domingo, 24 de janeiro de 2016

“IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS”, coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZAS ZILLI.


Igreja Santo Inácio de Loyola (Roma).

PORTAL IZA ZILLI – “IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS”, coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Portal Iza Zilli em 24.1.2016

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

IGREJA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA EM ROMA: AS PINTURAS ILUSIONISTAS DE ANDREA POZZO E OUTRAS RIQUEZAS

Roma é uma cidade com inúmeras faces. Uma vida inteira seria pouca para se conhecer a Cidade Eterna em profundidade. Em sua amálgama, ela preserva ruínas dos tempos dos Césares ao lado de magníficas igrejas renascentistas. Esses templos católicos são um dos capítulos mais fascinantes e ricos da História Romana. Além das denominadas “as quatro grandes de Roma”, há dezenas de outras igrejas com histórias impactantes e arquitetura preciosa, cujos interiores são obras-primas em termos de esculturas, de pinturas sobre tela e afrescos.

FOTO 1 - A Igreja de Santo Inácio de Loyola

Sempre que vou à Itália ocupo-me em conhecer igrejas. Numa das viagens que fiz a Roma, planejara conhecer, dentre outras, a Igreja de Santo Inácio de Loyola (Sant’Ignazio di Loyola a Campo Marzio), para ver na abóbada a pintura ilusionista de Andrea Pozzo (1642-1709). Há anos eu desejava conhecer esse templo, que me impressionava através das fotografias em livros, cujos afrescos foram por mim apelidados na minha infância de “a igreja dos anjos que caem”, uma referência às personagens da pintura do teto que parecem pairar tridimensionalmente no espaço.

Uma decepção seguida de um êxtase

Não tive sorte. Ao entrar na igreja, vi que o teto estava encoberto pelos andaimes de uma restauração que se fazia na pintura de Pozzo. Foi decepcionante. Entretanto, enquanto eu filmava um pouco do interior da igreja, alguém começou a executar no órgão de tubos a Tocata e Fuga em Ré Menor de Bach, e o fazia com tamanho vigor que foi como se, de repente, o tempo e o espaço deixassem de existir, dando lugar unicamente à música.  Foi um momento de êxtase, de pura magia. A tocata era executada com extremo entusiasmo, tal como deve ser, e eu instintivamente, através da lente da própria câmera, comecei a procurar pelo local onde estaria o aparelho musical instalado, pois desejava ver o organista que tocava com tamanho virtuosismo. Logo encontrei o lugar, na nave esquerda. Ao contornar uma meia parede de madeira, deparei com uma freira dedilhando o órgão. Ela era uma japonesa idosa e pequenina. Seus dedos que produziam a prodigiosa música pareciam ter vida própria sobre as teclas. Seus sapatinhos de salto alto não eram obstáculo para que os pés pressionassem com segurança os pedais. O som envolvia o templo inteiro e parecia levar os ouvintes a um estado hipnótico de encantamento.

Naquele tempo filmava-se em fitas de VHS. Ao retornar ao Brasil descobri, desapontado, que minha câmera apresentara um defeito e as imagens resultaram em preto-e-branco. O som, porém, restou perfeito, e a tocata de Bach, nos dedos ágeis da idosa organista, manteve o clima de magia do meu filme, que pode ser visto neste resumo de dois minutos que coloquei no YouTube:


São Roberto Belarmino

Além disso, pude ver outra das atrações da igreja, que é o corpo preservado do cardeal São Roberto Belarmino (1542-1621) dentro de uma urna de cristal, usando suas roupas eclesiásticas vermelhas, com o rosto protegido por uma máscara de ouro. Esse é um dos chamados “corpos impolutos” de santos da Igreja Católica, que não entraram em estado de decomposição e são expostos aos fiéis nas igrejas que os cultuam.

FOTO 2 - O corpo impoluto de São Roberto Belarmino num altar lateral.

