor 1 do Cemitério do Catumbi.
O túmulo da Viscondessa de Souto no setor 2,
idêntico ao do Visconde.
Em ambos
os túmulos faltavam algumas floreiras de mármore, também os bustos do Visconde
e da Viscondessa que existiam dentro das capelas desapareceram, e a cruz gótica
sobre o telhado da capela do jazigo do Visconde foram arrancada. Nos anos
seguintes, o abandono e a péssima administração da proprietária da necrópole –
a Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula – não impediu
o crescente vandalismo e os furtos de delicadas esculturas em mármores de
Carrara. Num crescendo, a situação atingiu o caos.
Em janeiro de 1985, um
fato inacreditável: fui ao Rio de Janeiro e ao tentar visitar os túmulos dos
meus antepassados, surgira um matagal com altura de dois metros nas “ruas” do
setor histórico do cemitério. Identificando, ao longe, o telhado da capela do
túmulo do Visconde de Souto, avancei derrubando mato com as próprias mãos em
meio a sepulturas com campas quebradas e esculturas fragmentadas. Ao chegar ao
meu destino, o jazigo do Visconde estava também com a campa arrebentada, e
dentro dela vi vários sacos de plástico contendo ossos humanos: costelas,
tíbias, crânios.
Em 1985, duas fotos justapostas. À esquerda, o túmulo do Visconde no meio de um
matagal. À direita, a campa quebrada e, dentro do túmulo, sacos de lixo
com ossadas humanas de desconhecidos.
Dei
ciência das irregularidades à Venerável Ordem proprietária do cemitério, pedi
providências urgentes, a começar pela limpeza dos caminhos e ruas, e retornei a
Curitiba.
Retornei ao Rio dois meses depois, em março de 1985, para verificar “in loco” a situação. Nada se modificara, o setor histórico continuava no meio do mato. Além do caminho que eu abrira até ao túmulo do meu trisavô, havia apenas mais uma trilha que levava ao buraco no muro por onde continuavam passando pessoas.
Retornei ao Rio dois meses depois, em março de 1985, para verificar “in loco” a situação. Nada se modificara, o setor histórico continuava no meio do mato. Além do caminho que eu abrira até ao túmulo do meu trisavô, havia apenas mais uma trilha que levava ao buraco no muro por onde continuavam passando pessoas.
Mobilizei
a imprensa do Rio. A maior receptividade que recebi foi do Jornal do Brasil,
embora outros tenham dado algumas notas sobre o assunto. O Jornal do Brasil
mandou repórteres que foram até ao túmulo do Visconde de Souto, comprovaram que
os sacos de lixo cheios de ossos dentro do túmulo lá permaneciam, que o setor
histórico estava intransitável e com os sepulcros arrebentados, e fizeram uma
reportagem do alto ao pé da página. Neste ínterim exigi à administração do
cemitério que desse um destino cristão aos ossos de pobres desconhecidos.
Reportagem do Jornal do Brasil
A partir
de então, as coisas começaram a mudar. Ao retornar ao Rio no mês de outubro do mesmo
ano de 1985, desta vez na companhia de minha amiga Mercedes Pilati
que estava residindo na capital fluminense, o túmulo do Visconde de Souto encontrava-se
totalmente quebrado, ao rés do chão. O cemitério estava pela primeira vez livre
do mato. Porém precisei retornar a Curitiba, porque eu trabalhava no Banco do
Estado do Paraná, e minhas ausências ao emprego podiam dar-se apenas nos fins
de semana.
Todos os
jornais de Curitiba tomaram conhecimento dos fatos, e publicaram reportagens,
porque o jornalista Aramis Millarch, que lia o Jornal do Brasil e encontrou o
asssunto sobre do escândalo do cemitério, publicou grandes artigos no O Estado
do Paraná, no que foi seguido por inúmeros outros profissionais da imprensa que deram grande
apoio à questão, tais como Dino Almeida, Alcy Ramalho Filho, Wilde Martini,
Mary Schaffer, Iza Zilli, Ruy Barrozo, David Carneiro e Calil Simão.
