quinta-feira, 25 de março de 2021

MARÇO DE 2021: UM ANO DE PANDEMIA, MORTES, ESCASSEZ DE VACINAS, E EXCESSOS E FALTAS DE BOLSONARO. Por Francisco Souto Neto.

 

 
O Brasil é o país em 1º lugar no mundo em número de casos de covid
 e em número de mortes pela doença. Brasil, pária do mundo.

 

Comendador Francisco Souto Neto

 

---------o----------

 

MARÇO DE 2021:

UM ANO DE PANDEMIA, MORTES, ESCASSEZ DE VACINAS, E EXCESSOS E FALTAS DE BOLSONARO.

 

Francisco Souto Neto

 

Hoje, 23 de março de 2021, liguei o televisor para assistir ao Jornal Nacional, e encontrei o presidente Bolsonaro proferindo um discurso. Imediatamente ouvi, aqui do andar alto onde vivo, um forte "panelaço" vindo do centro da capital e do bairro do Batel. A seguir, o que escutei desse homem, ressoou como um tapa na minha cara. Disse ele, descaradamente, que desde os primeiros meses do ano passado vem se empenhando em comprar vacinas para imunizar a população brasileira. Sinto-me agredido ao ouvir tamanhas mentiras e intuir que há muitos brasileiros que acreditam, ou que fazem de conta que acreditam, nas gazopas que esse desclassificado tem a ousadia que proferir. Sim, hoje estamos começando a ser vacinados, apesar de Bolsonaro que sempre se insurgiu para desmerecer a vacinação e os laboratórios que estão nos socorrendo, associado ao seu negacionismo à ciência e a todos os artifícios que ele e seus filhos têm usado para influenciar as populações brasileiras a não usarem máscaras na proteção contra a pandemia, e para tentar fazer com que todos tomem medicamentos não recomendados por autoridades médicas do mundo inteiro.

Jair Bolsonaro.

Neste horrível momento da nossa História, o Brasil, dentre todas as nações do planeta, ocupa o 1º lugar em número de habitantes infectados pela covid, e em número de mortos diários.

Hoje o nosso país pela primeira vez registrou mais de 3 mil mortes por covid em 24 horas. O total de mortes no país acaba de ultrapassar 300.000. Nas últimas 24 horas, 84.996 novos casos foram confirmados. O total de diagnósticos passou de 12.136.615. Com isso, a média de casos bateu recorde. Esses números são escabrosos, catastróficos, monstruosos.

Média móvel de 76.730 casos de covid por dia.


Média móvel de 2.276 mortes por dia no Brasil.

Uma amiga, muito recentemente, escreveu-me dizendo que pessoas desinformadas estão querendo atribuir ao presidente uma culpa que não cabe a ele, porque – segundo opinião dela – os culpados pelas contaminações seriam os próprios brasileiros que não usam máscara e se aglomeram em bailes e festas.

A meu ver, essas pessoas são realmente responsáveis pela disseminação da pandemia e é lógico que têm culpa, porém quando se trata de pessoas – e são milhões – fanatizadas pelo tal “mito” político, elas seguem o exemplo que vem sendo dado diária e diuturnamente por Bolsonaro, par ta propre bouche que sempre menosprezou o uso de máscaras e o distanciamento social.

Neste momento de grande desespero ante a morte de centenas de brasileiros sem assistência médica porque enfermarias e UTIs dos hospitais privados e do SUS estão lotados e sem capacidade de atendimento, os governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal, decretaram toque de recolher, que é uma medida adotada em outros países para frear a velocidade da pandemia. Pois Bolsonaro protocolou uma ação contra esses governadores, visando a derrubada daqueles decretos. Também hoje, 23 de março de 2021, felizmente o ministro Marco Aurélio do STF, negou a ação de Bolsonaro contra referidos governadores. Bolsonaro não quer “toques de recolher” nem “lockdowns” no Brasil, porque isto “prejudica o comércio”. A ele as vidas perdidas parecem não ter importância.

 

Retrospecto das ações de Bolsonaro

 

Como podem os seguidores de Bolsonaro apoiar ou ignorar suas ações que só fizeram por ampliar a pandemia? Não são fake news, mas palavras ditas pelo presidente e gravadas pela imprensa, que poderão tornar mais robustas as acusações contra o presidente, no momento em que isto chegar a um Tribunal de Justiça Internacional. Os registros em áudio e vídeo deixam explícito o seu desprezo às máscaras (que ele diz, segundo sua visão obtusa, não terem importância) e ao distanciamento social, dando exemplos diários de misturar-se a pesados grupos de apoiadores políticos, que continuam a apoiá-lo mesmo sabendo que ele os trata por “aqueles bostas”, assim por ele denominados claramente naquela escandalosa reunião ministerial que ficou por todo o país de sobejo conhecida.