Este, entretanto, é um santo que me parece polêmico. Se foi canonizado, é porque reconheceram nele as características inerentes aos santos, porém ele foi inquisidor (participou ativamente da tenebrosa Santa Inquisição) e foi um dos juízes de Giordano Bruno, que concordou com a decisão de queimá-lo vivo numa estaca como herege. Que santidade perrengue!

Ademais, por ordem do Papa Paulo V, foi o referido santo quem convocou Galileu Galilei para ordenar-lhe negar a doutrina de Copérnico de que a Terra se movia e o Sol era imóvel, e foi quem afirmou que se Galileu insistisse em afirmar que a Terra se movia ao redor do Sol, ele seria preso. Acrescentou São Roberto Berlarmino ao astrônomo: “O Sol está no céu e gira à volta da Terra em grande velocidade, e a Terra está muito distante do céu, e está imóvel no centro do mundo”.

Por essas e outras, é no mínimo curioso olhar para o corpo preservado desse santo, através da parede de cristal da sua suntuosa urna funerária...   

Dois anos depois, de volta a Roma

Passados dois anos retornei a Roma e fui novamente visitar a Igreja de São Inácio de Loyola. Desta feita não havia andaimes ou tapumes em seu interior. Entrei olhando fascinado para a abóbada e vi o esplendor do afresco ilusionista de Andrea Pozzo, um trompe-l’oeil que é uma das obras-primas da história da pintura.

FOTO 3 – A pintura de Pozzo na abóbada da igreja.

FOTO 4 – Detalhe do teto ilusionista de Andrea Pozzo.

FOTO 5 – Detalhe do teto ilusionista de Andrea Pozzo.

FOTO 6 – A falsa cúpula pintada por Pozzo: trata-se de um trompe-l’oeil.

FOTO 7 - A abside (altar-mor).

De fato, não se distingue com facilidade a ilusão da realidade e compreende-se instantaneamente o porquê de aquelas pinturas de Andrea Pozzo serem tão cultuadas. É preciso sentar-se para que os olhos perscrutem durante muito tempo os detalhes da impressionante obra pictórica.

O incrível túmulo do Papa Gregório XV

As capelas laterais da igreja também são de estonteante beleza. Por exemplo, à direita do altar-mor encontra-se aquela que abriga o túmulo do Papa Gregório XV (1554-1623), guardada por anjos de mármore que tocam trombetas, tendo a figura também de mármore do papa ao centro, e o pano de fundo é uma cortina de mármore colorido com as dobras idênticas às de um tecido verdadeiro.

FOTO 8 – Túmulo do Papa Gregório XV

Esse túmulo é impactante. Foi mandado construir por um sobrinho de Gregório XV, chamado Ludovico Ludovici (1595-1632), que fez jus aos favores recebidos do tio. Apenas três dias após eleito, o Papa Gregório XV elevou Ludovico a cardeal, embora este tivesse apenas 25 anos. Esse cardeal-sobrinho foi o detentor de uma autoridade e rendimentos sem precedentes na história da Igreja. Foi camerlengo e vice-chanceler da Igreja desde 1621. Pelo menos teve o mérito de ter sido um mecenas da arte e da literatura, mas não se esqueceu de imortalizar a si mesmo na construção do túmulo do tio-papa, pois mandou colocar na base do monumento a sua própria efígie, o que pode ser visto no filme de dois minutos que fiz no interior da igreja:


Não são somente as belezas aqui comentadas que existem dentro da Igreja de Santo Inácio de Loyola. Elas se desdobram a cada capela, a cada detalhe. É riqueza que sói existir nas igrejas do cristianismo romano, todas elas com profundos significados dentro da própria História da Humanidade.


-o-

4 comentários:

  1. Muito interessante! Parabéns pelas fotos, texto muito bem escrito!Sou sua fã incondicional! Dione Mara Souto da Rosa

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    1. Querida Mara, fico muito contente por você ter lido e gostado. Nós empatamos, porque também sou seu fã na mesma intensidade. Obrigado. Grande beijo.

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