sábado, 13 de janeiro de 2018

HISTÓRIAS BONITAS E FEIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI por Francisco Souto Neto para o Portal Iza Zilli.


O Cemitério do Catumbi e a sua depredação (Foto F. Souto Neto).

 PORTAL IZA ZILLI
- O maior portal de comunicação social do Paraná -


Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto


Histórias bonitas e feias do Cemitério do Catumbi


Há 50 anos, portanto há meio século, desde 1968 venho acompanhando os desacertos e acertos ocorridos no Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, a mais antiga necrópole do Rio de Janeiro, e onde estão inumadas as mais importantes personalidades do Brasil Imperial.

Em 1968, ao visitar os túmulos dos meus trisavós, o visconde e a viscondessa de Souto, notei que uma favela avançava sobre os fundos do cemitério, justamente onde se localiza o setor histórico. Havia um muro que tentava conter a expansão daquela comunidade, porém existia um portão – melhor dizendo, um buraco tosco – no referido muro, por onde entravam e saíam pessoas. Eram os moradores da favela que para encurtar o caminho, passavam por dentro do cemitério para poderem chegar às ruas convencionais da cidade.

Francisco Souto Neto em 1968 ao lado do jazigo perpétuo do visconde de Souto no setor 1 do Cemitério do Catumbi.

 
O túmulo da Viscondessa de Souto no setor 2, idêntico ao do Visconde.

Em ambos os túmulos faltavam algumas floreiras de mármore, também os bustos do Visconde e da Viscondessa que existiam dentro das capelas desapareceram, e a cruz gótica sobre o telhado da capela do jazigo do Visconde foram arrancada. Nos anos seguintes, o abandono e a péssima administração da proprietária da necrópole – a Venerável Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula – não impediu o crescente vandalismo e os furtos de delicadas esculturas em mármores de Carrara. Num crescendo, a situação atingiu o caos.

Em janeiro de 1985, um fato inacreditável: fui ao Rio de Janeiro e ao tentar visitar os túmulos dos meus antepassados, surgira um matagal com altura de dois metros nas “ruas” do setor histórico do cemitério. Identificando, ao longe, o telhado da capela do túmulo do Visconde de Souto, avancei derrubando mato com as próprias mãos em meio a sepulturas com campas quebradas e esculturas fragmentadas. Ao chegar ao meu destino, o jazigo do Visconde estava também com a campa arrebentada, e dentro dela vi vários sacos de plástico contendo ossos humanos: costelas, tíbias, crânios.


Em 1985, duas fotos justapostas. À esquerda, o túmulo do Visconde no meio de um matagal. À direita, a campa quebrada e, dentro do túmulo, sacos de lixo com ossadas humanas de desconhecidos.

Dei ciência das irregularidades à Venerável Ordem proprietária do cemitério, pedi providências urgentes, a começar pela limpeza dos caminhos e ruas, e retornei a Curitiba.  

Retornei ao Rio dois meses depois, em março de 1985, para verificar “in loco” a situação. Nada se modificara, o setor histórico continuava no meio do mato. Além do caminho que eu abrira até ao túmulo do meu trisavô, havia apenas mais uma trilha que levava ao buraco no muro por onde continuavam passando pessoas.

Mobilizei a imprensa do Rio. A maior receptividade que recebi foi do Jornal do Brasil, embora outros tenham dado algumas notas sobre o assunto. O Jornal do Brasil mandou repórteres que foram até ao túmulo do Visconde de Souto, comprovaram que os sacos de lixo cheios de ossos dentro do túmulo lá permaneciam, que o setor histórico estava intransitável e com os sepulcros arrebentados, e fizeram uma reportagem do alto ao pé da página. Neste ínterim exigi à administração do cemitério que desse um destino cristão aos ossos de pobres desconhecidos.

Reportagem do Jornal do Brasil

A partir de então, as coisas começaram a mudar. Ao retornar ao Rio no mês de outubro do mesmo ano de 1985, desta vez na companhia de minha amiga Mercedes Pilati que estava residindo na capital fluminense, o túmulo do Visconde de Souto encontrava-se totalmente quebrado, ao rés do chão. O cemitério estava pela primeira vez livre do mato. Porém precisei retornar a Curitiba, porque eu trabalhava no Banco do Estado do Paraná, e minhas ausências ao emprego podiam dar-se apenas nos fins de semana.

