---------o--------
MEU JARDIM DE INFÂNCIA EM 1949/1950: TRANQUILIDADE versus REBULIÇO.
por Francisco Souto Neto
Em 1950, a exata metade do século XX, as crianças iam para o Jardim de Infância aos 5 ou 6 anos de idade. Depois vinha o Curso Primário com duração de 4 anos, entretanto em algumas cidades do interior era acrescido de mais um ano, chamado de “Preparação para o Ginásio”. O Curso Ginasial durava 4 anos. Em seguida ao ginásio, era feito um curso obrigatório de 3 anos genericamente denominado de “curso médio”, que poderia ser o de Contabilidade, o Científico, o Clássico ou o Normal, este último mais especificamente para as moças que desejavam seguir a carreira de professoras. Ao final disso tudo, fazia-se o exame vestibular, que podia levar à Faculdade ou à Universidade. Assim era o ensino na metade do Século XX.
Eu usei chuca-chuca até ao Jardim de
Infância. Depois, ao ingressar no Curso Primário, meu cabelo foi cortado. Creio
que essa moda do chuca-chuca para meninos já estava decadente, porque me lembro
de que ao entrar em contato com coleguinhas na sala de aulas, notei que apenas
um outro menino usava cabelo como o meu.
Até recentemente eu pensava ter ingressado no
Jardim de Infância em 1950, aos 6 anos, porém descobri um cofre de metal onde
estavam guardados meus cadernos da época, e então notei que estes eram datados
de fevereiro de 1949. Assim, ao contrário do que ficou registrado até mesmo em livros
publicados, como em “Vozes do Paraná”, de Aroldo Murá, eu fui para o Jardim de
Infância aos 5 anos e não aos 6, e ali permaneci matriculado durante os anos de 1949 e 1950.
Minha irmã Ivone, então com 11 anos, estudava
no Colégio Sant’Ana, considerado o melhor de Ponta Grossa. Era um
estabelecimento de ensino exclusivo para meninas, mas contava com um Jardim de
Infância misto, e foi lá que meus pais me matricularam.
Eu tinha um amiguinho da minha idade,
Carlos Roberto Emílio, que morava num quarteirão depois do meu, que também foi
matriculado no mesmo Colégio Sant’Ana. Então eu e Carlinhos fomos levados e
trazidos pelas mãos minha irmã enquanto lá estivemos matriculados.
Enquanto os cursos Primário e
Ginasial funcionavam no belo prédio que tinha seu último andar em forma de
mansardas, o Jardim de Infância funcionava nos fundos do terreno. Atravessando
o prédio principal, chegávamos ao enorme pátio que servia para as crianças
brincarem na hora do recreio, e lá ao fundo do terreno havia um barracão
acessado por extensa escadaria externa, denominado “pavilhão”, onde se
encontrava o enorme salão coletivo do Jardim de Infância que ocupava o barracão
inteiro.
Meus pais fotografaram minha saída,
na companhia de Carlinhos e levados pela minha irmã, rumo ao nosso primeiro dia
de aula. Levávamos lancheiras com cadernos em branco e nossos respectivos
lanches. Lembro-me até hoje do cheiro gostoso da lancheira que continha
sanduíche e bolo, e o leite com Toddy.
Ao chegarmos ao Colégio Sant’Ana,
logo à entrada minha irmã entregou-nos a uma freira. Tentei resistir, mas esta
segurou minha mão com firmeza e arrastou-me com o Carlos rumo ao desconhecido.
Entretanto, a freira era carinhosa e eu e meu amigo seguimos conformados com
nossos destinos.
Lembro-me apenas vagamente do Jardim
de Infância. Por exemplo, quando subíamos a escada que levava do pátio ao pavilhão,
víamos aqueles pequenos respiros de metal que eram usados para ventilar os
porões das antigas casas; as crianças comentavam que ali existia o “quarto escuro”
para onde seriam levadas as crianças desobedientes. Isso, entretanto, não me
assustava, porque logo descobri que as freiras eram bondosas.
Depois do recreio, quando retornávamos
ao pavilhão, tínhamos que ficar inclinados em nossas carteiras, a cabeça
apoiada em nossos próprios braços cruzados, com olhos fechados. Era o “repouso”
que merecíamos após os folguedos e estripulias da hora do recreio. Às vezes
alguma criança adormecia de verdade, e as freiras diziam que era para não
acordá-la, até que a mesma despertasse normalmente.
Lembro-me de uma única “aula”: as freiras,
de duas em duas, segurando de cada lado um grande rolo de papel, faziam descer cartazes
com cenas bíblicas que iam mostrando para as crianças enquanto contavam
histórias religiosas.
Mas recordo-me também de “copiar” em
meu caderno as letras do alfabeto. Demorou algum tempo para eu descobrir que as
palavras compridas que eu copiava diariamente no caderno, eram “Francisco Souto
Neto”, meu próprio nome.
