---------o--------
ANATOMIA DE UMA QUEDA
(ou parafraseando Drummond)
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM DEGRAU
por Francisco Souto Neto
A história dos dois degraus
Há alguns anos antes da pandemia, ao sair do prédio onde moro, por acaso encontrei-me com um velho amigo que passava por ali, João Henrique do Amaral, um intelectual que, entre outras atribuições, foi diretor do Museu de Arte Contemporânea do Paraná. Conversa vai, conversa vem, disse-lhe onde eu estava agora residindo, no prédio às minhas costas. Ele então contou-me a seguinte história: quando era ainda garoto, ele teve um amigo que morou no mesmo edifício, e que quando pela primeira vez ele ali esteve, ao adentrar ao apartamento de imediato notou os dois degraus de mármore branco que separavam os ambientes no amplo salão. “Achei aqueles degraus a coisa mais linda do mundo”, disse-me, e ambos rimos longamente. Sem dúvida as memórias juvenis via de regra ampliam a realidade das coisas e levam-nos a fantasias.
O que jamais imaginei foi que aqueles degraus me provocariam uma
queda muito séria, como também aconteceu com alguns amigos, dentre eles – para
citar um só exemplo – o artista plástico Carlos Eduardo Zimmermann, que perdeu
a vida ao tropeçar na escada de sua casa.
Seja como for, de fato o arquiteto que criou o prédio onde resido pretendeu – e conseguiu – torná-lo inovador sob vários aspectos, um dos quais com aqueles desnecessários degraus no meio da sala, colocados em todos os andares como detalhe de elegância ou de originalidade.
Por uma questão talvez de instinto, eu sempre tive em algum ponto de minha consciência o alerta de que degraus no meio do caminho podem ser traiçoeiras armadilhas, principalmente para idosos.
Quero acrescentar que, tal como ocorreu com o citado João Henrique do Amaral, eu também conhecia desde minha juventude a sala do apartamento onde atualmente resido, pelo seguinte motivo: quando eu com minha família morávamos em Ponta Grossa, meu pai era amigo, companheiro de caçadas e confrade no Rotary Club, de João Vargas de Oliveira, que fora prefeito daquela cidade, enquanto minha mãe era amiga de Dª Argentina, esposa do Sr. João Vargas, ambas voluntárias da Rede Feminina de Combate ao Câncer e frequentavam-se para tomar chá e jogar buraco. Eu e o filho caçula do casal, Joãozinho, éramos melhores amigos. Quando João Vargas de Oliveira foi eleito deputado estadual, ele e sua família mudaram-se para Curitiba, onde passaram a residir no 4º andar do prédio de que trato neste artigo, e nas ocasiões em que eu vim a passeio à capital do Paraná, visitava Joãozinho. Naquele tempo nunca imaginei que no futuro eu moraria no mesmo edifício.
O envelhecimento
Anos atrás, aqui em Curitiba, eu morava com minha mãe no Centro Cívico, num apartamento espaçoso e confortável. Depois do seu falecimento em 1997, permaneci no imóvel. Eu já estava perto dos 60 anos. Ao avançar na idade, soube de uma tragédia que ocorreu com a mãe idosa de uma querida amiga. Aquela velha senhora, que era muito independente e morava sozinha em Santos, sofreu um mal súbito, talvez um AVC, quando tomava banho. E ela ficou durante dois dias caída sob o chuveiro aberto, quando amigos ou parentes estranharam que ela não atendesse ao telefone e arrombaram a porta do apartamento. Resgataram-na ainda viva, foi hospitalizada, mas infelizmente não resistiu.
Pensando em casos análogos, resolvi tomar certos cuidados. Ainda no Centro Cívico, um velho amigo, Rubens Faria Gonçalves, residia uns andares acima do meu apartamento. Ele também morava sozinho e tínhamos apenas dois anos de diferença em nossas idades. Combinamos então que ele ficaria com uma cópia da minha chave, e eu com uma cópia da sua, para o caso de que pudéssemos precisar de socorro em alguma eventualidade... e isto aconteceu: certo dia senti-me mal subitamente, a visão turvou, e antes de cair fui ao telefone e pedi socorro ao Rubens. Pensei que eu poderia estar morrendo. Um alívio que ele estivesse em casa. Sei que meu amigo nem pegou o elevador, desceu correndo as escadas do prédio, abriu a porta do meu apartamento e socorreu-me. A ambulância chegou logo e o médico diagnosticou queda de pressão arterial.
