domingo, 18 de fevereiro de 2018

OS PRIMÓRDIOS DO PETRÓLEO NO BRASIL e UMA HOMENAGEM PÓSTUMA no CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ por Francisco Souto Neto para o Portal Iza Zilli.


 PORTAL IZA ZILLI
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Iza Zilli


Comendador Francisco Souto Neto



OS PRIMÓRDIOS DO PETRÓLEO NO BRASIL
E
“UMA HOMENAGEM PÓSTUMA”
NO
CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ


Francisco Souto Neto

Dedico às minhas sobrinhas-netas
que serão a continuação das minhas memórias:
Marion Souto da Rosa Lemes
e Isabelle Edith Aguilar da Rosa

  
Arary Souto em 1951.


Na distante década de 80, meu amigo Aramis Millarch na sua coluna Tabloide do jornal O Estado do Paraná, chamou-me de guardador de memórias. Recentemente, nesta segunda década do século XXI, outro amigo jornalista, Aroldo Murá, do Diário Indústria & Comércio, repetiu as mesmas palavras ao escrever algo a meu respeito. De fato, é enorme o meu arquivo que se constitui de documentos e antigas publicações em jornais e revistas envolvendo variados assuntos. Recentemente, pondo ordem às documentações, encontrei um volume em forma de livro contendo textos inéditos, que pertenceu a meu saudoso pai, Arary Souto, com as páginas datilografadas por ele – que são cópias em papel carbono – e encadernado com uma capa impressa, na qual se lê:




CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ

1º CONGRESSO PARANAENSE DE ESCRITORES
E
1ª EXPOSIÇÃO DE ORIGINAIS, INÉDITOS E LIVROS DE AUTORES PARANAENSES
-
19 a 23 de dezembro de 1952
(CURITIBA)

INÉDITOS

Autor:
ARARY SOUTO




A capa da obra

Página com o currículo de Arary Souto,
assinada pelo próprio autor.


Arary Souto em 1957
Assinatura de Arary Souto


A primeira página do volume contém as referências ao autor Arary Souto. Essas referências foram transcritas da página 18 do jornal de cultura “Tapejara” (editado por Faris Antônio Salomão Michaeli), de Ponta Grossa, de setembro de 1952, que na ocasião iniciava, pelo meu pai, a apresentação dos intelectuais daquela cidade paranaense que faziam parte da diretoria do Centro Cultural Euclides da Cunha. A referida página está assim composta:

                                      GALERIA DE JORNALISTAS EUCLIDIANOS
                                    ARARY SOUTO

I

“Nascido a 18 de abril de 1908 em Jacareí, no Estado de São Paulo, um dos mais velhos representantes da tradicional família Salles Souto, cujo tronco é originário do famoso banqueiro português Visconde de Souto, falecido no Rio de Janeiro. Após desempenhar nos Estados de São Paulo e Mato Grosso cargos administrativos de grande relevância, inclusive os de caráter público, transportou-se para o Paraná há seis anos, tendo aqui se dedicado às lides jornalísticas.
É sócio e membro da diretoria do Centro Cultural Euclides da Cunha; do Grupo Panamericanista de Intelectuales y Artistas de Montevideo, Uruguai; da Associação de Cultura Panamericana de Buenos Aires, Argentina; da Associação Cultural Agostín Aspiazú, de La Paz, Bolívia; da Ordem de Constantino, de Londres, Inglaterra; do Instituto de Cultura Americana, Seção Brasileira, Rio de Janeiro; acadêmico “honoris-causa” da Academia de Letras de San Marino; acadêmico “honoris-causa” da Accademia Universale de Inventori e Autori de Roma, Itália; Secretário Geral da seção do Paraná do Instituto de Cultura Americana e Diretor Seccional no Paraná, da Associação Internacional de Imprensa. É também atual diretor de redação do “Jornal do Paraná”, matutino editado nesta cidade e Diretor Assistente da Companhia Impressora do Paraná, cargos que vem desempenhando com proficiência.
Segundo parecer do Dr. Henry C. Link, do Centro Psicológico de New York, é o Sr. Souto profundo conhecedor de psicologia nos seus vários aspectos, de acordo com atestado publicado há alguns anos no “Jornal do Paraná”, com apreciação do Dr. Faris Antônio S. Michaele.
Estes, em linhas gerais, os traços inconfundíveis da personalidade do nosso prezado companheiro”.

A página assim transcrita do texto redigido pelo editor do “Tapejara” contém a assinatura de Arary Souto no volume datilografado e entregue ao Centro de Letras do Paraná. Esse volume de inéditos consta de 50 páginas timbradas pelo referido Centro de Letras, nas dimensões 23 x 32 centímetros, e contém treze diferentes textos literários, envolvendo contos, crônicas e opiniões sobre variados assuntos, escritos entre os anos de 1948 e 1952.
Um dos contos chama-se “Paisagem ofuscada”:

"Paisagem ofuscada" - texto original datilografado por Arary Souto.