Todos os jornais de Curitiba tomaram conhecimento dos fatos, e publicaram reportagens, porque o jornalista Aramis Millarch, que lia o Jornal do Brasil e encontrou o asssunto sobre do escândalo do cemitério, publicou grandes artigos no O Estado do Paraná, no que foi seguido por inúmeros outros profissionais da imprensa que deram grande apoio à questão, tais como Dino Almeida, Alcy Ramalho Filho, Wilde Martini, Mary Schaffer, Iza Zilli, Ruy Barrozo, David Carneiro e Calil Simão.

O historiador David Carneiro publicou em novembro do mesmo ano de 1985 o artigo “Zacarias e a necrópole do Catumbi”:

Crônica de David Carneiro em novembro de 1985, sobre Visconde de Souto e Zacarias de Góis e Vasconcelos.

Em setembro de 1986 viajei ao Rio uma vez mais, para contratar um marmorista que restaurasse a lápide original do túmulo do Visconde, e construísse um novo jazigo.

Ao chegar ao Cemitério do Catumbi, nova decepção: em apenas onze meses o matagal estava novamente com dois metros de altura. As fotografias adiante registraram o absurdo:


Entrando no setor 1, onde está a sepultura do Visconde de Souto. Ao fundo, a favela.



Deixei os marmoristas no túmulo para iniciarem  trabalho, e andei um pouco pelo cemitério. A estátua que se avista ao centro da foto é do túmulo da Marquesa de Olinda. Por incrível que pareça, os marmoristas estavam trabalhando no túmulo do Visconde exatamente ao lado, sem serem vistos. Assim pode-se avaliar a altura e densidade do matagal.

 
Os números indicam: 1 – Túmulo do Marquês de Olinda. 2 – Marquesa de Olinda. 3 – Túmulo do Visconde de Souto, desaparecido no mato.

 
O túmulo desabado do Visconde de Souto no meio do matagal.

 
Os marmoristas começam a limpeza do túmulo desabado.

Os marmoristas mexendo no túmulo desabado.

 
Os marmoristas conseguem juntar os pedaços da lápide original do Visconde de Souto, para colocá-la no novo túmulo.

No ano seguinte, em fevereiro de 1987, retornei ao Rio com o propósito de eu mesmo mapear os setores 1 e 2 – os setores históricos – para deixar documentado algo de que o próprio cemitério não dispunha.

Agora o mapa existe, feito por mim, e as identificações das sepulturas constam do livro Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial:

O mapeamento dos dois setores históricos do Cemitério do Catumbi.

Ainda em 1987 voltei ao Rio de Janeiro para verificar se as providências foram tomadas. O túmulo do Visconde de Souto recebeu uma nova campa de mármore. A lápide original, restaurada, encontrava-se colada sobre o mesmo. As fotografias das páginas do álbum, abaixo, atestam esses fatos.

Na folha de álbum acima, vê-se na primeira foto a lápide original restaurada, na segunda foto a campa do túmulo com sua nova cobertura, sobre a qual está colada a lápide original, e na parte inferior a pequena placa que se vê na terceira foto, com alusão aos problemas ocorridos. Na quarta foto, a situação atual dos túmulos do Marquês e Marquesa de Olinda, e do sepulcro do Visconde de Souto.

No mesmo ano de 1987 Aramis Millarch, de O Estado do Paraná, publicou na edição de 5 de abril o artigo “O guardião da memória do cemitério”, como se vê adiante:

A reportagem de Aramis Millarch.

 Após mandar reconstruir o túmulo do Visconde de Souto em 1987, levei muitos anos sem voltar ao Rio de Janeiro. Passados 22 anos, em 2009 viajei ao Rio com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, com o objetivo de realizarmos pesquisas para o livro que estávamos escrevendo em coautoria, Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial. No dia que planejamos visitar o Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, acompanhou-nos Sílvia Maria Pinheiro Grumbach, esposa de José Roberto Ponce Grumbach (nosso primo, descendente do Visconde de Souto e do Marquês de Olinda). Por gentileza da Drª Isaura Taveira Barbosa, diretora da Beneficência Portuguesa, acompanhou-nos no táxi, nas visitas que fizemos à Capela Mayrink e ao Cemitério do Catumbi, o chefe de segurança da Beneficência Portuguesa, para nos proteger da violência urbana.