A ideia de compartilhar um imóvel
Alguns anos depois, mais velhos, eu e Rubens pensamos que poderia ser bom se cada um de nós comprasse uma casa com jardim num condomínio fechado para idosos e que nossas propriedades fossem vizinhas, de maneira que pudéssemos cuidar um do outro ao avançarmos no tempo. Bons condomínios com essas características existem em Curitiba, porém são muito isolados e distantes. Desistimos da ideia, porque ambos preferíamos viver num local mais cosmopolita, até que, casualmente ao passar em frente ao prédio que tem os tais degraus na sala, vi que ali havia dois apartamentos à venda.
Daí, conversando com Rubens Gonçalves, percebemos que o imóvel era
grande o suficiente para que pudéssemos ficar isolados em quartos próprios, cada um de nós com seu próprio banheiro, ao
passo que compartilharíamos os espaços sociais e a área de serviço bem grande e
que compõe copa, cozinha, lavanderia, despensa (que apelidei de “quarto de
despejo”), espaçoso quarto de empregada (que chamamos de despensa) e ainda até um
banheiro de empregada.
Compramos um dos apartamentos após quase um ano de negociações, assim concretizando nossos planos.
A queda
Tudo ocorreu num lapso de segundo: subi o primeiro degrau com o pé direito e ao subir o segundo, meu chinelo escorregou uns centímetros e sua ponta encontrou o obstáculo do segundo degrau... que me fez cair esticado, de frente, como cai um poste.
Ao bater meu corpo no piso, senti uma dor lancinante no ombro esquerdo, tão aguda que instintivamente percebi: “fraturei”! Com o braço direito desvirei-me, porém a dor tornou-se tão intensa que a partir daquele momento não consegui mover mais nenhuma parte do corpo, nem um centímetro sequer. Gritei por socorro. Rubens, que estava na sala do home theater que fica ao lado, correu para ver o que me afligia. Eu ainda não sabia que não ocorrera uma única fratura no ombro, mas três delas!
Eram mais ou menos as 16:30 horas. Rubens ligou para a Ecco Salva que o orientou: “Não toque no cidadão acidentado, deixe-o no chão tal como se encontra e cubra-o com uma manta. Nós estaremos aí rapidamente”. De fato meu corpo inteiro parecia dolorido e eu tremia de frio, embora estivéssemos no calor de uma tarde ensolarada do “veranico curitibano”. Meu amigo comunicou-se com a eficientíssima portaria do prédio, pedindo que encaminhasse o socorro ao nosso apartamento assim que chegasse.
O socorro da Ecco Salva
Olhando o movimento da rua pela vidraça da sala, Rubens logo aquietou-me: “A ambulância está chegando”. Vieram socorrer-me a médica Drª Joyce Machado de Souza e sua equipe composta de dois enfermeiros: uma moça e um homem.
Percebendo que eu padecia de dor imensa, medicaram-me com uma injeção de Tramadol e tiveram muita habilidade para conseguir sentar-me no chão. Vi que o enfermeiro rasgou um tecido branco, com ele improvisando uma tipoia que serviu para apoiar meu braço e imobilizar o ombro, e assim levaram-me à ambulância acompanhado do meu amigo Rubens.
Pedi ao casal de enfermeiros que me informassem seus nomes, mas infelizmente perdi o papel com a anotação. Entretanto, o nome da médica ficou registrado na Ficha de Atendimento pré-hospitalar 177, de 17.5.2024, Unidade 171, suficiente para a Ecco Salva identificar os profissionais e assim registrar meus elogios e agradecimentos à equipe.
Hospital Vita Batel
O hospital mais próximo com disponibilidade para a emergência foi o Vita
Batel, para onde fui levado. Lá chegando, a equipe da Ecco Salva conduziu-me
até ao jovem Dr. Gabriel Mattheus Bernardi. Tanto o médico quanto as
enfermeiras que lá estavam, surpreenderam-me pela atenção e providências.
Todos, até o encarregado de efetuar as radiografias, demonstraram alto nível de
empatia e profissionalismo.
Radiografias foram feitas para que o médico ortopedista pudesse avaliar a complexidade da fratura. Ao final de todos os exames, Dr. Bernardi deu-me saber que não se tratava de uma só fratura, mas de três delas no úmero proximal que compõe o ombro. Ao mesmo tempo, explicou-me o seguinte: como já era noite de sexta-feira, eu seria atendido somente às 9 horas da próxima segunda-feira no Instituto de Joelho e Ombro, assegurando-me que eu não precisaria de nenhuma confirmação e que, sem qualquer dúvida, um médico especialista muito respeitado estaria à minha espera, o Dr. Alaor Brenner Neto. Para eu suportar a dor até lá, receitou-me três medicamentos, um deles com um componente de morfina.