O
historiador David Carneiro publicou em novembro do mesmo ano de 1985 o artigo “Zacarias e a necrópole do Catumbi”:
Crônica de David Carneiro em novembro de 1985, sobre Visconde de Souto e Zacarias de Góis e Vasconcelos.
Em setembro de 1986 viajei ao Rio uma vez mais, para contratar um
marmorista que restaurasse a lápide original do túmulo do Visconde, e
construísse um novo jazigo.
Ao chegar
ao Cemitério do Catumbi, nova decepção: em apenas onze meses o matagal estava
novamente com dois metros de altura. As fotografias adiante registraram o
absurdo:
Entrando no setor 1, onde está a sepultura do
Visconde de Souto. Ao fundo, a favela.
Deixei os marmoristas no túmulo para iniciarem trabalho, e andei um pouco pelo cemitério. A
estátua que se avista ao centro da foto é do túmulo da Marquesa de Olinda. Por
incrível que pareça, os marmoristas estavam trabalhando no túmulo do Visconde
exatamente ao lado, sem serem vistos. Assim pode-se avaliar a altura e densidade do
matagal.
Os números indicam: 1 – Túmulo do Marquês de
Olinda. 2 – Marquesa de Olinda. 3 – Túmulo do Visconde de Souto, desaparecido
no mato.
O túmulo desabado do Visconde de Souto no meio do
matagal.
Os marmoristas começam a limpeza do túmulo
desabado.
Os marmoristas mexendo no túmulo
desabado.
Os marmoristas conseguem juntar os
pedaços da lápide original do Visconde de Souto, para colocá-la no novo túmulo.
No ano
seguinte, em fevereiro
de 1987, retornei ao Rio com o propósito de eu mesmo mapear os
setores 1 e 2 – os setores históricos – para deixar documentado algo de que o
próprio cemitério não dispunha.
Agora o
mapa existe, feito por mim, e as identificações das sepulturas constam do livro
Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial:
O mapeamento dos dois setores históricos do
Cemitério do Catumbi.
Ainda em 1987 voltei ao Rio de Janeiro para
verificar se as providências foram tomadas. O túmulo do Visconde de Souto recebeu
uma nova campa de mármore. A lápide original, restaurada, encontrava-se colada
sobre o mesmo. As fotografias das páginas do álbum, abaixo, atestam esses
fatos.
Na folha de álbum acima, vê-se na primeira foto a
lápide original restaurada, na segunda foto a campa do túmulo com sua nova
cobertura, sobre a qual está colada a lápide original, e na parte inferior a
pequena placa que se vê na terceira foto, com alusão aos problemas ocorridos.
Na quarta foto, a situação atual dos túmulos do Marquês e Marquesa de Olinda, e
do sepulcro do Visconde de Souto.
No mesmo
ano de 1987 Aramis Millarch, de O Estado do Paraná, publicou na edição de 5 de
abril o artigo “O guardião da memória do cemitério”, como se vê adiante:
A reportagem de Aramis Millarch.
Após mandar reconstruir o túmulo do Visconde
de Souto em 1987, levei muitos anos sem voltar ao Rio de Janeiro. Passados 22
anos, em 2009 viajei ao Rio com minha prima Lúcia Helena Souto
Martini, com o objetivo de realizarmos pesquisas para o livro que estávamos
escrevendo em coautoria, Visconde de
Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial. No dia que
planejamos visitar o Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como
Cemitério do Catumbi, acompanhou-nos Sílvia Maria Pinheiro Grumbach, esposa de
José Roberto Ponce Grumbach (nosso primo, descendente do Visconde de Souto e do
Marquês de Olinda). Por gentileza da Drª Isaura Taveira Barbosa, diretora da
Beneficência Portuguesa, acompanhou-nos no táxi, nas visitas que fizemos à
Capela Mayrink e ao Cemitério do Catumbi, o chefe de segurança da Beneficência
Portuguesa, para nos proteger da violência urbana.
