segunda-feira, 28 de março de 2016

"O INCRÍVEL CEMITÉRIO PÈRE-LACHAISE (PARIS)" do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Victor Noir no Cemitério Père-Lachaise em Paris.

Iza Zilli


Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

O incrível cemitério Père-Lachaise (Paris)
Por Francisco Souto Neto

Prólogo: cemitérios paulistas e cariocas

     Houve um tempo, talvez até ao começo da segunda metade do século XX, em que no Brasil os cemitérios paulistas e cariocas atraíam as pessoas que costumavam ir ver as extraordinárias obras de arte neles existentes. Depois, com o aumento da pobreza no país e o consequente avanço da violência urbana, os túmulos começaram a ser vandalizados. Primeiro, os ladrões subtraíam as esculturas, e mais tarde tudo o que fosse de bronze, das portas e floreiras às simples maçanetas das capelas, sem que as administrações conseguissem conter os furtos crescentes. 

     Atualmente, cemitérios de grande beleza como a Necrópole São Paulo e o Cemitério da Consolação, chegaram ao cúmulo de serem frequentados por marginais que assaltam as pessoas que vão levar flores à memória dos seus entes queridos. Conheço muito bem essa situação, porque tenho familiares lá sepultados.

     No Rio de Janeiro a situação é mais grave. No Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, onde estão sepultados meus trisavós António José Alves Souto, o Visconde de Souto (1813-1880) e Maria Jacintha de Freitas Souto, a Viscondessa de Souto (1819-1885), os túmulos têm sido sistematicamente depredados por vândalos da favela vizinha, da qual o setor histórico da necrópole – que envolve os setores 1 e 2 – é separado por um simples muro de contenção. Pobre e violento Brasil!

Isso certamente jamais aconteceria nos países que alcançaram alto grau de civilidade. Na Europa, visitas a cemitérios são muito naturais. Turistas procuram conhecer as necrópoles europeias por diversos motivos, sobretudo, digamos, movidos pela curiosidade cultural.

     Sempre que passo alguns dias numa cidade da Europa, costumo visitar seus cemitérios, e as lições apreendidas são invariavelmente surpreendentes. Conheço dezenas de cemitérios de diversos países do Velho Continente. Hoje vou referir-me à mais interessante das necrópoles de Paris: o Cemitério Père-Lachaise.

O cemitério Père-Lachaise

     No ano de 2001 estive em Paris com meu companheiro de muitas viagens, Rubens Faria Gonçalves, quando fizemos uma visita por toda a tarde ao Cemitério Père-Lachaise, cujas sepulturas famosas e marcantes esculturas funerárias tornaram-no um lugar agradável para um passeio sereno e nostálgico. Ali estão inumadas celebridades de várias épocas, que vão de Abelardo e Heloísa, e de Chopin, a Oscar Wilde e Jim Morrison.

FOTO 1 – Rubens Gonçalves na entrada principal do Cemitério Père-Lachaise de Paris.

     De posse de detalhado mapa que compramos à entrada do Père-Lachaise, começamos a visitar alguns dos túmulos. Nem sempre é fácil localizá-los, porque pode acontecer de não estarem nas ruas principais, mas dentro de pequenos labirintos e becos. Um dos primeiros que encontramos, foi o do compositor Bizet, que nos remeteu a uma das mais famosas árias da sua ópera “Carmen”: “Près des ramparts de Seville, chez mon ami Lilas Patia”...

FOTO 2 – Souto Neto na sepultura de Bizet.

     Um dos túmulos mais comoventes, talvez pela simplicidade, é o do casal Yves Montand e Simone Signoret, ambos expoentes da dramaturgia e do cinema francês. Sobre esse túmulo, os fãs deixaram algumas mensagens gravadas em pequenas placas de mármore ou granito, que ficam ali sem estar fixadas à campa, mas que são respeitadas pelos visitantes que jamais as retiram de onde se encontram. Uma delas diz simplesmente: “A vous deux que j'ai tant aimeé” (“A vocês dois que eu tanto amei”).

FOTO 3 – Sepultura dos atores Simone Signoret e Yves Montand.

FOTO 4 – Tumba rústica de Allan Kardek.

     O túmulo mais florido de todo o cemitério é o de Allan Kardek, onde jaz o fundador da doutrina espírita. O mais feio que visitamos, ao menos na minha opinião, é o de Sarah Bernhardt, grande diva do teatro. Curioso é que o de Oscar Wilde, poeta inglês, encimado por estátua art-nouveau de um anjo alado. Digo que é curioso porque a fachada do túmulo está repleta de beijos com batom. Pelo que li, batom sobre granito fosco torna-se quase indelével e seu desgaste pelas intempéries poderá demorar muitos anos.

FOTO 5 – Beijos de batom no túmulo de Oscar Wilde.