PAISAGEM OFUSCADA

            Quem, nas cavalgadas intermináveis pelas imensas campinas, não sentiu, nas manhãs engrinaldadas da neblina do mês de julho – quando ela, dona dos campos, não permite a intrusão do astro-rei – um frêmito estranho ao ouvir, qual fantasma, o chilrear das aves, o seu ruflar de asas, o piado tristonho da perdiz na lomba invisível, em procura do companheiro oculto nas trevas brancas? É o quadro da natureza ofuscado pelo giz da própria natureza, como a dizer ao viandante: “Predomina sobre a minha força somente os teus ouvidos. De resto, tu és infinitamente nada para me sondares. Domino campos e seres. Enxerga-os? – Não! – Eu os agasalho e não permitirei que os teus olhos se afundem na imensidão dos horizontes, em busca de cobiça. Não tens guia. És cego. Este é o meu domínio ao mais forte. Quando me retirar ficarás dono desses horizontes. Mas eu voltarei e na minha presença serás, ainda, infinitamente nada. Eu sou a névoa, sou a treva que te desnorteia! Sou mais forte que tu!”.
Arary Souto
Ponta Grossa, agosto de 1952.


Dentre estes mesmos Inéditos, em outro trecho anterior a este, de 17 de outubro de 1948, Arary Souto refere-se ao início da exploração do petróleo no Brasil em 1923, antes da criação da Petrobrás, quando a prospecção podia ser feita por pessoas físicas, e presta uma homenagem a seu pai Francisco Souto Júnior (1881-1948), engenheiro e geólogo, que realizou uma das primeiras buscas de petróleo em solo pátrio, no município paulista de São Pedro, onde existe a Rua Engenheiro Francisco Souto Júnior em homenagem à sua memória.

 O PETRÓLEO NO BRASIL
E
UMA HOMENAGEM PÓSTUMA

            Num verdadeiro impulso de brasilidade, evocando seus dias de labor, sangrando o solo de sua pátria em busca do ouro negro tão ambicionado pelos estrangeiros, lembramos aos brasileiros que se bateram pela nacionalização da indústria do petróleo em nossa terra, tão patrioticamente apoiada pelo eminente presidente da república, general Eurico Gaspar Dutra, o que foi o vulto de Francisco Souto Júnior, amigo e adepto de Monteiro Lobato, nos primórdios da exploração do petróleo no chão brasileiro. Este relato é de conhecimento de muitos patrícios que viram em Souto Júnior a encarnação da honestidade, da bondade, de amor à família e ao solo pátrio. Com sacrifício físico e monetário, esse homem dedicou sua vida aos estudos do nosso subsolo, às expensas da Companhia Petrolífera Brasileira, que infelizmente tão má orientação teve, e foi o primeiro homem no Brasil, e quiçá na América do Sul, que fez brotar a tão ambicionada nafta nas sondagens petrolíferas do bairro da Graminha, município de São Pedro, Estado de São Paulo
                Fazendo um retrospecto desse grandioso feito, voltemos ao ano de 1923 e vamos encontrar nas colunas do Jornal de São Pedro, em um número do mês de outubro daquele ano, o seguinte comentário: “Petróleo – É com grande satisfação que informamos aos nossos leitores os resultados das pesquisas do petróleo nesta última semana, a cargo do ilustre engenheiro Souto Júnior. S. s., após uma profundidade pouco superior a dezoito metros, teve a feliz oportunidade de encontrar bem sensíveis depósitos de nafta, ou petróleo bruto, tendo em seguida enviado telegrama à sede em São Paulo, comunicando essa prodigiosa descoberta, acompanhado de uma regular quantidade do precioso líquido. Hoje ou amanhã deverão chegar, de São Paulo, o exmo. dr. Baloni e demais engenheiros, intensamente empenhados nessa questão, que, parece, está francamente resolvida. Ao sr. Souto Júnior, cujo nome e esforços patrióticos, estamos certos, ficarão perenemente ligados à grandiosidade da nossa terra, enviamos destas modestas linhas as nossas mais sinceras felicitações”.
            Mais ou menos nessa ocasião o jornal O Estado de São Paulo, em manchetes, publicava tão auspiciosa notícia, tecendo comentários, os mais francos, em prol do acontecimento, com gravuras fieis, concitando o povo brasileiro, então incrédulo, a acompanhar o maior feito mineralógico em nosso solo. Em 26 de outubro de 1923, recebia o Jornal de Piracicaba prova fiel da honradez e patriotismo de Souto Júnior, pela carta que este lhe dirigiu e da qual, entre outros assuntos, dada a humildade desse baluarte, e a vicissitude que enfrentou com os maus brasileiros e a corja de sabotadores que, mancomunados, tudo fizeram para abortar o jorro do líquido negro neste chão tão maculado por indivíduos de ruim jaez. É o que transcreve aquele jornal, com o seguinte cabeçalho: O QUEROSENE EM SÃO PEDRO. E no seu singelo diapasão, declara Souto Júnior: “Sou um brasileiro que procura, por todas as formas, honrar a Pátria que lhe serviu de berço; repetindo, da significação do acontecimento, é o motivo de vir abusar de vossa bondade. Cumpre-me, também, levar ao vosso conhecimento que só agora disponho de uma máquina perfuradora, após nove anos de lutas sem tréguas, máquina esta pertencente à Companhia Petrolífera Brasileira, por cuja prosperidade, e com a maior boa vontade, tenho empregado os meus sinceros esforços, convindo notar que a referida máquina ainda não está em funcionamento. Está claro, sr. redator, que nas condições que com a máxima sinceridade acima exponho, não poderia eu descobrir os desejados ‘pools’ de petróleo, o que, aliás, não é necessário para se proclamar, alto e bom som, a existência do tão cobiçado mineral, e que provo solenemente com a oferta que faço à minha idolatrada Pátria, de uma infiltração de nafta, com pronunciamento pouco vulgar, e em perfeito estado de conservação, manifestando-se em rochas, que me autorizam afirmar sob minha palavra de honra, a existência do petróleo em nossa zona, devendo fatalmente estender-se por horizonte vastíssimo. Peço vênia para desafiar, baseando sempre no principal motivo que aqui me traz, refutando maleivosas manifestações contrárias, a contestação sensata da minha afirmativa. Por isso, sr. redator, proclamo novamente, alto e bom som, a existência de petróleo em nosso caro Brasil, penitenciando-me no Sagrado Altar da Pátria, se notabilidades no assunto me desmentirem, após as análises cuidadosas dessas ocorrências. Convém ainda notar (o que é de máxima importância) que todos os mencionados caprichos geológicos foram encontrados pelo humilde missivista, a dezoito metros de profundidade, em um poço cavado, com acompanhamento de todas as espécies de sacrifício, a picareta e explosões. Poderia ir além, se já não estivesse abusando de vossa bondade, motivo pelo qual encerro minha obscura missiva, agradecendo, mais uma vez, de todo coração, pela sua atenção. Francisco Souto Júnior”.
            Hoje, nas imediações onde Souto Júnior sacrificou uma existência, erguem-se, majestosas, as termas sulfurosas de São Pedro, fruto do seu esforço em busca do petróleo. A dois do corrente entregou sua alma ao Criador, esse brasileiro puro e imaculado. Eu não podia deixar de lhe prestar este tributo, porque, além de ter sido o meu maior amigo, ele foi, também, meu extremoso pai.          
Arary Souto.
Ponta Grossa, 17 de outubro de 1948.