Ao chegarmos ao Cemitério do Catumbi, fomos atendidos pelo atencioso administrador, que nos levou em carro elétrico até ao setor histórico da necrópole, que estava em perfeita ordem, e todas as suas ruas cimentadas entre os túmulos para que não voltasse a crescer o mato;  cumprimentei o administrador por isso. Porém, para minha surpresa e decepção, tinha desaparecido a campa de granito que em 1987 eu mandara colocar sobre o túmulo do Visconde de Souto, e com ela foi-se a preciosa lápide original que naquela época eu mandara restaurar. O túmulo encontrava-se como mostram as fotos abaixo. 


Na foto acima vê-se à esquerda um pedaço do túmulo do Marquês de Olinda. O túmulo ao lado, que é encimado por uma estátua de mulher, é da Marquesa de Olinda. Em seguida, ao lado do túmulo da Marquesa, encontra-se o do Visconde de Souto com uma tampa de cimento e sem identificação. Na fila de baixo, minha primas Lúcia Helena e Sílvia examinam uma sepultura com a campa quebrada.


 
Na foto acima, está o túmulo do Visconde de Souto sem a campa a cobri-lo, e sem a lápide original, coberto com apenas cimento e sem nenhuma identificação. Por incrível que pareça, roubaram a campa que cobria o túmulo, e foi-se ela com a lápide original que eu mandara restaurar anos antes, em 1987.

No ano de 2011 eu e Lúcia Helena Souto Martini voltamos ao Rio de Janeiro, desta feita a convite de nossa prima Cybelle de Ipanema (presidenta do IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, e diretora do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para proferirmos uma palestra, seguida de debate com a plateia, na sede do IHGB, sob o tema “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”, alusão ao nosso artigo publicado naquele ano na Revista do IHGRJ ano 18, nº 18, 2011. Na ocasião, procurei pelo marmorista Alessandro Mário (Rua Dom Pedro Mascarenhas, 19, telefones 3972-6546 e 9192-9799) a quem encomendei a colocação de uma nova campa de granito sobre o túmulo do Visconde de Souto, e a reconstituição da lápide (com base em fotografia) em alto relevo, em mármore de Carrara, e com a ortografia original de 1880. O marmorista efetuou primoroso trabalho, e o túmulo ficou pronto no ano de 2012, conforme se vê nas fotografias abaixo, ambas gentilmente tiradas pelo próprio marmorista Alessandro Mário:

Aspecto atual do túmulo do Visconde de Souto. Está assim, limpo e decente, desde 2012.

 
A nova lápide de mármore é uma réplica da original, na ortografia vigente no final do século XIX.

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A HISTÓRIA COMPLETA COM DEZENAS DE FOTOGRAFIAS:
Toda a história destes últimos 50 anos do Cemitério do Catumbi poderá ser vista em treze partes ou capítulos que estão na internet nos seguintes links:
PARTE 1:  1969 – VISITANDO O CATUMBI


PARTE 2:  1972 – O LIVRO ARTE E SOCIEDADE NOS CEMITÉRIOS BRASILEIROS


PARTE 3:  JANEIRO DE 1985 – O CEMITÉRIO DO CATUMBI VANDALIZADO


PARTE 4:  MARÇO DE 1985 – A VIGOROSA REPORTAGEM DO JORNAL DO BRASIL


PARTE 5:  ABRIL DE 1985 – ARAMIS MILLARCH E A REPERCUSSÃO NO PARANÁ


PARTE 6:  MAIO DE 1985 – O CONSTRANGIMENTO COM DAVID CARNEIRO


PARTE 7: OUTUBRO DE 1985 – DECEPÇÕES


PARTE 8:  VETERANA VERBA DE 26 DE NOVEMBRO DE 1985


PARTE 9:  SETEMBRO DE 1986 – RETORNO AO CATUMBI


PARTE 10:  FEVEREIRO DE 1987 – O MAPA DOS SETORES HISTÓRICOS DO CEMITÉRIO


PARTE 11:  O TABLÓIDE DE 5 DE ABRIL DE 1987


PARTE 12:  1997 – UM SALTO NO TEMPO


PARTE 13: 2009 – 40 ANOS APÓS A PRIMEIRA VISITA AO CATUMBI (COM ADENDO DE 2018)



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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI PARTE 13 (FINAL) por Francisco Souto Neto.

