sexta-feira, 16 de junho de 2023

EM CHUR: "O SEGREDO MAIS BEM GUARDADO DA SUÍÇA" - PARTE 1 por Francisco Souto Neto.

 

A viagem de Ortisei (Itália) a Chur (Suíça) envolveu dois trechos em ônibus e dois outros em trem. Acima, de trem entre Bolzano e Milão.


Comendador Francisco Souto Neto 

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EM CHUR:

 “O SEGREDO MAIS BEM GUARDADO DA SUÍÇA”

 

PARTE 1

por  Francisco Souto Neto

 

Viajando, como de costume, na companhia de meu amigo Rubens Faria Gonçalves, estávamos há alguns dias em Ortisei, em plenas Dolomitas (Itália), e nosso próximo destino seria a cidade de Chur, na Suíça.

Quem me conhece sabe que planejamos nossos roteiros de comum acordo, sem uso de excursões organizadas por empresas, viajamos pela empresa aérea que preferirmos, escolhemos nossos hotéis mencionando qual o andar desejado e de frente para o que queremos avistar da nossa janela, escolhemos os restaurantes e realizamos os passeios planejados com antecedência, tudo com as despesas divididas entre nós, meio a meio. Somos o que chamam de “turistas independentes”.

Tínhamos planejado viajar a Chur, cidade fora do circuito turístico de quem vai a passeio à Suíça, por um motivo muito especial: meses antes, no Brasil, assistimos a um documentário de uma série pelo Canal Travel Channel, sobre a estrada de ferro Chur-Arosa, apresentada como “o segredo (turístico) mais bem guardado da Suíça". O trem parte de uma estrada de ferro particular em uma rua de trânsito normal em frente da estação ferroviária e atravessa a cidade como se fosse um bonde, até que sai do perímetro urbano e estende-se pelas encostas dos Alpes, atravessa inúmeros túneis e viadutos até chegar à famosa cidade de Arosa. Até aqui nada de novo. O que nos saltou aos olhos foi o seguinte: como de hábito, o trem tinha muitos vagões, uns dez ou mais, entretanto o último deles era como um caixote de madeira, aberto no teto, ou melhor dizendo, sem teto, sem cobertura, no qual os passageiros podem viajar ao ar livre, embora pagando o preço normal da passagem. Viaja naquele “caixote” quem quiser expor-se ao sol ou à chuva, isto é, para viver uma experiência totalmente nova e inusitada. Isso mesmo, uma viagem de trem através das montanhas alpinas, ao sabor do vento. E nós nos decidimos que queríamos viajar no “caixote” daquele trem.

O roteiro entre Ortisei e Chur

A viagem de Ortisei a Chur seria longa: teríamos que primeiro viajar de ônibus entre Ortisei e Bolzano, aí tomaríamos um trem com destino a Milão. Em Milão, na Itália, teríamos que tomar outro trem para Bellinzona, na Suíça. Seria uma belíssima viagem, passando pela cidade de Como às margens do lago homônimo (Le Lac de Come). Chegando a Bellinzona, a viagem em direção a Chur teria que ser de ônibus, pela inexistência de linha férrea entre as duas citadas localidades. No final, viajaríamos de Chur a Arosa no “caixote aberto” do trem.

O grande enjôo ao iniciar o percurso

Embarcamos num ônibus em Ortisei para o início do nosso longo percurso. Atravessar uma parte muito abrupta dos Alpes entre Ortisei e Bolzano em estradas cheia de curvas fechadas é terrível para quem, como eu, pode enjoar ao viajar de ônibus. E o enjôo aconteceu, terrível. O pior foi que o Rubens ficou tão mal quanto eu, ou ainda mais grave. Ambos de olhos fechados, não conseguíamos nem conversar. Eu só imaginava quão constrangedor seria vomitar no chão de um ônibus de janelas hermeticamente fechadas.

Alcançamos Bolzano após exata uma hora de viagem e desci do ônibus tão enjoado como se tivesse estado numa montanha russa. Olhei ao Rubens e vi que ele estava com o rosto amarelo. Porém só o fato de sairmos do ônibus e de podermos respirar ar puro em terra firme curou-nos do mal.

A estação rodoviária de Bolzano era ao lado da estação ferroviária. Esperamos quase uma hora, até que chegou o trem que nos levaria a Milão.

Em Milão, uma história de criminosos e detetives

O trem saiu de Bolzano às 11:33 horas e chegamos a Milão às 14:50. Fizemos ótima viagem, porque de trem eu jamais enjoo. Trem é diversão, alegria, prazer, conforto. Teríamos que esperar durante uma hora e 35 minutos pela partida de outro trem para Bellinzona. Para passar o tempo, fomos passear com nossas malas pela monumental e majestosa estação ferroviária da maior cidade da Itália.