Também são indefensáveis os erros de sua conduta pública que levaram à escassez de vacinas no Brasil. A própria Organização Mundial da Saúde, preocupada com a grave situação do nosso país, alertou ao mundo que o aumento dos casos de covid está pondo em risco toda a América Latina, e que a variante brasileira do vírus, mais rápida, agressiva e letal, poderá espalhar-se por todo o planeta.

O respeitado jornal Washington Post publicou na semana passada o editorial com o título “Terreno fértil para variantes no Brasil é uma ameaça para todo o planeta”. No seu texto refere-se aos hospitais lotados com pacientes de covid e conclui que “o Brasil foi consumido por divisões internas e parece incapaz de sair do abismo”. Diz ainda que “o vácuo de liderança de Jair Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar”.

Bolsonaro no The Washington Post.

Bolsonaro tem sido denunciado constantemente pela imprensa internacional, conforme profunda e meticulosa matéria publicada pela RDCTV (O RIO GRANDE SE CONECTA AQUI) no ano passado, cujo trecho, abaixo, tomo a liberdade de anexar:

“O editorial do The Washington Post não foi a primeira vez em que um veículo de comunicação do exterior critica a postura de Bolsonaro. Ele já havia sido criticado em outro editorial, do britânico The Guardian, em 31 de março. O jornal disse que o presidente brasileiro representa “um perigo para os brasileiros“. 

Confira abaixo outras manchetes pelo mundo e leia as publicações originais:

  1. The Guardian
    “Jair Bolsonaro diz que crise de coronavírus é um truque da mídia”
  2. The Economist
    “Presidente do Brasil “toca violino” enquanto a pandemia cresce”
  3. Wall Street Journal
    ‘Volte ao trabalho’: Bolsonaro descarta riscos mortais do coronavírus no Brasil
  4. Forbes
    “Em Coronavírus versus Brasil, Bolsonaro fica quase sozinho”
  5. BBC
    “Enquanto o mundo tenta desesperadamente combater a pandemia de coronavírus, o presidente do Brasil está fazendo o possível para desacreditá-la“
  6. New York Times
    “O presidente Jair Bolsonaro, que chamou o vírus de “uma gripezinha”, é o único “grande” líder mundial que continua questionando os méritos das medidas de bloqueio para combater a pandemia.
  7. Washington Post
    Bolsonaro é o líder negacionista mundial do coronavirus
  8. El País
    A atitude imprudente e irresponsável do líder do maior país da América do Sul ameaça causar inúmeras mortes
  9. Business Insider
    “O presidente Bolsonaro sugeriu que seu povo é naturalmente imune ao coronavírus, alegando que eles podem nadar no esgoto e ‘nada acontece’”
  10. The Japan Times
    Jair Bolsonaro isolado e enfraquecido pela negação de coronavírus
  11. The Wire
    Bolsonaro está usando uma crise de saúde pública para ampliar divisões no Brasil
  12. The Time of India
    Presidente do Brasil tira selfies e aplaude manifestantes apesar de riscos da pandemia
  13. The Chicago Tribune
    “O presidente Jair Bolsonaro do Brasil promoveu repetidamente tratamentos não comprovados de coronavírus e sugeriu que o vírus é menos perigoso do que dizem os especialistas.”
  14. The Independent
    “Coronavírus: Bolsonaro alega que a mídia ‘engana’ os brasileiros em meio ao agravamento da pandemia”
  15. The Asahi Shimbun
    “Pelo menos um líder mundial seguiu as alegações de Trump de promover o uso das drogas. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, elogiou repetidamente os benefícios da hidroxicloroquina e da azitromicina”.
  16. Al Jazeera English
    COVID-19: Bolsonaro está colocando ‘vidas em perigo‘”
  17. The Sydney Morning Herald
    Bolsonaro joga com a vida e a morte em meio a pandemia”
  18. Daily Herald
    Facebook se une resistência contra as alegações de Bolsonaro sobre o vírus
  19. Jacobin Magazine
    Numa pandemia, Bolsonaro é mais perigoso do que nunca
  20. Time
    O presidente do Brasil ainda insiste que o coronavírus é um exagero. Governadores revidam

 Esta, acima, é uma pequena mostra do que a imprensa mundial pensa sobre Jair Bolsonaro.