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 13 (FINAL)

Francisco Souto Neto

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial”, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 13º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO


13

2009 – 40 ANOS APÓS A PRIMEIRA VISITA AO CATUMBI


Embora este depoimento estivesse finalizado no capítulo 12, pareceu-me necessário acrescentar mais algumas considerações.
Eu e minha prima Lúcia Helena Souto Martini estávamos encerrando a biografia do visconde de Souto no segundo semestre de 2009. Retocávamos o texto, quando decidimos viajar ao Rio de Janeiro para realizar pesquisas complementares e visitar alguns locais ligados à vida do nosso biografado. Uma das expectativas era a de irmos ao Cemitério do Catumbi, 40 anos depois da minha primeira visita àquela necrópole, e 22 após a última. Soubemos que o monsenhor Abílio Ferreira da Nova9 continuava sendo o provedor da Venerável Ordem. Eu já tinha sido informado de que o tombamento da necrópole não chegou a se realizar. Pelo que soube através do próprio IPHAN, infelizmente este não teve força bastante na luta contra o desinteresse da proprietária do campo-santo.
Na tarde do dia 20 de agosto de 2009 rumamos ao Cemitério do Catumbi na companhia de Sílvia Maria Pinheiro Grumbach. Conforme relato em V – PASSADO REVISITADO, da obra Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial, no dia anterior visitáramos a Beneficência Portuguesa, quando sua diretora Isaura Taveira Barbosa, ao saber que iríamos àquela necrópole, ofereceu-nos como acompanhante o chefe da segurança daquela instituição, Jorge Pinto da Silva Júnior, para proteger-nos de situações imprevisíveis, porque o local tornou-se muito perigoso.
Fomos recebidos pelo administrador da necrópole, que antes de subirmos ao setor histórico mostrou-nos que o cemitério é agora vigiado por câmeras. Rumamos ao túmulo da viscondessa de Souto no setor 2, no qual constatamos o furto da cruz neo-gótica que existiu sobre a capela.
Em seguida subimos ao setor 1, que encontramos tão limpo quanto o 2. Entretanto... em grande maioria dos túmulos desapareceu a rica decoração em mármore esculpido. Em seu lugar, restaram apenas retângulos de pedra cobertos de cimento, sem identificação. Muito impressionado, não encontrei de imediato o jazigo do visconde de Souto. Foi preciso localizar seus vizinhos, os túmulos do marquês e da marquesa de Olinda, quase em ruínas, para ver que a sepultura do visconde de Souto é agora apenas um retângulo toscamente cimentado, não identificado. Simplesmente desapareceu a campa de granito que em 1986 ali coloquei, e que deveria durar séculos, sobre a qual eu mandara afixar a lápide original, restaurada. Alguns delinquentes devem ter gostado do granito e, de algum modo, desprenderam-no, levando-o para alguma finalidade inimaginável. Ou para vendê-lo. A preciosa lápide de 1880, inútil para os ladrões, deve ter sido descartada no lixo.
O administrador que nos acompanhava, mostrou-nos a região à esquerda do setor 1, tratada no Capítulo 7 deste depoimento, agora desmatada, contando-nos que recentemente “a facção” tinha permitido que o matagal fosse limpo. Atrás do muro, e colada ao mesmo, a favela mostrava-se muito ampliada e totalmente pintada de verde. Centenas e centenas de casebres monocromáticos, a perder de vista, todos eles ostentando o mesmo verde desbotado. A explicação: “a facção” exige aos moradores que a pintura de todas as casas seja naquela mesma cor e tom, para que a polícia tenha maior dificuldade em localizar alguma em particular.
O Rio de Janeiro, na primeira década do século XXI, tem sido a “cidade das balas perdidas”, onde o narcotráfico dita aos cidadãos de bem o que pode e o que não pode ser feito. Aparentemente, as pessoas encaram tal absurdo como natural, e parece que as autoridades se conformam com essa afronta, porque até agora não se conhecem medidas efetivas no combate ao crime.
Algo de muito errado está acontecendo. Neste país a corrupção grassa em todos os níveis da política. Os criminosos “de colarinho branco”, em Brasília, orgulhosos da sua impunidade, sorriem nas fotos estampadas nas revistas, e isso não escandaliza o suficiente, e pouco mobiliza o povo a uma reação pela moralidade e a ética10.
Sanear a Pátria é a dura tarefa a ser transmitida às novas gerações pelos homens de bem do nosso tempo. Os antepassados dos brasileiros contemporâneos, aqueles que tão bravamente lutaram pelo engrandecimento do país e legaram o exemplo da sua retidão, aqueles, inumados no Catumbi, sentiriam vergonha se soubessem que a corrupção e a violência tornaram-se habituais por aqui.
A discussão sobre os setores históricos do Catumbi não se encerrou. É necessário que os descendentes dos ali inumados tomem consciência da sua responsabilidade, reconstruam os túmulos dos seus antepassados e se unam em torno de uma nova tentativa pela preservação e tombamento daquele solo sagrado.
Que os gloriosos construtores deste país, que viveram em gerações passadas, continuem servindo de bom exemplo aos faltosos brasileiros contemporâneos, “até que outro valor mais alto se alevante”.

