domingo, 18 de junho de 2023

LIECHTENSTEIN: PEQUENA HISTÓRIA QUASE ROMÂNTICA NO PAÍS DOS NARIGUDOS por Francisco Souto Neto.

 

Vaduz, capital do principado de Liechtenstein. Sobre o morro vê-se o palácio dos príncipes.

Comendador Francisco Souto Neto

 

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LIECHTENSTEIN:

PEQUENA HISTÓRIA QUASE ROMÂNTICA

NO PAÍS DOS NARIGUDOS

 

por  Francisco Souto Neto

 

Em 1999 estávamos passando alguns dias na cidade de Chur, na Suíça, onde fomos para conhecer uma estrada de ferro particular que liga aquela cidade a Arosa.

A viagem para Vaduz, em Liechtenstein

Chur situa-se a leste do território suíço, a apenas 22 quilômetros da fronteira com o principado de Liechtenstein e a somente mais 6 quilômetros até Vaduz, sua capital. Liechtenstein é um dos menores países do mundo, com apenas 157 quilômetros quadrados, encravado entre a Suíça e a Áustria. O país conta atualmente com só 38.829 habitantes. Na capital Vaduz vivem, no corrente ano de 2023, apenas 5.289 pessoas. Em 1999 eram 33.026 no país e 3.220 na capital. É surpreendente como a população permanece quase estável por ali ao longo de quase ¼ de século!

Sendo Vaduz tão próxima a Chur, animou-me a ideia de passar lá uma tarde, só para ver como é o país.

Meu companheiro de viagem, Rubens Faria Gonçalves, não gostou muito da ideia, mas resolveu acompanhar-me. Assim, tomamos o café da manhã onde estávamos hospedados em Chur, o Hotel Drei Könige, mas o café propriamente dito parecia um chá fraco. E o chocolate quente não deu nem para duas xícaras a cada um de nós. A garçonete era toda atrapalhada. Que coisa estranha: a Suíça, onde estive algumas vezes, é sempre um país onde tudo funciona com perfeição. O que estaria acontecendo com nosso hotel?!

Para irmos de Chur a Vaduz, recomendaram-nos tomarmos um trem até Balzers, na fronteira entre Suíça e Liechtenstein, e lá embarcar num ônibus para Vaduz, e a viagem toda duraria menos de meia hora. E assim procedemos.

Na estação de Chur, o trem (à esquerda) com destino a Balzers.

Fomos avisados de que o tempo entre a chegada do trem em Balzers proveniente de Chur e a partida do ônibus para Vaduz seria de apenas três minutos! Isso não chegou a nos preocupar, e eu disse ao Rubens: “Se eles dizem que o tempo é esse, é porque deve ser suficiente para a baldeação em países tão bem organizados. Sabemos que os trens suíços não atrasam nem sequer um minuto do tempo previsto para partida ou chegada”. Quando o trem parou na referida cidadezinha da fronteira, para nossa surpresa havia um ônibus estacionado ao lado da ferrovia, que anunciava seu destino: “VADUZ”. Dirigimo-nos ao veículo e antes de chegarmos a ele vimos que, como num passe de mágica para nós caipiras brasileiros, o ônibus começou a baixar inteiramente, até que sua porta ficou ao nível da rua. Aquele mecanismo notável era para que ninguém precisasse subir degraus. Pois é, países desenvolvidos são um bocadinho mais avançados do que pobres de nós subdesenvolvidos poderíamos imaginar.

O ônibus, muito bonito até nas cores alegres das poltronas, partiu para Vaduz numa viagem de poucos minutos. O motorista nada nos cobrou, nem olhou nosso Eurailpass.

Bandeira da Suíça.

Bandeira de Liechtenstein.

Não se nota nenhum marco entre a fronteira dos dois países, e não se avista mais a bonita bandeira da Suíça, mas somente as do principado. A bandeira da Suíça é bonita pela simplicidade, mas a de Liechtenstein também o é, ilustrada com a coroa do príncipe.

A estrada passa por lindos campos verdejantes com vacas pastando, as casas são encantadoras, com belos jardins, tudo cercado por montanhas altíssimas de cumes nevados.

Pequena história quase romântica em Liechtenstain

Notamos nos passageiros do ônibus um detalhe muito curioso: quase todos eram narigudos, notadamente aduncos – para não dizer aquilinos – e pareciam uns com os outros. Davam a impressão de serem todos aparentados. Irmãos, primos, algo assim!

Durante o nosso curto percurso presenciamos um pequeno drama adolescente envolvendo alguns habitantes daquele reino – principado – liliputiano. Foi o seguinte: duas mocinhas, uma delas belíssima e não nariguda, viajavam nos assentos vis-à-vis, conversando animadamente. Numa das paradas entrou um narigudinho feio, também adolescente, que ao ver a bela garota, talvez sua colega de escola, fez uma expressão de alegria e cumprimentou-a todo feliz. Ela respondeu sem sorrir e, com a cara de poucos amigos, pegou a mochila que levava sobre as pernas, atirando-a ostensivamente na poltrona a seu lado, como a dizer-lhe: “Não se sente aqui, pois não é bem-vindo”. Ele acomodou-se noutro banco e donde estávamos podíamos ver os olhares de mágoa e tristeza que ele furtivamente lançava à menina que o desprezou. O ponto em que ele desceria era anterior ao dela. Vimo-lo apertar o sinal, o ônibus parou e ele, agora com um ar altivo, passou por elas sem se despedir e sem olhar para as meninas. Elas levantaram as sobrancelhas e se entreolharam a indagar como se não compreendessem o que eu compreendi: “O que deu nele?”. Eu disse ao Rubens: “Pois ele fez muito bem feito!”.