Voltando do Hospital Vita para casa
Doía-me o corpo todo. Os sedativos não eliminavam a dor, mas foram um lenitivo que valeu também para remediar o estado de espírito, isto é, a autoestima.
Nas duas noites seguintes ao trauma comecei a compreender as dificuldades de ter um braço imobilizado, de precisar conviver com a dor e de ser condescendente com as próprias limitações para realizar as tarefas mais simplórias como, por exemplo, lavar um prato ou vestir uma camisa. Felizmente meu amigo Rubens esteve sempre atento e pronto para ajudar-me em tudo.
Como nossos quartos são lado a lado no corredor dos dormitórios do apartamento, dormimos ambos com as portas abertas, para eu chamá-lo caso não conseguisse levantar-me da cama.
Foram dois dias de provação e também da constatação do quanto nós, humanos, somos frágeis e imperfeitos, e de quão comprometedora pode ser a condição física dos idosos – para não dizer de nós octogenários.
O Instituto de Joelho e Ombro
Tal como disse há pouco, o Hospital Vita enviou as minhas radiografias diretamente ao Instituto de Joelho e Ombro, para o Dr. Alaor Brenner Neto, especialista nas características das minhas fraturas, e ele estava à minha espera na hora agendada. Eu encontrava-me preocupadíssimo com a possibilidade de precisar operar o úmero para a colocação de pinos, porque tenho muito medo da anestesia geral, algo sempre atemorizante para pacientes da minha idade. O médico disse-me que em princípio a cirurgia poderia ser evitada, a depender de novos exames e da minha obediência a algumas regras de vital importância. A mais importante delas: “Não levante o braço em nenhuma hipótese, pois isso poderá afetar o trauma e tornar a cirurgia inevitável”. Para avaliar com exatidão as fraturas, o médico pediu-me fazer uma tomografia, o que providenciei na excelente Radioclínica, cujo resultado levei ao Dr. Alaor, que confirmou: o braço propriamente dito, que consiste do úmero e se estende do ombro ao cotovelo, não poderia ser afastado do corpo durante 45 dias, tempo necessário para a calcificação consolidar-se.
Como a região do úmero proximal não pode ser engessada, por recomendação
do Dr. Gabriel Bernardi comprei na Loja Vitória Régia uma “tipoia canadense
de lona”.
Somente quem já passou pela experiência de viver durante algumas semanas com o braço imobilizado sabe como o dia-a-dia torna-se complicadíssimo. Embora as fraturas tenham ocorrido na parte mais alta do úmero, o antebraço e a mão também ficam comprometidos não apenas pela dor e inchaço, mas porque o cotovelo e o pulso tornam-se sensíveis e doloridos a qualquer tentativa de articulá-los. Os dedos não podiam fechar devido ao edema e não suportavam o peso nem de um copo d’água, porque a dor parecia provocar algo semelhante a um tipo de choque elétrico que se estendia desde a mão até ao ombro.
Uma das raríssimas visitas que recebi durante esse período, foi do
“Colono Social” ou "Operário da Cultura" – como ele com criatividade se autodenomina – meu velho amigo
Edson Busch Machado (irmão do artista plástico Juarez Machado) que veio com sua
esposa Eula Regina Maciel trazer-me o livro de sua autoria, “Quem tem Medo da
Cultura?”, no qual sou por ele citado.
Dois dias antes de passados os 45 dias, fiz novas radiografias e levei-as ao médico ortopedista, o Dr. Alaor Brenner Neto. Ele examinou-as e cumprimentou-me, dizendo-me que a calcificação ocorrera corretamente e que a “tipoia canadense de lona” deveria ser dispensada a partir daquele momento, e que eu deveria começar o mais rápido possível as indispensáveis sessões de fisioterapia.
Uma rápida observação sobre a RDI - Radioclínica
Em se tratando de uma clínica de diagnóstico por imagem, quero fazer breve menção à RDI - Radioclínica, à qual me referi um pouco acima, instalada a 300 metros de minha residência. Já fui ali atendido por incontáveis vezes, mas neste episódio da fratura em meu ombro, gostaria de mencionar os nomes dos atendentes Ilma, Daiana e Tiago, e da técnica Michelle, que ali trabalham com exemplar atenção a todos aqueles que recorrem à RDI. Sempre seus funcionários e técnicos mostram-se atenciosos e solícitos. As moças, maciça maioria do quadro funcional, atuam exemplarmente em suas funções.