      Melancólico é o túmulo de Madame Lamboukas, conhecida como Edith Piaf, “o pequeno pardal” da música francesa. O mais polêmico é o de Victor Noir, jornalista do século XIX, morto a tiros aos 22 anos pelo príncipe Pierre Bonaparte, primo de Napoleão III. Sobre tal túmulo está a figura em bronze do jovem morto, que jaz virado para cima, elegantemente trajado com sobretudo, e belas botas. Ao lado vê-se sua cartola caída – tudo, é claro, em bronze. Dizem que Victor Noir estimula a fertilidade. Há três locais da estátua que estão com o bronze polido de tanto serem tocados por mãos femininas: as pontas das botas, os órgãos genitais e os lábios. Segundo consta, há mulher que chega ao extremo de se deitar sobre a figura, na esperança de engravidar (sic). O desgaste nos lábios, comenta-se em voz baixa, pode ser de tantos beijos ali depositados... Coisa de gente excêntrica ou, ao que parece, de muito bom-humor.

FOTO 6 – Uma turista no túmulo de Victor Noir.

Modigliani e Jeanne Hébuterne

     O túmulo que meu amigo Rubens mais desejava visitar, e por coincidência também eu, era o de Amédeo Modigliani, seu – e igualmente meu – pintor predileto. Italiano que morava em Paris, Modigliani morreu de pneumonia aos 36 anos de idade, quando apenas começava a conhecer a fama. Os seus retratos com figuras de longos pescoços são belíssimos. Ele era casado com a jovem francesa Jeanne Hébuterne, por ele muitas vezes retratada. Para mim, a jovem e apaixonada Hébuterne é uma das figuras mais comoventes da História da Pintura.

FOTO 7 – Retrato de Jeanne Hébuterne feito por Modigliani.

      Acrescente-se que ela, não suportando a morte do marido, suicidou-se no dia seguinte, aos 22 anos, atirando-se da sacada do 5º andar do prédio onde moravam. Eu, que sempre me perguntei onde estaria ela sepultada, descobri naquela tarde que Jeanne Hébuterne e Modigliani estão juntos na mesma sepultura. Na campa, abaixo do nome do pintor, consta o dela: “Jeanne Hébuterne, di Amédeu Modigliani compagna devota fino all estremo sacrifizio” (“...de Amadeu Modigliani a companheira devota até ao extremo sacrifício”).

FOTO 8 – Túmulo de Modigliani e Jeanne Hébuterne.

FOTO 9 – Elevados como se fossem duas piras, os túmulos de La Fontaine e Molière.

     Foram centenas os jazigos que admiramos, dentre os quais o do poeta e fabulista La Fontaine, ao lado do dramaturgo Molière.

     O último a visitarmos, talvez o mais belo de todo o cemitério, com delicadas colunas e ogivas góticas, foi o de Abelardo e Heloísa. Teólogo e filósofo, Abelardo amava Heloísa, sobrinha do cônego Fulbert que, contrário ao romance, mandou castrá-lo. As cartas trocadas entre os amantes é uma das mais belas obras literárias da Idade Média. O casal pôde ser unido somente na morte, no Cemitério Père Lachaise.

FOTO 10 – Belíssima tumba de Abelardo e Heloísa.

     Vale registrar que também visitamos o Columbarium, muito bonito e em grande parte subterrâneo. Ali estão guardadas as cinzas dos que foram cremados. Localizamos o lóculo da dançarina Isadora Duncan, morta num acidente de carro, estrangulada por sua écharpe, e também o de Maria Callas, grande diva da ópera. A placa com o nome desta última, foi colocada por um fã-clube e não pelos familiares, que a detestavam, porque a Callas, a mais famosa soprano de todos os tempos, não dava a mínima importância a seus familiares, nem mesmo à própria mãe.

     Ao deixarmos o cemitério, fizemos de conta que os espíritos daqueles cujos túmulos visitamos, acompanharam-nos festivamente até ao portão.

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OBSERVAÇÃO:

     As fotografias acima, de 1 a 10, foram tiradas por Francisco Souto Neto e Rubens Faria Gonçalves no Cemitério Père-Lachaise. Adiante, outras dez fotos curiosas e atrevidas de manifestações sobre o túmulo de VICTOR NOIR encontradas na internet:


FOTO 11 – Túmulo de Victor Noir

FOTO 12 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 13 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir


FOTO 14 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 15 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir


FOTO 16 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 17 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 18 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 19 – Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

FOTO 20 – Os lábios desgastados pelo excesso de beijos. Será que Victor Noir jamais conseguirá descansar em paz?

O FILME

Um filme de apenas 7 minutos enviado ao YouTube em 2008 por Rubens Faria Gonçalves, registra o seu passeio com Francisco Souto Neto entre os túmulos do Cemitério Père-Lachaise, neste link:


O MAPA

Mapa parcial do "Cimetière du Père-Lachaise"

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4 comentários:

  1. Querido e nobre amigo, realmente admiro o valor que você confere as artes! Uma vez, na minha adolescência, pude admirar as fotos deste histórico cemitério e te confesso: fiquei encantada! Hoje voltei a ver esta parte da minha vida e pensei: como são raras as pessoas com tão alto nivel cultural como você! Continue a nos encantar com esta sua verve, além das belíssimas fotos! Um grande abraço!

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    1. Querida amiga Dallwa, obrigado por essas palavras! A verdade é que você é muito generosa ao se referir aos meus escritos. Mas de qualquer modo, faz com que eu me sinta estimulado a prosseguir escrevendo. Um beijo.

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    1. (OBSERVAÇÃO: Ops, verifiquei que a mensagem foi automaticamente removida porque estava em duplicata com a original acima)

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