Óleos sobre tela de Francisco Souto Júnior (à esquerda) e Arary Souto (à direita).

         Tenho refletido sobre a manifestação inspiradora do meu pai em relação a seu genitor, e as palavras deste último – meu avô – publicadas no Jornal de Piracicaba no dia 26 de outubro de 1923, voltadas ao desejo de beneficiar a Pátria. Esses antigos escritos passam agora por mim e alcançam minha sobrinha, a advogada e escritora Dione Mara Souto da Rosa, bisneta de Francisco Souto Júnior. E toda esta dança de quatro gerações, numa espécie de formidável mandala formada por letras, palavras e frases, nasceu do trabalho datilográfico do meu pai com a finalidade de figurar num livro de inéditos promovido em 1952 pelo Centro de Letras do Paraná, a mesma instituição cultural cujo edifício-sede abrigou a ALJA – Academia de Letras José de Alencar até ao ano de 2014, Academia da qual eu e minha sobrinha somos membros, na qualidade de sócios patronímicos. Portanto, esta mandala cósmica ou espiritual faz uma completa e mágica jornada, partindo do volume “Inéditos de Arary Souto” no Centro de Letras e dando um longo giro de translação num movimento que durou 66 anos, – de 1952 ao corrente 2018 – ao redor de algo tão poderoso e intenso que escapa à nossa capacidade de compreensão, finalmente fechando-se sobre mim e minha sobrinha ao nos reunirmos no mesmo Centro de Letras, frequentado no passado por Arary Souto.
Foi ainda no Centro de Letras do Paraná que a ALJA completou exatos três quartos de século de existência – 75 anos! – pouco antes de iniciar uma fase inteiramente nova de sua gloriosa escalada ao instalar-se, a partir de agosto de 2014, no Palacete dos Leões, pertencente ao Espaço Cultural BRDE, dando início a uma profícua parceria de cultura entre ambas as instituições em prol do Estado do Paraná.
Ao fim da minha adolescência, Arary Souto (1908-1963) nos deixou prematuramente, levado por insidiosa doença. Minha mãe Edith Barbosa Souto (1911-1997) manteve acesa a luz da memória de meu pai, simbolizada por uma fotografia dele num porta-retrato que manteve sempre ao lado de um vaso com flores frescas. A lembrança e o exemplo de ambos têm sido uma permanente fonte de inspiração, o lume que me guia e me estimula na jornada através da vida.

*

POST SCRIPTUM

          Abaixo, homenagem do radialista Aldo Mikaelli, de Ponta Grossa, a Arary Souto e Francisco Souto Neto, em antecipação das páginas do livro que deverá ser lançado neste ano de 2018, ainda inédito, que retratará os vultos históricos da cidade de Ponta Grossa:

 Arary Souto 

Francisco Souto Neto

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