quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

"BERNINI, O MAIS EXTRAORDINÁRIO ESCULTOR DA ITÁLIA", coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

O baldaquino de Bernini na Basílica de São Pedro em Roma.

Iza Zilli

Portal Iza Zilli de 5.2.2016

Endereço do PORTAL IZA ZILLI:

http://www.izazilli.com/2016/02/05/bernini-o-mais-extraordinario-escultor-da-italia/ 


Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

BERNINI, O MAIS EXTRAORDINÁRIO ESCULTOR DA ITÁLIA
por Francisco Souto Neto

“Mais extraordinário do que Michelangelo?”, poderia alguém perguntar-me. Eu responderia que a questão pode ser polêmica, mas que para mim, subjetivamente, Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) é o mais interessante escultor de todos os tempos. Quem conhece Roma jamais terá deixado de parar para admirar alguma – qualquer uma – escultura em mármore da autoria de Bernini, mesmo sem saber o nome do autor. Quem nunca fez isso não é gente, é um vegetal.

Bernini nasceu em Nápoles, mas ainda menino mudou-se com a família para Roma. Ele não foi um gigante apenas na escultura. Como arquiteto, é o autor tanto de fachadas de admiráveis igrejas renascentistas de Roma, quanto do traçado de muitas outras reformadas ou aumentadas por ordem de poderosos papas. Bem a propósito, Bernini serviu a oito diferentes papas. Ele foi também paisagista, pintor, desenhista e cenógrafo de assombroso mérito. Em outras palavras, um dos raros gênios que vieram para enriquecer a História da Arte.

Com apenas 25 anos ele já era o artista predileto do Papa Urbano VIII, que lhe encomendou várias estátuas e fachadas de igrejas. Em 1624 esse Papa entregou a ele a hercúlea tarefa de criar um baldaquino para a Basílica de São Pedro que cobrisse todo o altar, e o resultado, com suas quatro colunas espiraladas, tornou-se um símbolo de gigantesco poder e beleza, que hoje todos conhecemos tão bem.

O baldaquino da Basílica de São Pedro em Roma.

Mas as esculturas, principalmente no mármore, são para mim as mais impressionantes criações de Bernini. Elas estão em Roma por toda parte: nas ruas, em praças, pontes, e também nos interior de museus, de palácios, de igrejas. Vou fazer breves comentários de apenas algumas delas, as minhas prediletas, ou por serem belíssimas, ou polêmicas, ou até mesmo engraçadas... pois Bernini tudo podia, até mostrar bom-humor nos seus mármores esculpidos.

Quem esteve em Roma ainda que apenas uma vez, é provável que tenha atravessado a pé a Ponte Sant’Angelo, a mesma que fica em frente ao Castel Sant’Angelo, que através dos curtos 500 metros da Via Della Conciliazione alcança-se o portão do Vaticano: a Praça de São Pedro. Na Idade Média, essa ponte teve grande importância por ser o único meio possível e controlado da passagem de peregrinos em direção à Basílica de São Pedro. O próprio Dante, em “A Divina Comédia”, se refere a essa ponte no capítulo XVIII, “Inferno”, versículos 25-33
.
Bernini foi contratado em 1667 pelo Papa Clemente IX para esculpir 10 estátuas de anjos evocando a Paixão de Cristo, referências à Via Dolorosa de Jerusalém. Duas estátuas foram feitas pelo próprio Bernini, e as demais pelos seus discípulos sob sua orientação. Bernini concebeu os anjos segurando objetos da crucificação. Assim, um deles segura o manto e os dados, outro mostra os pregos da cruz, outro tem a esponja donde escorre o vinagre amargo, outro está com a lança que ferirá o coração de Jesus, e assim por diante.


Perspectiva da Ponte Sant'Angelo com os anjos nos pedestais.


O anjo com a lança que fere o coração de Jesus.

O anjo mostra os pregos da cruz.

Detalhe do anjo segurando os pregos da cruz.