 

Estação ferroviária de Milão em 1930: a mesma até hoje, nada menos do que monumental.

Uma moça uniformizada dava compact discs para todos que por ali passavam. Aceitamos e guardamos o objeto. O Rubens desejava comprar o perfume Egoïste da Chanel e entrou numa loja, enquanto eu fiquei observando os seus passos através das vitrines. Ao meu lado passou um homem muito simples segurando um CD idêntico àquele que eu e Rubens ganhamos, quando ele foi interceptado por dois policiais que grosseiramente lhe perguntaram onde ele tinha comprado aquele disco. Claro que pensaram que o coitado fosse um ladrão. Muito constrangedor. Porém o homem explicou a história aos policiais e foi liberado.


Stazione Centrale da Milano.

Continuei observando o Rubens através do vidro da loja, quando parou a meu lado – e das nossas malas – um sujeito muito suspeito que mais parecia um palhaço, usando um pequeno chapéu vermelho de turista, óculos escuros, bigode, camisa estampada e espalhafatosa sobre uma cafona bermuda verde, completando a figura com tênis desbotados e meias xadrezes. Ele falou algo comigo que não entendi e nem me esforcei; ao contrário, puxei um pouco mais as malas para perto de mim e respondi-lhe em português, com a cara bem fechada: “Não falo italiano”. E olhei para o outro lado. Sabe-se lá se ele não estaria envolvido com drogas, ou querendo aplicar-me um golpe? O esquisitão ficou ali mais um pouco e então puxou da cintura uma espécie de rádio-comunicador, desses que a gente vê em filmes policiais, e começou a falar em italiano. Eu me concentrei bastante para entendê-lo: “Alô, patrulha! Não vejo o suspeito na área. Vou procurá-lo dentro da loja”. Houve uma resposta com ruídos de estática, que não entendi. Mas eu estava absolutamente pasmo: aquele palhaço era um policial disfarçado de turista. Inacreditável! Aquilo parecia um pastelão cinematográfico, uma comédia italiana, mas era a realidade que transcorria ante meus olhos e ouvidos. Madonna mia! Vi-o entrar na loja pela porta eletrônica da saída, para isso exibindo ao guardião da loja a sua credencial. Na hora anotei no meu diário de viagem a descrição das suas vestes para depois não me esquecer ou confudir. Ainda bem que o Rubens logo estava de volta com seu Egoïste.


Estação Central de Milão.

 

Na verdade, acho ótimo que haja na estação tantos policiais, e tão atentos. Que bom se fosse assim no Brasil. Porém a julgar pelo aparato, Milão está transbordando de criminosos.

Ainda viajando para Chur

De Milão viajamos de trem até Bellinzona, já na Suíça. Lá chegando, teríamos que encontrar o ônibus que nos levaria a Chur, já que entre aquelas cidades inexistem caminhos férreos. Contudo, estando já na Suíça nós sabíamos que tudo seria muito fácil para resolver. De fato, foi só sairmos da estação ferroviária e já vimos estacionado, ao lado da porta, um ônibus com a placa “Chur”. Embora raríssimas vezes tenhamos viajado de ônibus na Suíça, aprendemos que é o próprio passageiro que abre o bagageiro, acomoda sua mala e fecha aquele “porão” do veículo. O motorista examinou nosso Eurailpass e convidou-nos ao embarque.

Ônibus entre Bellinzona e Chur.

Pequena parada para observar o panorama entre Bellinzona e Chur.

Outra vez atravessamos as montanhas dos Alpes, mas desta feita as estradas eram mais retas, com curvas muito mais suaves do que aquelas que nos torturaram nas Dolomitas da Itália. Em gigantescos viadutos e em extensos túneis a rodovia transpõe os ciclópicos obstáculos alpinos. Apesar disso, ao finalmente chegarmos a Chur às 21:10 horas, eu já estava um tanto mareado. Realmente não me dou bem em ônibus. O Rubens, sorte dele, estava okay.

Pela quarta vez na Suíça, iríamos agora conhecer o seu lado leste. Chur, perto de Davos, é a cidade mais antiga do país e capital do Cantão dos Grisões, com apenas 32.000 habitantes e com a rede ferroviária para praticamente todos os lados do país... menos para Bellinoza, é óbvio. Aí iríamos conhecer “o segredo mais bem guardado da Suíça”.


CONTINUA NA

PARTE 2

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