quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

"A FAMÍLIA MÉDICI DE FLORENÇA E SEU INCRÍVEL CORREDOR VASARIANO" coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI

Corredor Vasariano, o caminho privativo da Família Médici entre seus dois palácios, sobre os telhados de Florença.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Portal Iza Zilli de 12.2.2012

http://www.izazilli.com/2016/02/12/64651/

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

A FAMÍLIA MÉDICI DE FLORENÇA E SEU INCRÍVEL CORREDOR VASARIANO

A Família Médici (Medici em italiano, sem acento) foi uma dinastia política da Toscana, que se instalou em Florença (Firenze) como rica proprietária de terras, dedicou-se no princípio ao comércio e logo em seguida aos negócios bancários, tornando-se enormemente poderosa. Os Médicis não eram monarcas, mas cidadãos comuns, que passaram a governar Florença como líderes hereditários do Ducado e depois Grão-Ducado da Toscana. Uma das famílias mais ricas do mundo, exerceu poder político primeiro sobre os países que viriam a formar a Itália, e depois sobre toda a Europa. Seu apogeu registrou-se entre os séculos XV e XVII. Os Médicis conseguiram criar ambientes onde o humanismo e a arte pudessem florescer e assim inspiraram o surgimento da Renascença, que fariam Firenze conhecida como “o Berço do Renascimento”. Dessa família provieram quatro papas (Leão X, Clemente VII, Pio IV e Leão XI) e o apoio a atividades de artistas geniais como Michelangelo. Em suma, os Médicis eram mecenas e mudaram os rumos da História.

No ano de 1565, Francisco I de Médici, filho primogênito do Grão-Duque Cosimo I de Médici, casou-se com Juana de Habsburgo-Jagiello, filha do Imperador da Áustria Fernando I e Anne da Boêmia e Hungria. Para impressionar os convidados à cerimônia matrimonial, além de decorar toda a cidade, Cosimo I resolveu mandar construir um corredor com um quilômetro de extensão, acima dos telhados de Firenze, unindo os dois palácios da família – o palácio do governo e a residência propriamente dita – situados em margens diferentes do Rio Arno, que são o atual Palazzo Vecchio ao lado da Galeria Uffizi, e o Palazzo Pitti.

Construído em menos de seis meses por Giorgio Vasari, na verdade o corredor tinha um propósito mais profundo: possibilitar a toda a família Médici circular livremente e em segurança entre seus palácios. Temiam-se atentados; um primo, o mecenas Juliano de Médici, já tinha sido assassinado em 1478.



FOTO 1 – O traçado do extenso Corredor Vasariano na planta da cidade de Firenze, passando sobre o telhado da ponte para assim poder atravessar o rio.

Incrível é o caminho do Corredor Vasariano, que eu percorri no ano de 1980. Ele começa numa porta disfarçada em parede lateral interna do Palazzo Vecchio... Quando cheguei à sala onde deveria encontrar a tal porta, perguntei a um guarda: “Per piacere, signore, dov’è la porta del Corridoio Vasariano?”. Com um simples gesto, ele me indicou um porta aberta. Meu bilhete de ingresso para ambos os palácios me dava o direito de atravessar livremente, à vontade, o corredor dos Médicis.

Hoje parece-me que a situação é diferente: a porta para o corredor é mantida fechada, e a sua travessia custa um bilhete especial, muito caro, e tem que ser realizada em grupos fechados e guiados.

        Percorrer o corredor tem sido o projeto principal para muitos dos visitantes de Florença. Reis e rainhas, artistas de cinema, escritores e os pintores mais famosos do mundo lá têm estado. Até Hitler, levado por Mussolini, atravessou o “Corridoio”.



FOTO 2 - O Corredor Vasariano começa ligando o Palazzo Vecchio aos telhados da Galeria Uffizi.



Foto 3 - O corredor, aqui em forma de “U”, sobre os telhados da Galeria Uffizi.



FOTO 4  – O percurso colorizado do corredor até à Ponte Vecchio.



FOTO 5 - Após os telhados da Uffizi, o corredor desce entre os prédios do quarteirão até à altura do 2º piso das edificações, de onde sai e vira bruscamente à direita para margear o rio. Em seguida, virando à esquerda, atravessa sobre o telhado da Ponte Vecchio.



FOTO 6 – No detalhe do desenho acima, pode-se avaliar o percurso do corredor entre o seu início até ao começo da outra margem do Rio Arno.

A obra arquitetônica de Varasi, saindo do Palazzo Vecchio, segue sobre telhado da Galeria Uffizi em forma de “U”, atravessa mais uma rua e prossegue entre as casas do quarteirão, donde vai descendo por escadas até à altura do 2º andar dos prédios, e continua até à margem do Rio Arno, porém ainda em grande altura sobre arcos monumentais, até alcançar o telhado da famosa Ponte Vecchio. Bem na metade da ponte, o “Corridoio” tem amplas janelas com magníficas vistas sobre o rio e a cidade, e assim alcança a outra margem, onde continua acima das ruas.