Vaduz e o palácio dos príncipes

Desembarcamos na rua principal de Vaduz, mas o Rubens achou que estaríamos longe do centro da capital. Eu é que estava certo: ali era o centro e todo o comércio se resumia a duas quadras da rua. Muito esquisito mesmo: as construções eram modernas, com nada de especial, exceto um ou outro prédio. Visitamos a catedral, bonita e simples, mais interessante por conter um balcão especial ao lado do altar, que é ocupado pela família real – ou principesca – quando algum dos seus membros comparece à cerimônia religiosa.

Da rua principal olhei para um morro e reconheci, lá no seu topo  – pois tinha visto fotografias anteriormente –  o palácio dos príncipes de Liechtenstein.

Francisco Souto Neto e o palácio dos príncipes lá no alto do morro.

Trata-se de um palácio aparentemente pequeno, modesto. Pensei assim: “Acho que os soberanos deste país são uns príncipes um pouquinho pobres”. Entretanto, casual e coincidentemente, na semana em que retornamos ao Brasil saiu na revista Veja uma reportagem sobre as maiores fortunas da Europa, assim classificadas: em 3º lugar os Windsor (na ocasião a família Windsor era representada pela rainha Elizabeth II da Inglaterra, e que agora é pelo bobalhão – que de bobo nada tem – rei Charles III com sua esposa Camila, a rainha consorte meio tosca mas agora quase simpática aos britânicos, embora não completamente); em 2º lugar a família real de Luxemburgo; em 1º lugar, o príncipe Hans-Adam Liechtenstein II, soberano do principado de Liechtenstein. Ora, então os Liechtenstein são os mais ricos de toda a realeza europeia. Como pode? Quem diria! Pois é, as coisas nem sempre são como parecem ser! Coitada da saudosa rainha Elizabeth II, num mísero terceiro lugar, perdendo para os narigudos!

O casal de soberanos (príncipes de Liechtenstein) quando jovens.

O casal de soberanos hoje, tomando uma cervejinha. Sim, o tempo passa depressa também para os príncipes...

O palácio dos príncipes.

Neste 2023 estou lendo todas as crônicas da extraordinária Clarice Lispector publicadas no Jornal do Brasil de 1967 a 1973, no livro A Descoberta do Mundo, a quem admiro cada vez mais pelo seu poderio na construção literária aliado a boas doses de mau humor, aspereza e irritação. Não ser melíflua é uma das suas características principais, que eu aplaudo. Através Clarice Lispector aprendi que escrever com mais simplicidade, incluindo eventuais bobagenzinhas e até inventando algumas palavritas em meio ao texto sério, é um detalhe positivo e que pode divertir e fazer sorrir o leitor.

As fotografias abaixo mostram um pouco do que vimos em Vaduz.

Francisco Souto Neto na rua principal de Vaduz.

Ei, Rubens! Este restaurante está convidativo?

Rubens passeando. Lá no alto do morro está o palácio dos príncipes.

Bela escultura em praça de Vaduz.

Francisco Souto Neto numa porta que indica que ali, naquela noite, haverá uma festa de casamento.

Bela construção na rua principal.

Atrás de Rubens, a Catedral de Vaduz.

Atrás de Souto Neto, o Tribunal de Justiça do país.

Rubens ao lado da catedral.

Souto em frente à torre da catedral.

Rubens nos jardins da catedral.
 

Logo que voltamos desta viagem, telefonei à minha tia Cecy, irmã do meu pai. Cecy era linda, muito viajada e dona de grande cultura. Eu disse a ela: “Cecy, lembro-me de que você já esteve em Liechtenstein. Que tal? Gostou de Vaduz?”. A resposta que ela me deu está gravada na minha memória e me fez rir muito. Disse minha tia: “Mas... é só uma rua, não é?”.

Para finalizar, a capital de Liechtenstein é muito sem graça. Com certo exagero, eu diria que dos lugares onde já estive, pior do que Vaduz só mesmo o mercado beduíno de Beer-sheba (ou Be’er Sheva, ou Berseba) no Deserto de Neguebe, ao sul de Israel. Carimbamos nossos passaportes ao preço de 2 francos suíços (3 reais na época) cada um e demos adeus a Vaduz.

O carimbo de Liechtenstein em meu passaporte.

Voltamos de ônibus de Vaduz a Balzers e ali, na estação ferroviária, embarcamos de volta em direção a Chur.

Na estação ferroviária de Sargans, o trem que nos levaria de volta a Chur.

Retornamos a Chur, onde estávamos hospedados. Uns dias depois, quando deixamos o Hotel Drei Könige e íamos puxando nossas malas rumo à estação ferroviária, cruzamos na calçada com a simpática recepcionista que nos recebera com caixas de bombons quando chegamos ao hotel dias antes, a quem saudamos alegremente. Ela ia para seu turno de trabalho e levava consigo um cachorro muito engraçado. Então era dele o latido que às vezes ouvíamos de nosso apartamento. Levar o cachorro para o trabalho... só mesmo em países superevoluídos.

O mundo dá muitas voltas e nessas voltas vamos nós.

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ABAIXO, A FILMAGEM QUE FIZEMOS EM NOSSA VIAGEM A VADUZ:



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