Francisco Souto Neto
Curitiba, 20 de janeiro de 2010

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NOTAS A APÊNDICE
9 No dia 8 de setembro de 2010, o monsenhor Abílio Ferreira da Nova foi preso em flagrante pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional Tom Jobim, Rio de Janeiro, tentando embarcar para a cidade do Porto, em Portugal, “com cerca de R$102,6 mil não declarados”, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o que foi também noticiado pelos principais periódicos e revistas do Brasil. Nas palavras da Veja, “Monsenhor Abílio tentava embarcar para Portugal com 52 mil euros. Parte das cédulas estava escondida nas meias e na cueca do religioso”.
10 A partir de 2010 a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro instituiu Unidades de Polícia Pacificadora nas comunidades, para expulsar e prender quadrilhas ligadas ao narcotráfico, que controlam esses lugares como estados paralelos.

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ADENDO À PARTE 13 (FINAL)
Depoimento de Francisco Souto Neto

Após mandar reconstruir o túmulo do Visconde de Souto em 1987, levei muitos anos sem voltar ao Rio de Janeiro. Passados 22 anos, em 2009 viajei ao Rio com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, com o objetivo de realizarmos pesquisas para o livro que estávamos escrevendo em coautoria, Visconde de Souto – Ascensão e “Quebra” no Rio de Janeiro Imperial. No dia que planejamos visitar o Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, acompanhou-nos Sílvia Maria Pinheiro Grumbach, esposa de José Roberto Ponce Grumbach (nosso primo, descendente do Visconde de Souto e do Marquês de Olinda). Por gentileza da Drª Isaura Taveira Barbosa, diretora da Beneficência Portuguesa, acompanhou-nos no táxi, nas visitas que fizemos à Capela Mayrink e ao Cemitério do Catumbi, o chefe de segurança da Beneficência Portuguesa, para nos proteger da violência urbana.
Ao chegarmos ao Cemitério do Catumbi, fomos atendidos pelo atencioso administrador, que nos levou em carro elétrico até ao setor histórico. Para minha surpresa e decepção, tinha desaparecido a campa de granito que em 1987 eu mandara colocar sobre o túmulo do Visconde de Souto, e com ela foi-se a preciosa lápide original que naquela época eu mandara restaurar. O túmulo encontrava-se como mostram as fotos abaixo. Na primeira foto abaixo vê-se à esquerda um pedaço do túmulo do Marquês de Olinda. O túmulo ao lado, que é encimado por uma estátua de mulher, é da Marquesa de Olinda. Ao lado do túmulo da Marquesa, encontra-se o do Visconde de Souto com uma tampa de cimento e sem identificação. Na ala de baixo, na direção do túmulo do Visconde de Souto, Lúcia Helena Souto Martini e Sílvia Grumbach examinam o desabamento de uma outra sepultura. Na segunda foto abaixo, está o túmulo do Visconde de Souto sem a campa, sem a lápide original, coberto com cimento e sem nenhuma identificação.