  

Uma das opiniões de El País sobre Bolsonaro, faço questão de transcrever aqui: “Há algo que o Brasil já perdeu. E que vai demorar muito para recuperar. Com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, descobrimos que vivemos num país em que a maioria dos brasileiros acha possível votar num homem como Bolsonaro. Sem nenhum drama de consciência, compactua com todo o ódio que ele produz, são cúmplices do desejo de exterminar aqueles que são diferentes, apreciam as ameaças e os arrotos do poder, exaltam a ignorância e a brutalidade”.. 

 

Desfaçatez quanto aos laboratórios internacionais e negação à eficácia da Coronavac

 

Quando em meados do ano passado, em 15 de agosto para ser mais exato, a Pfizer/Biontech ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, no momento em que o Brasil já havia ultrapassado 100.000 mortes, este – o nosso governo – nem sequer respondeu... e o Brasil passou para o fim da fila. A grande iniciativa foi do governo de São Paulo, que assinou um contrato para 46 milhões de doses da Coronavac, marca repudiada por Bolsonaro por seu preconceito contra a China. O primeiro passo concreto do governo brasileiro ocorreu em outubro, quando o ex-ministro da Saúde Pazuello afirmou, num encontro com governadores, que o Brasil iria também comprar a Coronavac. No dia seguinte foi desautorizado por Bolsonaro, que declarou, ipsis litteris:A vacina da China, lamentavelmente... Já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como dizem, esse vírus teria nascido lá na China”, e deu asas ao desmerecimento à vacina chinesa, permitindo a um de seus filhos declarar que a China tinha interesse em espalhar o coronavírus pelo mundo, para poder vender as suas vacinas – um absurdo que foi enfaticamente negado pelo Embaixador Chinês no Brasil, que chegou a advertir o governo brasileiro de que, se continuasse a declarar infâmias e mentiras contra seu país, a reação chinesa seria dada de uma forma inimaginável. Ignorantes, os Bolsonaros não sabiam que o insumo IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), necessário à fabricação de vacinas em todo o planeta, provém todo da China, e há décadas é usado no Butantan. Esse incidente diplomático acarretou cerca de um mês de atraso às vacinas no Brasil. Pode-se avaliar isso em número de vidas perdidas à covid? Mas para Bolsonaro números são apenas números. 

Jair Bolsonaro.

Quem tiver a memória curta, é só procurar nos arquivos de qualquer emissora de televisão, os ataques de Bolsonaro à Coronavac, a vacina que está sendo agora aplicada em todo o país e que está começando a nos salvar de uma desgraça maciça. Eis um dos inúmeros exemplos:

https://www.youtube.com/watch?v=XQV2tkLRmuM

No Natal, quando as vítimas no Brasil chegaram a 200.000, Bolsonaro mais uma vez dificultou os contratos com a Pzizer, dizendo: “Lá na Pfizer está declarado no contrato que ‘Nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré é problema de você, pô! (...) Se você vira super homem, se nascer barba em alguma mulher aí, se algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso e, o que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”. Com essas observações ridículas, Bolsonaro só faz minar a confiança da população ingênua nas vacinas.

A tragédia brasileira em 2021

São agora 58 os países que proporcionalmente já vacinaram mais do que o Brasil. Em 21 de janeiro, declarou Pazuello: “Em janeiro, que é agora, vai ser uma avalanche de laboratórios apresentando propostas para nós”. Mas o que houve em janeiro foi vir a público uma carta dirigida pela Pfizer em meados do ano passado ao presidente Bolsonaro, com detalhes da negociação para a sua vacina ser aplicada no Brasil, mas o Ministro da Saúde declarou que as cláusulas apresentadas eram “leoninas e abusivas” e refutou-as. Na verdade, as referidas cláusulas foram aceitas por dezenas de outros países, que as consideraram regulares e normais, menos o Brasil. Não houve no governo Bolsonaro ninguém com capacidade técnica ou científica para compreender isso, e a recusa colocou-nos na posição de párias da comunicade internacional. O Brasil tornou-se motivo de chacota em todo o mundo. 