Um empecilho no IJO
Embora o Instituto de Joelho e Ombro tenha uma das equipes mais gabaritadas de fisioterapeutas de Curitiba, sua localização é no bairro Seminário, muito distante de minha residência e, além disso, não aceita pagamento em cheque, nem com cartão de débito. O tal “pix” e dinheiro em espécie, isto é, “cash”, são as formas de pagamento aceitas pelo Instituto. Eu não uso telefone celular porque não gosto; portanto, não tenho acesso ao “pix”. Em razão disto, consultei formalmente a diretoria do IJO sobre a possibilidade de receber meus cheques (já que ali o meu plano de saúde não é aceito) e dei-lhes o telefone da minha gerente do Banco onde tenho conta, para assegurar-lhe a confiabilidade dessa conta que abri há 49 anos. Afinal, uma conta corrente prestes a ter meio século de existência deveria ser confiável por si mesma. Como não recebi resposta, percebi que o IJO não tem exatamente uma diretoria (pois não há referência a diretores no site do Instituto) e que este é administrado pela senhora Elisângela Ongaro, a quem redirecionei meu pedido. Imaginei que a resposta poderia ser negativa, o que seria compreensível por uma questão de norma interna... Neste caso, é claro que eu receberia uma negativa com naturalidade, pois assim é entre pessoas civilizadas, e levaria no bolso o dinheiro das futuras consultas; entretanto, jamais recebi uma resposta de Dª Elisângela. Não gostei disso.
O que me decepcionou foi o silêncio do IJO, porque empresas bem organizadas não deveriam cometer a indelicadeza de ignorar uma consulta feita em tom cortês, por cidadão ou paciente habituado à boa educação.
Felizmente o meu médico – o citado Dr. Alaor – também atende no Hospital São Vicente, localizado a somente uns 100 metros ou menos de minha residência, o que é muito mais cômodo, pois posso alcançá-lo à distância de apenas alguns passos. Além disso, esse hospital aceita o meu plano de saúde. Então, nada a reclamar, pois continuo sob os cuidados do mesmo excelente médico.
Fisioterapia na CLINIMED
Em 9 de julho de 2024, 53 dias após o trauma das fraturas, tive a minha primeira sessão de fisioterapia na CLINIMED – Clínica de Medicina Física e Reabilitação do Paraná, na Rua Emiliano Perneta, a não mais que uns 250 metros de minha residência, o que me permite fazer o percurso a pé. E acrescento um indício de bom agouro: o nome da rua faz-me lembrar da cadeira patronímica nº 26 que eu ocupo na Academia de Letras José de Alencar, do grande poeta curitibano Emiliano Perneta. Além disso, a CLINIMED aceita pacientes do meu plano de saúde. A proprietária da clínica é a Srª Rosângela Grigoli. São duas as fisioterapeutas que atendem no local, as jovens Srª Sofia Bechara Bark e Srª Karla Fideles. Fui designado para receber o tratamento fisioterápico da primeira citada, Sofia, uma excelente profissional que está conseguindo devolver os movimentos ao meu braço que sofreu o trauma, mas sei que sua colega Karla também atende seus pacientes com idêntica atenção e competência.
Devo registrar o seguinte fato para o leitor que desejar detalhes sobre
o estado físico de quem passa quase dois meses com o braço imobilizado por
fraturas múltiplas no úmero proximal: ao deixar a tipoia, o braço, antebraço e
mão ficam enrijecidos e inchados. A dor no local das fraturas – o ombro – expande-se
por onde não houve qualquer trauma: cotovelo, pulso e dedos. O braço inteiro,
do ombro aos dedos, torna-se “duro” devido à prolongada imobilidade, com
regiões “empedradas”. A mão, lá na ponta aberta da tipoia, não suporta nem o
peso de um copo d’água. Os dedos, avolumados pelo edema, não conseguem articular para fecharem-se.
Os exercícios na clínica são obviamente dolorosos, mas costumo dizer: esta é uma dor benfazeja, porque visa à superação da imobilidade, isto é, tem por objetivo devolver a funcionalidade ao membro afetado. Além disso, Dª Sofia recomenda algumas “lições de casa”. Esses exercícios vão devolvendo os movimentos que, pelo esforço, são reconquistados centímetro a centímetro.
Dentro de alguns meses, possivelmente no começo do próximo ano de 2025, poderei voltar a dirigir meu carro. E estarei livre para poder tornar a passear em países do Hemisfério Norte, com a certeza de que meu braço esquerdo estará apto a permitir-me acomodar minha bagagem de mão no bagageiro dos aviões e dos trens europeus, dentre tantas outras ações semelhantes.
Ao encerrar, deixo aqui meus agradecimentos aos excelentes profissionais que me ajudaram, e ajudam ainda, a voltar às minhas atividades normais. Ao mencionar seus nomes nestes registros, rendo-lhes minha estima e sinceras homenagens.
-o-
Nenhum comentário:
Postar um comentário