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No ano de 2011 eu e Lúcia Helena Souto Martini voltamos ao Rio de Janeiro, desta feita a convite de nossa prima Cybelle de Ipanema (presidenta do IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, e diretora do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) para proferirmos uma palestra, seguida de debate com a plateia, na sede do IHGB, sob o tema “A Chácara do Souto e seu Jardim Zoológico”, alusão ao nosso artigo publicado naquele ano na Revista do IHGRJ ano 18, nº 18, 2011. Na ocasião, procurei pelo marmorista Alessandro Mário (Rua Dom Pedro Mascarenhas, 19, telefones 3972-6546 e 9192-9799) a quem encomendei a colocação de uma nova campa de granito sobre o túmulo do Visconde de Souto, e a reconstituição da lápide, com base em fotografia, em alto relevo, em mármore de Carrara, com a ortografia original de 1880. O marmorista efetuou primoroso trabalho, e o túmulo ficou pronto no corrente ano de 2012, conforme se vê nas fotografias abaixo, ambas gentilmente tiradas pelo próprio marmorista Alessandro Mário:



Aspecto atual do túmulo do Visconde de Souto.


A nova lápide de mármore é uma réplica da original, na ortografia vigente no final do século XIX.

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Curitiba, 12 de janeiro de 2018
Francisco Souto Neto


FIM

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI PARTE 12 (de 13) por Francisco Souto Neto.


HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 12 (de 13)

Francisco Souto Neto

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi”, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 12º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO

12

1997 – UM SALTO NO TEMPO


No começo do ano de 1997 minha saudosa mãe, Edith Barbosa Souto, recebeu um telefonema quando eu não estava em casa e deixou anotados um número de telefone do Rio de Janeiro e o nome da pessoa que desejava falar comigo. Tenho guardada a anotação feita pela mão já não muito firme da minha querida mãe, que viria a falecer apenas quatro meses depois.
O nome anotado era o de Cláudia Girão Barroso, do MEC, então instalado no Palácio Gustavo Capanema, no 9º andar da Rua da Imprensa n.º 16, para onde liguei imediatamente.

Palácio Capanema, sede do IPHAN, que abrigou o Ministério da Educação e Cultura.

Disse-me a sr.ª Barroso que não se tinha muita certeza do nome de quem teria partido o pedido para que se iniciassem estudos visando ao tombamento do Cemitério do Catumbi, mas que, como meu telefone e nome lá estivessem anotados, ela desejava me contar que finalmente aquele tombamento estava para se tornar uma realidade, e que ela fazia questão de me comunicar, porque imaginava que essa notícia me deixaria muito feliz.
Disse-me saber do mapeamento que eu fizera do Cemitério do Catumbi no passado e pediu-me para enviar-lhe uma cópia do mesmo.
Tive um sentimento de júbilo. A longa batalha, enfim, estava sendo vencida. Apesar de tantas perdas, eu não tinha lutado contra moinhos de vento.

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CONTINUA NA PARTE 13

HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI PARTE 11 (de 13) por Francisco Souto Neto.


HISTÓRIAS DO CEMITÉRIO DO CATUMBI
PARTE 11 (de 13)

Francisco Souto Neto

A obra biográfica Visconde de Souto: Ascensão e “Quebra no Rio de Janeiro Imperial, escrita em coautoria por mim e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, conta com um APÊNDICE em sua parte final, da página 457 à 510, subintitulado O Cemitério do Catumbi”, no qual faço o relato do que foi a minha luta desde o ano de 1969 – há quase meio século –  pela preservação do setor histórico da referida necrópole do Rio de Janeiro, onde estão sepultados os mais importantes vultos históricos do Brasil Imperial.
O Apêndice conta com 13 capítulos. Este é o 11º capítulo do Apêndice.