Abaixo, um dos meus cadernos. Ele tem
a capa impressa com meu nome e a data:
1949. Explica-se: sendo meu pai diretor de redação do Jornal do Paraná, e
também diretor da Impressora Paranaense, ele mandava encapar nossos cadernos
com o requinte que considerava necessário.
Outra ocasião marcante foi um dia de
festa. Não sei que festa seria aquela, mas quando entramos em fila no pavilhão,
recebemos uma bandeja onde algumas freiras iam colocando guloseimas salgadas e
doces, e um refrigerante. Ao nos afastarmos equilibrando a bandeja em busca de
um lugar onde fosse possível comer, os meninos maiores começaram a correr, passando
por nós em grande disparada e em rápidos movimentos furtavam nossos comestíveis.
Com as duas mãos segurando a bandeja, não tínhamos como nos defendermos, e então
corremos buscando a proteção dos cantos. Protegemos o pouco que restou dos
quitutes, ao colocarmos as bandejas entre nossos corpos e a parede. A
garrafinha de refrigerante também foi-se de roldão naquele frenético assalto. Lembro-me
claramente de que aquilo me pareceu uma cena de cinema em que vi índios
montados em cavalos correndo ao redor de carroças cheias de gente desesperada. Foi
quando descobri que bandidos não existiam somente nos filmes das matinês e que
meus próprios coleguinhas eram meninos bandoleiros.
Os três colegas de quem me lembro no Jardim de Infância
Dos colegas do Jardim de Infância, lembrava-me
apenas do Carlos Roberto Emílio porque, obviamente, éramos vizinhos e
amigos. E somos amigos até hoje, embora muito raramente nos comuniquemos.
Um dia, na década de 70, quando eu
trabalhava como escriturário no Banco do Estado do Paraná, eu tinha um colega,
já falecido, que se chamava Erol Vinícius Campos. Um dia sua esposa foi ao
Banco falar com o marido, e ao ver-me reconheceu-me como um dos seus colegas do
Jardim de Infância. Então reconheci-a também, pois parece-me que ela era a
única criança de origem nipônica dentre meus coleguinhas. Seu nome: Marli Tamura
Campos.
Um estranho caso de memória envolve o terceiro colega de quem me recordo. A certa altura da década de 80 ocorreu o seguinte: no Banco do Estado do Paraná, do qual era funcionário de carreira, eu então ocupava concomitantemente os cargos de Assessor da Presidência e de Assessor para Assuntos de Cultura. Embora a diretoria e presidência do banco funcionassem no bairro de Santa Cândida, no enorme Centro Administrativo do Banestado, por uma questão de logística eu passei a trabalhar no centro de Curitiba, à Rua Marechal Deodoro, nº 333, cujo edifício de 11 andares pertencia ao Banco do Estado do Paraná, então ocupado por uma de suas empresas conglomeradas, a Banestado Crédito Imobiliário. Como o presidente da referida conglomerada, dr. Edisson Eleri Faust, era ao mesmo tempo vice-presidente do Banestado, ele preferia usar seu gabinete em Santa Cândida, e assim as salas da presidência da empresa conglomerada, no 7º andar da Marechal Deodoro, estava sem função. Por esse motivo, meu gabinete de trabalho foi instalado ali, principalmente porque eu ficaria perto da Galeria de Arte Banestado, do Museu Banestado, do Coral Banestado e do local de exposição dos Salões Banestado de Artistas Inéditos, que eram alguns dos itens abrangidos pelo meu Programa de Cultura, que incluía até apoio ao teatro e cinema.
Certa tarde, retornando do almoço, eu ia pela Marechal Deodoro em direção ao meu trabalho. Atravessei a Barão do Rio Branco, e um prédio antes de chegar ao meu destino, vi um senhor – um jovem senhor, com aparência de pouco mais de 40 anos de idade – num degrau que havia à entrada daquele prédio vizinho. Olhei seu rosto, passei por ele e dei alguns passos. Agora estranho e inexplicável se passou em minha memória. Eu disse para mim mesmo: “Eu o conheço. Ele foi me colega no Jardim de Infância!”. Parei, fiquei um pouco relutante e voltei até ele. Disse-me mais ou menos: “O senhor me desculpe, mas tenho certeza de que o conheço. O senhor é de Ponta Grossa e nasceu mais ou menos em 1943?” Surpreso, ele me confirmou. E eu: “Em 1949 ou 1950 o senhor estava no Jardim de Infância do Colégio Sant’Ana?”. Agora muito espantado, ele mais uma vez confirmou. E eu disse: “Então fomos colegas no Jardim de Infância”. Eu, com sinceridade, até hoje não entendo como pude identificar no rosto de um homem com mais de 40 anos, o menininho que foi meu colega na tenra infância, mas que nunca foi meu amigo e nem sei se algum dia, crianças, chegamos a trocar alguma palavra. Parece algo inacreditável até mesmo para mim. Pode-se imaginar a expressão de espanto do homem, mas verdadeiramente espantoso é descobrir que a memória humana possa ter recursos para algo dessa magnitude. Ao final desse brevíssimo contato, nós trocamos cartões de visita. Seu nome era Álvaro Correia de Sá Filho, economista, gerente da Divisão Apoio e Conservação da Companhia Paranaense de Energia – Copel. Ao nos despedirmos, ele disse: “Muito obrigado por ter voltado”.
