segunda-feira, 16 de maio de 2016

"A PRESIDENTA", UMA QUESTÃO DE SEMÂNTICA... OU UMA PROVA DE BOA OU MÁ EDUCAÇÃO por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI

PORTAL IZA ZILLI
- O maior portal de comunicação social do Paraná -


"Presidenta"? Corretíssimo, menos para os ignorantes.

Iza Zilli


Comendador Francisco Souto Neto

“A presidenta”, uma questão de semântica... ou uma prova de boa ou má educação.
Francisco Souto Neto

Causou-me espanto ouvir duas comentaristas políticas que trocavam impressões no Canal Globo News a respeito de Dilma Rousseff no dia em que ocorreu a sua deposição através de impeachment. Eram Eliane Cantanhêde e Cristiane Lôbo. Disse Cantanhêde: “Eu acho horrorosa essa palavra ‘presidenta’ que ‘eles’ usam”. Até aí tudo bem, porque a forma talvez possa parecer estranha para aqueles que se habituaram ao vocábulo “presidente” e que jamais antes, pela leitura, souberam que a palavra “presidenta” é correta e dicionarizada na Língua Portuguesa desde o século XIX. Além disso, é perfeitamente normal que alguém não goste do feminino presidenta, preferindo a presidente. Mas é imperdoável que uma jornalista da Rede Globo seja ignorante quanto a isto. Ao dizer “a palavra que ‘eles’ usam”, deixa claro que ela pensa, como muitos, que a palavra foi inventada por Rousseff e que é uso exclusivo “deles”, os petistas. 



FOTO 1 – A jornalista Eliane Cantanhêde maltratando o idioma português.

Essa mesma jornalista, Eliane Cantanhêde, depois repetiu: “...além disso a, aspas, presidenta, é...(etc.)”. Ainda no mesmo tom de deboche na análise com Cristiane Lôbo, ao evidenciar que colocava aspas na palavra presidenta que escolheu usar jocosamente naquele momento, deixou claro que ela pensa que a palavra está errada, e com isso certamente influenciou milhões de telespectadores ao seu erro perpetrado contra o nosso idioma.

Há anos eu venho publicando artigos em jornais sobre o referido vocábulo, que já era usado por Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, livro publicado em 1880. No ano de 1991, Nadyegge Almeida (então diretora do Museu de Arte Contemporânea), que com Marisa Villela fundara a Associação dos Amigos do MAC e do MIS aqui em Curitiba, convidou-me para fazer parte da sua primeira diretoria, e trouxe para a presidência a empresária Lylian Tamplim Vargas.


FOTO 2 – Ao centro Nadyegge Almeida, Francisco Souto Neto e Lylian Vargas, ladeados pelos conselheiros João Henrique do Amaral e Rodrigo Wagner de Souza em reunião de trabalho no Museu de Arte Contemporânea.

Na qualidade de diretor-secretário, eu lavrava as atas da Associação, e nestas eu mencionava Lylian Vargas como presidenta da instituição. Lembro-me de que em 1993 Lylian Vargas passou a integrar o conselho consultivo da entidade, que então já se chamava Sociedade dos Amigos dos Museus de Curitiba (Museu de Arte Contemporânea, Museu da Imagem e do Som e Museu Paranaense) e entregou a presidência a Dino Almeida.

FOTO 3 – O diretor-secretário da Sociedade de Amigos dos Museus, Francisco Souto Neto, discursa ao microfone fazendo a transição da presidência de Lylian Vargas para Dino Almeida, estes ladeados pelos conselheiros Maury Rodrigues da Cruz, Nelson Ferri, Antônio Carlos Espíndola Schrega, João Henrique do Amaral, Moysés Paciornik e Jair Mendes.

Eu, mantido na diretoria, fiz o discurso de transição de cargo dos presidentes, cerimônia realizada na Secretaria de Estado da Cultura, e na ocasião referi-me à magnífica gestão exercida “pela presidenta senhora Lylian Vargas”. Empregar-se o vocábulo presidenta era então considerado mais erudito do que a forma presidente, isto apesar de ambas serem corretas, e tanto uma quanto a outra poderiam, como podem, ser usadas ao bel prazer do redator ou orador.

Em 1995 visitei a Islândia, onde pela primeira vez na História tinha sido eleita uma mulher para a presidência de um país em todo o mundo. Nos meus artigos publicados em jornais e revistas sobre a Islândia, referi-me sempre à presidenta daquele país, Vigdís Finnbogadóttir.



FOTO 4 – Vigdís Finnbogadóttir, presidenta da Islândia.