APÊNDICE

O CEMITÉRIO DO CATUMBI:
DEPOIMENTO DE FRANCISCO SOUTO NETO

11

O TABLÓIDE DE 5 DE ABRIL DE 1987


Muitos foram os jornalistas paranaenses que acompanharam tudo o que se passava de irregular no Cemitério do Catumbi e a isto faziam referências na imprensa, tais como Dino Almeida, Alcy Ramalho Filho, Wilde Martini, Mary Schaffer, Iza Zilli, Ruy Barrozo e Calil Simão.
Aramis Millarch costumava comentar em sua coluna Tabloide as atividades que eu desenvolvia em Curitiba como animador cultural, paralelas ao meu trabalho na diretoria do Banestado. No episódio do Catumbi, ele foi incansável em seu reiterado interesse e apoio à minha causa.
Na edição de 5 de abril de 1987 do jornal O Estado do Paraná, Millarch escreveu:
O guardião da memória do cemitério: / [...] Francisco Souto Neto gastou parte das suas últimas férias para, debaixo de um calor senegalês, realizar um completo levantamento dos dois setores históricos do Cemitério do Catumbi, catalogando as sepulturas com as lápides ainda intactas – e levantando as sem identificação. Elaborou mapas, gráficos e, acompanhado com centenas de fotos, encaminhou esse material tanto ao Monsenhor Abílio Ferreira da Nova, procurador da Venerável Ordem 3ª dos Mínimos de São Francisco de Paula – responsável pela conservação daquele campo santo, como também ao Sr. Ângelo Oswaldo de Araújo, secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, além de cópias à imprensa nacional. / [...] Souto Neto extrapolou a simples preocupação familiar para, com suas denúncias, alertar em relação ao abandono em que uma favela vizinha já soterrou os restos do túmulo de Teófilo Otoni (1807 – 1869) e sobre o mesmo foram construídos barracos. Até agora, nada extraordinário ali aconteceu, mas fenômenos na linha “poltergeist” podem aparecer. / O que revolta Souto Neto é o desleixo dos herdeiros das famílias tradicionais que não se preocuparam com a situação dos túmulos de seus antepassados. Vai mais além, ao denunciar à direção do SPHAN: “Aquilo não será assombroso, se considerarmos que alguns herdeiros são capazes de atos espúrios, como o daquela bisneta que destruiu o mausoléu neobarroco do visconde de Guaramores, neles incluindo-se o de que interesses financeiros envolveram o próprio sarcófago do visconde”. / [...] Assim, está a exigir a contratação de guardas para o cemitério e a clamar providências para a identificação de muitos túmulos abandonados. Em seu levantamento, das 262 sepulturas que pesquisou, só 162 estão identificadas e 100 delas estão abertas, ou sem lápides que tornem possível a identificação dos vultos históricos lá sepultados, “o que dá a exata dimensão do descaso por parte dos descendentes”. / [...] Em compensação, há curiosas obras de arquitetura de cemitério que, analisadas por um pesquisador dedicado como é o Chico Souto, poderiam resultar numa interessante publicação. (MILLARCH, Aramis. O guardião da memória do cemitério. O Estado do Paraná, Curitiba, 5 abr. 1987. Tabloide, p. 14).

A reportagem de Aramis Millarch

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ADENDO À PARTE 11:

Em fevereiro de 1987 voltei ao Rio de Janeiro para verificar se as providências foram tomadas. O túmulo do Visconde de Souto recebeu uma nova campa de mármore. A lápide original, restaurada, encontrava-se colada sobre o mesmo. As fotografias das páginas do álbum, abaixo, atestam esses fatos.

Na folha de álbum acima, vê-se na primeira foto a lápide original restaurada, na segunda foto a campa do túmulo com sua nova cobertura, sobre a qual está colada a lápide original, e na parte inferior a pequena placa que se vê na terceira foto, com alusão aos problemas ocorridos. Na quarta foto, a situação atual dos túmulos do Marquês e Marquesa de Olinda, e do sepulcro do Visconde de Souto.

Esta fotografia de Francisco Souto Neto, a que denominou “Um equilíbrio delicado”, simboliza todas as depredações do Cemitério do Catumbi.

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CONTINUA NA PARTE 12