Algum tempo depois, convidei-o para
ir à minha casa. Eu residia no Centro Cívico. No dia combinado, Álvaro telefonou-me
dizendo que tivera um imprevisto e que ele não poderia comparecer com a esposa.
Alguns meses depois disso, convidei-o pela segunda vez, e acrescentei brincando:
“Vamos nos encontrar desta vez, porque se não der certo agora, creio que só nos veremos
na próxima encarnação”. Mais uma vez ele faltou ao compromisso. E assim muita
água correu sob a ponte: transcorreram décadas. Agora nestes avançados anos, em
plenos anos 20 do século XXI, tive um pensamento desagrável: neste ano
completaremos 79 anos. Seremos octogenários em 2023. Será que aquele meu colega
de Jardim de Infância ainda vive? Talvez eu pesquise na internet para tentar conhecer
a conclusão deste estranho capítulo.
De qualquer modo, ficam os registros
de tudo o que retive na memória do tempo de meu Jardim de Infância em Ponta
Grossa nos anos de 1949 a 1950. Além disso, quem sabe se neste tempo de tantos
avanços tecnológicos como a citada internet, ainda me surgirá algum outro
colega daquele passado tão remoto?
-o-
EPÍLOGO
O RESUMO DE MEUS CURSOS
PRIMÁRIO, MÉDIO E SUPERIOR
Abaixo, as minhas lembranças do
começo do curso primário, do 1º e 2º anos na Escola de Aplicação de Ponta
Grossa nos em 1951 e 1952. Depois, as recordações do 3º ano em Campo Grande, MT.
Daí seguem o que me lembro do 4º e 5º anos em Presidente Venceslau, SP.
Relatei uma triste memória que tenho
do 1ª ano do Curso Primário em minha crônica “Professoras da minha infância: os
inocentes e as bruxas”, publicado pelo Jornal Centro Cívico, edição de novembro
de 2014. Para facilitar, vou reproduzir abaixo um trecho do texto, no qual,
especificamente,está o meu histórico do Primário:
Minhas
lembranças do Curso Primário:
“Em 1951, cabelo cortado, fui para o 1º ano do curso primário na Escola de Aplicação, esquina da Rua Dr. Colares com a Augusto Ribas [em Ponta Grossa], atrás do Cine Ópera. Os cabelos grisalhos da professora, dona Maria Antônia, eram unidos numa única longa trança levada para o alto da cabeça e presa em círculos, formando impressionante coroa. Começamos a escrever com lápis, e só no segundo semestre encontramos tinteiros embutidos nas carteiras, quando cada aluno recebeu uma pena. Pena era o nome da caneta de madeira, em cuja extremidade havia uma pena metálica. Ao lado, o indispensável mata-borrão. Passamos a conviver com nossos dedos indicador, médio e polegar manchados de tinta azul. Maria Antônia era severa e irritada. Numa das primeiras aulas uma garotinha errou a lição, e essa professora agarrou-a pelos cabelos, sacudiu-a como um crocodilo faz com sua presa, atirando-a contra duas carteiras que ao se deslocarem derrubaram outras crianças. Petrifiquei de pavor ao ver que bruxas existiam e Maria Antônia deveria ser a rainha delas. Durante todo o ano deu tapas na cabeça das crianças e eventuais beliscões. Por motivos ignotos, fui poupado. Embora eu nunca tenha apanhado de meus pais – que não batiam nos filhos – naquele tempo genitores e professores violentos eram comuns.
No 2º ano primário, no mesmo colégio, minha professora chamava-se Ida, e foi para mim a mudança da bruxa para a fada.
No 3º ano já em Campo Grande, no Colégio Oswaldo Cruz, minha professora era linda, delicada, chamada Agnes, e foi a primeira paixão de muitos de nós aos 9 anos.
O
4º ano primário foi em Presidente Venceslau, SP, e meu professor op Sr. Armando de Oliveira Campos, completamente
cego, era o mais competente da cidade, além de boníssimo. Sua secretária
chamava-se Zélia.”
Minhas
lembranças do Curso Ginasial:
https://fsoutone.blogspot.com/2019/03/os-graduandos-do-ginasio-ponta.html
Minhas
lembranças do Curso Científico:
https://fsoutone.blogspot.com/2019/03/os-graduandos-do-curso-cientifico-no.html
Minhas
lembranças do Curso Superior de Direito:
https://fsoutone.blogspot.com/2019/04/bacharelandos-do-curso-de-direito-da.html
Minha fotografia atual:
-o-
Nenhum comentário:
Postar um comentário