O arquiteto Giorgio Vasari teve que fazer o corredor contornar a Torre dei Mannelli porque, ao contrário de outros proprietários que foram desapropriados para o corredor passar dentro ou por cima de suas moradias, a influente família Mannelli recusou-se a demolir a sua torre e conseguiu preservar integralmente a propriedade. Embora o Corredor Vasariano tenha sido construído por fora da referida Torre, ele ficou grudado a ela e envolve-a completamente, como se vê na foto abaixo.



Foto 7 – O corredor teve que contornar a mansão e torre da família Mannelli, que se recusou a demolir sua propriedade para a passagem dos Médicis.

Após a Torre Mannelli, o corredor prossegue através dos quarteirões por dentro de prédios e sobre as ruas da outra margem, até passar em frente e por dentro da Igreja de Santa Felicidade (Chiesa di Santa Felicita), donde, de um balcão disfarçado, os Médicis podiam assistir à missa sem que fossem vistos pelos fiéis bem abaixo.



FOTO 8 – O Corredor Vasariano, saindo de dentro do prédio à esquerda, passa em frente à fachada da Chiesa di Santa Felicita (Igreja de Santa Felicidade). Foi aberta uma porta (na verdade, com uma grade) entre o corredor e a loggia sobre a porta de entrada do templo, para os Médicis poderem ver e ouvir sem serem notados.  A direita, o corredor segue atravessando o interior dos prédios do quarteirão.



FOTO 9 – Este é o interior da Chiesa di Santa Felicita. Através de uma passagem do Corredor Vasariano sobre a fachada da igreja, os Médicis podiam até assistir à missa do alto, sem que o povo notasse a sua presença.



FOTO 10 – Um dos trechos internos do Corredor Vasariano.



FOTO 11 -  A Gruta “del Buontalenti” nos Jardins de Bóboli. À esquerda, sobre o muro, vê-se o Corredor Vasariano. A pequena porta cinza à esquerda, ao nível do chão, é a saída do corredor para os jardins ao lado do Palazzo Pitti.

E assim o “Corridoio Vasariano” passa ao lado de “il Giardino di Boboli” e termina no Pallazzo Pitti. Os turistas podem descer por uma escada até à Gruta dos Bons Talentos e assim alcançar o palácio contíguo.

Devo acrescentar que quando o “Corridoio” foi inaugurado, na Ponte Vecchio estavam instalados os açougueiros, e o cheiro da carne incomodava os Médicis quando passavam pelo corredor sobre a ponte. Então o Grão-Duque ordenou que aqueles profissionais fossem afastados dali, e no seu lugar instalassem os ourives, onde continuam até hoje, quase meio milênio depois, vendendo seus produtos de ouro. Como se vê, a vontade dos Médicis tinha força de lei sobre os mais pobres, e estes, afinal, tinham suas razões para odiar a poderosa família.

A Galeria Uffizzi e o Palazzo Pitti são hoje museus que expõem os mais importantes artistas de todos os tempos. A coleção começou com o acervo particular dos próprios Médicis. O Corredor Vasariano tem agora a mais famosa coleção de autorretratos do mundo.



12 – Autorretrato de Giorgio Vasari.



13 - Autorretrato de Madame Le Brun.



14 - Autorretrato de Marc Chagall.



15 -  Autorretrato de Albert Dürer.



16 -  Autorretrato de Giácomo Balla.



17 - Autorretrato de Gean Lorenzo Bernini.



18 -  Autorretrato de Rembrandt.

Por tudo isso e muito mais, o percurso torna-se um passeio de extraordinária importância, isto sem falar do riquíssimo acervo que os visitantes podem apreciar nos dois museus.

Atravessar o “Corridoio Vasariano” e parar nas suas janelas, tal como faziam os Médicis para observar o povo muito abaixo agitando-se pelas ruas, é também pensar nos privilégios daqueles que são enormemente ricos, e na injusta desigualdade representada pela extrema pobreza que naqueles tempos remotos imperava nas cidades europeias, até mesmo ali em Firenze, o luminoso berço do Renascimento.

-o-

4 comentários:

  1. Fantástico artigo! Parabéns por compartilhar imagens e riqueza de conhecimentos!

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    1. Querida sobrinha e afilhada Mara, obrigado por estar sempre me acompanhando e me estimulando com a sua leitura. Um beijo!

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  2. Adorei o artigo. Que fascinante história da Itália antiga!

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  3. Oi, Rossana. Foi você quem escreveu acima? Se foi, fico contente que tenha gostado.

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