Quando foi eleita Dilma Rousseff para a presidência do Brasil, alguém perguntou-lhe: “A senhora prefere ser tratada por presidente ou presidenta”? Ela respondeu: “Prefiro presidenta”. Eu gostei de ouvi-la dizer isto, pois me pareceu uma escolha erudita.


FOTO 5 – Dilma Rousseff, presidenta do Brasil.

Os seus desafetos na política, entretanto, ignorantes do idioma castiço, acreditaram que a presidenta do Brasil acabava de inventar uma palavra que seria usada unicamente pelos seus sectários políticos ou simpatizantes, e imediatamente começaram a escrever artigos até mesmo acéfalos, que pretenderam desqualificar o vocábulo e a própria presidenta. Cheguei a encontrar um cartaz fotográfico no Facebook, no qual o conhecido professor Ademir Pasquale Cipro Neto aparecia ofendendo a quem usasse a palavra presidenta. No cartaz, estava escrito na foto do professor, como se as palavras fossem dele: “FALOU ‘PRESIDENTA’ JÁ SEI QUE É RETARDADO”. Levei ao conhecimento do conhecido professor, que tem uma conta no Facebook, mas coincidentemente naquele mesmo dia ele já publicara sua opinião sobre o quiproquó: “Ambas as formas, ‘a presidente’ e ‘a presidenta’ são corretas”.

FOTO 6 – O respeitado professor Pasquale.

Naquela ocasião em que o pobre vocábulo era tão desqualificado por pessoas que não tinham nem sequer a boa vontade de consultar um dicionário para tirar a dúvida, escrevi um artigo a que denominei “Quem ainda não recebeu aquele texto cabotino que pretende dar uma ‘belíssima aula’ sobre a palavra ‘presidenta’?”, que em 2013 foi publicado em dois diferentes jornais, e em 2014 reprisado no Jornal Centro Cívico e que pode ser encontrado neste link:


Não posso reclamar: este tornou-se o título com o maior número de acessos no meu blog de crônicas.
FOTO 7 – Coluna de Francisco Souto Neto: “Quem ainda não recebeu aquele texto cabotino que pretende dar uma ‘belíssima aula’ sobre a palavra ‘presidenta’?”. 

Na semana passada, um amigo me mostrou um artigo que encontrou na internet sobre a palavra presidenta, tão interessante principalmente em seus últimos parágrafos, que além de dar, logo abaixo, o seu link, faço questão de também transcrevê-lo na íntegra, porque é melhor do que os textos que eu já escrevi sobre o mesmo assunto.

Quem costuma ter respeito pela Língua Portuguesa encontrará aqui um precioso aliado, e aqueles que não são muito amigos do vernáculo e que pensam que presidenta é invenção de Dilma Rousseff ou do PT, terão a oportunidade de aprender ao menos um pouquinho sobre o nosso tão maltratado idioma pátrio.

O link, elaborado por DICIONARIOEGRAMATICA.COM, de 2 de maio de 2016, é este...


...e esta é a sua transcrição na íntegra:

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FOTO 8 – Ilustração do link DICIONARIOEGRAMATIVA.COM

“Presidenta” é mais antigo e tradicional em português do que “a presidente”


A palavra “presidenta” é feminino correto para “presidente, aceito por todas as gramáticas e presente em dicionários portugueses há séculos. Hoje, “a presidente” é considerada igualmente correto, mas a verdade é que “a presidenta” é forma muito mais antiga e tradicional na língua portuguesa do que “a presidente”.

A palavra presidenta está hoje em todas as gramáticas e dicionários portugueses e brasileiros. Gramáticos contemporâneos, como o professor Pasquale (vejam aqui) concordam: “pode-se dizer a presidente ou a presidenta”.

As gramáticas portuguesas e brasileiras tradicionais – como a Nova Gramática do Português Contemporâneo, do brasileiro Celso Cunha e do português Lindley Cintra, ou a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara – também concordam: “Quanto aos substantivos terminados em -e, uns há que ficam invariáveis (amante, cliente, doente, inocente), outros formam o feminino com a terminação em “a”: alfaiata, infanta, giganta, governanta, parenta, presidenta, mestra, monja. Observação: “governante”, “parente” e “presidente” também podem ser usados invariáveis no feminino.”

Presidenta” está no Dicionário Aurélio desde a sua primeira edição, em 1975 (ver aqui); está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras desde a sua primeira edição, em 1932; no Dicionário da Academia Brasileira de Letras; e estava já no primeiro Vocabulário Ortográfico sancionado pela Academia de Lisboa, de Portugal, em 1912 (o vocabulário integral pode ser acessado aqui).

Presidenta já aparecia também em textos de nossos melhores escritores dois séculos atrás: Machado de Assis, por exemplo, usa “presidenta” em Memórias Póstumas de Brás Cubas, sua obra-prima, publicada em 1881 e disponível gratuitamente aqui.