Uma estátua “engraçada” desenhada por Bernini, é aquela que lhe foi encomendada pelo Papa Alexandre VIII: um elefante em mármore que suportasse nas costas um antiquíssimo obelisco egípcio, para ser colocado na Piazza della Minerva, em frente à famosa igreja de Santa Maria Sopra Minerva. Mas Bernini concebeu um elefante pequeno, “troncudo”, com olhos humanos, sorriso maroto e uma tromba que é nitidamente irreal. Essa escultura é mais do que apenas um gracejo de Bernini. É que a base da Inquisição em Roma – o tenebroso Santo Ofício – funcionava na mesma praça, ao lado da igreja, e é o local onde foi realizado o julgamento e a negação de Galileu Galilei. Era o reduto dos dominicanos, que odiavam os hereges e principalmente as pobres mulheres que acreditavam ser bruxas, os quais condenavam à morte na fogueira. Essa fúria rendeu-lhes o apelido de Domini Canes (Cães do Senhor). Segundo alguns estudiosos de Bernini, o propósito do famoso escultor com seu elefante foi zombar daqueles religiosos fanáticos e do Santo Ofício, que tanto mal causaram à Humanidade.


O elefante de Benini em frente à Igreja de Santa Maria Sopra Minerva.

O elefante com olhos humanos e uma tromba imaginativa.

O sorriso zombeteiro do elefante.

Francisco Souto Neto em frente ao elefante de Bernini, para dar uma impressão mais exata das suas dimensões. O frade, à esquerda, está onde deve ter sido a entrada para os tenebrosos julgamentos do Santo Ofício. Por ali terão passado Galileu Galilei e o pobre Giordano Bruno para ser condenado à morte na fogueira.

No meu filme abaixo, de apenas dois minutos, aparecem os anjos de Bernini na Ponte de Sant’Angelo:

Vou me referir, se possível em poucas palavras, a mais duas estátuas polêmicas de Bernini. A primeira é “O Êxtase de Santa Teresa”, que se encontra na igreja romana de Santa Maria Della Vitoria, representando “a transverberação”, isto é, a experiência mística de Teresa de Ávila.
Um anjo de sorriso maroto está prestes a trespassar o coração da santa com uma “flecha de amor divino”, enquanto esta revira os olhos como se estremecesse de êxtase e dor. Nas paredes laterais há dois balcões onde pessoas esculpidas em mármore olham para a cena e a comentam entre si. Essas estátuas são do cardeal Cornaro (quem encomendou o conjunto escultórico a Bernini) e membros da sua família.

A capela “O Êxtase de Santa Teresa”. Observar que nas duas paredes laterais há camarotes, onde pessoas de mármore olham a cena central como se estivessem num teatro.

O anjo abre a blusa da santa para trespassar seu peito com a “seta do amor divino”.

Conforme entendem vários críticos, o anjo tem um sorriso terno e maroto.

A expressão da santa tomada pelo êxtase de ter o peito trespassado.

No balcão, o Cardeal Cornaro observa e comenta com seus familiares o êxtase da santa.

A segunda estátua a que me refiro chama-se “Êxtase da beata Ludovica Albertoni”, e está na igreja de San Francesco a Ripa, em Roma. Alguns críticos de arte costumam dizer que tal êxtase é tão realista que extrapola o divino e que chega a parecer orgásmico.

O êxtase da beata Ludovica Albertoni.

Há dezenas de outras estátuas de Bernini tão ou até mais importantes do que as poucas que aqui comentei superficialmente. Não é difícil perceber que para explicar a obra de Bernini, um livro inteiro talvez ainda seja pouco.

Em 1999, passeando por Roma à noite, casualmente passei pela casa onde viveu e morreu Bernini, e fiz esta curta cena de menos de dois minutos:

https://www.youtube.com/watch?v=Jd5G3oQgCwA

Encerro este artigo com três autorretratos de Bernini em três momentos de sua vida: na juventude, na idade madura e na velhice:

Três autorretratos de Bernini em épocas bem diferentes.

-o-

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