No dia 4 deste corrente mês de março, quando já passávamos de 260.000 mortos, Bolsonaro declarou: “Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, né, que me diz: ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe! Não tem pra vender no mundo”. E acrescentou: “Nós temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”. Aqueles que perderam familiares e amigos, segundo Bolsonaro, não devem chorar muito. O que esperar de um pseudo-estadista que disse que a covid é uma “gripezinha” e “uma doença de maricas”?

Neste contexto, nada mais significativo e pesaroso do que pensar nas mais de 300.000 vidas interrompidas pela doença, pelo desumano de um governo arrogante, fútil e negacionista. “Vão ficar chorando até quando?”, perguntou o brutal e perverso presidente que desconhece a empatia. Cada uma dessas trezentas mil vidas tinha uma família. Cada uma dessas pessoas sepultadas tinha filhos, ou irmãos, ou pais, amigos, colegas. São sonhos interrompidos e famílias destroçadas. Cada pessoa é um pequeno universo que  importa e precisa ser respeitada. Se a vacinação tivesse começado antes, poderíamos ser um dos países com a peste prestes a ser debelada. Quantas vidas foram desprezadas por esse infeliz governo! Morrer depois ou agora, para o presidente não faz diferença: “Vão ter que morrer mesmo!”. Seríamos um país muito mais feliz se esse asco que aí está não tivesse sido eleito.

 

Uma mudança radical de rumos em 24 de março?

 

Hoje, dia 24 de março de 2021, a imprensa divulgou uma brusca mudança na política de Bolsonaro: ele pretendia reunir-se com os representantes dos outros dois Poderes da República, mas na última hora convocou também os governadores que estão aliados ao seu governo. Notei que Rato Júnior, governador do Paraná, estava lá. Todos, o presidente inclusive, usando máscaras. E Bolsonaro aparentemente deu uma guinada brusca em seu governo. Pressionado pelas ondas crescentes de indignação no país, e pelo panelaço ouvido ontem de extremo a extremo do Brasil, Bolsonaro se contradisse: agora recomenda o uso de máscara como um dos meios mais seguros para evitar-se a contaminação da população e declarou que seu governo doravante está direcionado à vacinação maciça de todos os brasileiros, de modo a combater a mortalidade que já ultrapassa as 300.000 vidas perdidas. Outros figurões do governo também discursaram, e o próprio novo Ministro da Saúde, dizendo que a saúde pública será despolitizada em seu trato, e que o seu Ministério seguirá as normas científicas e aprovadas pela OMS no combate à pandemia.

Hoje, pela primeira vez, Bolsonaro elogia a vacina, apesar de tê-la renegado até ontem. Ainda assim, pensa em armas: "Nossa arma é a vacina". Mais ético, mais próprio a quem se pretende um estadista, seria dizer: "Nosso remédio é a vacina", ou "Nossa salvação é a vacina".   

Sim, o governo mostra-se pela primeira vez, após mais de um ano de pandemia, aparentemente disposto a seguir o caminho indicado pela ciência. Mentiroso que sempre foi, talvez apenas tentando salvar a própria cabeça, o governo agora diz que doravante vai agir com a correção que há um ano espero. Podemos acreditar nisso? E seus seguidores fanáticos, mudarão o seu notório raciocínio oblíquo para o lado da racionalidade? Esquecerão o negacionismo e a cloroquina? Usarão máscara na rua? Espero que eu esteja enganado, mas não creio, pois me parece que a um fanático divorciar-se do destrambelho talvez não seja plausível.

Quem viver (ou conseguir sobreviver à pandemia) verá.

-o-

2 comentários:

  1. Bem pontual o artigo. Parabéns. Vale aqui uma observação: Em lugar de nos mirarmos no exemplo obtuso de políticos, ministros e presidentes, a prudência e sensatez aconselham a nos defender do contágio imposto pelo vírus da vulgaridade anacrônica, sem contar com as chuvas de maná. Que procuremos ouvir e consultar os médicos e o SUS antes de darmos ouvidos a asneiras ou mergulharmos na lama da politização. Afinal, o comando da saúde cabe à medicina, segundo a peculiaridade de cada organismo. Que a responsabilidade e iniciativa parta de cada um de nós. Conduta, aliás, exercida pela maioria. Certas atitudes de políticos imaturos e mandatários leigos é um vício paternalista que podem gerar discussões estéreis, polarizações histéricas, agressivas e suicidas. Cabe a cada um de nós defender, proativamente, a vida e a saúde.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro amigo Bevilacqua, muito obrigado por ter opinado. Um abraço!

      Excluir