Ao
chegarmos ao Cemitério do Catumbi, fomos atendidos pelo atencioso
administrador, que nos levou em carro elétrico até ao setor histórico da
necrópole, que estava em perfeita ordem, e todas as suas ruas cimentadas entre
os túmulos para que não voltasse a crescer o mato; cumprimentei o administrador por isso. Porém,
para minha surpresa e decepção, tinha desaparecido a campa de granito que em
1987 eu mandara colocar sobre o túmulo do Visconde de Souto, e com ela foi-se a
preciosa lápide original que naquela época eu mandara restaurar. O túmulo
encontrava-se como mostram as fotos abaixo.
Na foto acima vê-se à esquerda um pedaço do túmulo
do Marquês de Olinda. O túmulo ao lado, que é encimado por uma estátua de mulher,
é da Marquesa de Olinda. Em seguida, ao lado do túmulo da Marquesa, encontra-se
o do Visconde de Souto com uma tampa de cimento e sem identificação. Na fila de baixo, minha primas Lúcia Helena e Sílvia examinam uma sepultura com a campa quebrada.
Na foto acima, está o túmulo do Visconde de Souto sem a campa a cobri-lo, e sem a lápide original, coberto com apenas cimento e sem nenhuma identificação. Por incrível que pareça, roubaram a campa que cobria o túmulo, e foi-se ela com a lápide original que eu mandara restaurar anos antes, em 1987.
No ano de 2011 eu e Lúcia Helena Souto Martini voltamos ao Rio de
Janeiro, desta feita a convite de nossa prima Cybelle de Ipanema (presidenta do
IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, e diretora do IHGB
– Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para proferirmos uma palestra,
seguida de debate com a plateia, na sede do IHGB, sob o tema “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”,
alusão ao nosso artigo publicado naquele ano na Revista do IHGRJ ano 18, nº 18,
2011. Na ocasião, procurei pelo marmorista Alessandro Mário (Rua Dom Pedro
Mascarenhas, 19, telefones 3972-6546 e 9192-9799) a quem encomendei a colocação
de uma nova campa de granito sobre o túmulo do Visconde de Souto, e a
reconstituição da lápide (com base em fotografia) em alto relevo, em mármore de
Carrara, e com a ortografia original de 1880. O marmorista efetuou primoroso
trabalho, e o túmulo ficou pronto no ano de 2012, conforme se vê nas fotografias
abaixo, ambas gentilmente tiradas pelo próprio marmorista Alessandro Mário:
Aspecto atual do túmulo do Visconde de Souto. Está
assim, limpo e decente, desde 2012.
A nova lápide de mármore é uma réplica da original,
na ortografia vigente no final do século XIX.
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A HISTÓRIA COMPLETA COM
DEZENAS DE FOTOGRAFIAS:
Toda a história destes últimos 50 anos do Cemitério do
Catumbi poderá ser vista em treze partes ou capítulos que estão na internet nos
seguintes links:
PARTE 1: 1969 –
VISITANDO O CATUMBI
PARTE 2: 1972 – O
LIVRO ARTE E SOCIEDADE NOS CEMITÉRIOS BRASILEIROS
PARTE 3: JANEIRO DE
1985 – O CEMITÉRIO DO CATUMBI VANDALIZADO
PARTE 4: MARÇO DE
1985 – A VIGOROSA REPORTAGEM DO JORNAL DO BRASIL
PARTE 5: ABRIL DE
1985 – ARAMIS MILLARCH E A REPERCUSSÃO NO PARANÁ
PARTE 6: MAIO DE
1985 – O CONSTRANGIMENTO COM DAVID CARNEIRO
PARTE 7: OUTUBRO DE 1985 –
DECEPÇÕES
PARTE 8: VETERANA
VERBA DE 26 DE NOVEMBRO DE 1985
PARTE 9: SETEMBRO DE
1986 – RETORNO AO CATUMBI
PARTE 10: FEVEREIRO
DE 1987 – O MAPA DOS SETORES HISTÓRICOS DO CEMITÉRIO
PARTE 11: O TABLÓIDE
DE 5 DE ABRIL DE 1987
PARTE 12: 1997 – UM
SALTO NO TEMPO
PARTE 13: 2009 – 40 ANOS
APÓS A PRIMEIRA VISITA AO CATUMBI (COM ADENDO DE 2018)
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