Anos antes, em 1878, o português O Universo Ilustrado narrava o enterro fictício de uma “presidenta”; em 1851, a Revista Popular de Lisboa  também se referia à “presidenta” de uma reunião.

Ainda em Portugal, podemos encontrar presidenta no primeiro vocabulário oficial da língua portuguesa, elaborado em 1912 por Gonçalves Viana (disponível aqui) .

“Presidenta” está também no vocabulário do português Rebelo Gonçalves (1966), e, desde um século antes, no Dicionário de Português-Alemão de Michaëlis (1876), no de Cândido de Figueiredo (1899), no Dicionário Universal / Texto Editores (1995), na primeira edição do Dicionário Lello (1952) e na primeira edição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (também de 1952).

Na verdade, ainda antes disso – no ano de 1812 (antes ainda, portanto, da independência do Brasil de Portugal), a palavra “presidenta” já aparece dicionarizada: está no Dicionário de Português-Francês de Domingos Borges de Barros, que viria a ser diplomata e senador. Versão digitalizada do dicionário, de 1812, pode ser acessada aqui.

Por falar em outras línguas: não apenas no francês, mas também nas línguas irmãs do português, o galego e o espanhol,  presidenta é considerado o feminino mais gramaticalmente correto de “presidente”.

A palavra “presidenta” nada tem a ver, portanto, com Dilma Rousseff ou com o PT, e quem se recusa a usar a palavra por achar que é uma invenção recente de petistas está apenas atestando ignorância em relação à língua portuguesa.

Isso porque a forma “a presidenta” é, na verdade, mais antiga e mais tradicional na língua portuguesa que “a presidente”.

Como se pode ver em todos os dicionários e vocabulários oficiais anteriores a 1940 (por exemplo: aquiaquiaquiaquiaquiaqui), até a metade do século passado a palavra “presidente” era considerada substantivo exclusivamente masculino, e “presidenta” era o único feminino aceito para “presidente”.

Em outras palavras: apenas a partir de 1940 a forma “a presidente” passou a ser aceita por gramáticos e dicionaristas portugueses e brasileiros. Ou seja: a palavra “presidenta”, dicionarizada desde 1812, é mais antiga e tradicional em português que a forma neutra “a presidente”, apenas dicionarizada a partir de 1940.

A passagem, no século passado, de presidente” como forma exclusivamente masculina para forma neutra baseou-se no mesmo processo de “neutralização de gênero” pelo qual passaram, e vêm até hoje passando, vários outros substantivos portugueses – como “a parente”, que antes só se dizia “parenta” -, sobretudo profissões – como “a oficial” (que antes só se dizia “oficiala”), “a cônsul” (que antes só se dizia “consulesa”) ou “a poeta” (que antes só se dizia “poetisa”).

A Revista Veja, por exemplo, deixou de usar a palavra “presidenta” apenas quando Dilma Rousseff chegou ao poder e disse que gostaria de ser chamada assim. Até então, porém, a mesma Veja usava “presidenta” - vide exemplos de edições da década de 1970 (ao se referir à então presidenta deposta da Argentina), de 1980, de 1990 e mesmo 2000.

Do mesmo modo, anos antes de o PT chegar ao poder, os demais órgãos de imprensa usavam “presidenta” – como a Folha de S.Paulo – por exemplo, em 1996 (“Secretária de Turismo de Alagoas e presidenta da Fundação”), 1997 (“Segundo a presidenta da CPI, deputada Ideli Salvatti”), 2003: (“A presidenta da CDU e líder da bancada parlamentar, Angela Merkel, já deixou claro que seu partido não se dispõe a salvar a situação para o governo de Berlim.”), etc.;  O Estadão (em 2004: “Empresária de Shakira era presidenta da  companhia”; em 2008: “disse a presidenta da Plataforma, Maribel Palácios”, etc.), o Correio Braziliense, etc.

Em resumo: hoje, é indiferente o uso de “a presidenta” ou “a presidente” – ambas as formas são gramaticalmente corretas e equivalentes.

Mas, ao contrário do que diz o senso comum e do que supõem muitos em sua ignorância, “a presidenta” não é informal, não é uma invenção recente nem é “coisa de feministas” ou “de esquerdistas” (pelo contrário, é a forma mais antiga e tradicional em língua portuguesa).

Um bom exemplo de sensatez, por exemplo, vem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB – um dos principais opositores de Dilma Rousseff, que, no entanto, nunca deixou de falar “presidenta”, por saber que essa forma é antiga, tradicional e perfeitamente correta em português.

-o-

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