segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

"OS CÃES EM NOSSAS VIDAS", coluna do Comendador FRANCISCO SOUTO NETO no PORTAL IZA ZILLI.

Paco Ramirez e Tibério Bouledogue.

PORTAL IZA ZILLI

Iza Zilli

Capa do Portal Iza Zilli de 17.1.2016.

Comendador FRANCISCO SOUTO NETO

OS CÃES EM NOSSAS VIDAS

Hoje estou me sentindo bastante nostálgico, lembrando-me da minha infância que já vai tão distante, e por isso preferi escrever aos meus leitores através de uma crônica intimista.

No ano de 1948 meu pai transferiu nosso domicílio para Ponta Grossa, para assumir o cargo de diretor de redação no diário Jornal do Paraná. Fomos morar numa casa grande na Rua Visconde de Nácar, com seis quartos, dois dos quais no sótão, separados por um amplo hall no alto da escada.

FOTO 1 – Nossa casa na Rua Visconde de Nácar, em Ponta Grossa, entre as décadas de 40 e 50 (vinil encerado sobre tela, de Ruben Esmanhotto).

Durante o dia eu gostava de brincar no sótão, mas não me descuidava de observar uma porta que era mantida sempre fechada, localizada na parede do quarto da frente, que conduzia ao telhado. À noite, porém, eu não subia a escada sozinho porque sentia um medo enorme de que por aquela porta misteriosa do sótão pudessem sair os moradores noturnos do telhado: os zumbis, Frankenstein, as almas penadas, o lobisomem e o terrível “homem-de-ferro” (um robô imaginário).

As galinhas

Minha maior felicidade naquela fase dos 5 aos 8 anos, era o quintal onde viviam os cachorros perdigueiros do meu pai e as minhas galinhas de estimação. Naquele tempo era normal que as casas no centro da cidade fossem providas de galinheiros. Como toda dona-de-casa, minha mãe comprava galinhas na feira para eventualmente transformá-las em refeições. Entretanto eu me afeiçoava àquelas criaturas e dava-lhes nomes. Minha mãe, compreendendo minha afeição pelas aves, poupava-as. Minha predileta chamava-se Birro. Eu, e todos nós, referíamo-nos a ela como “o” Birro, mas era uma galinha preta do pescoço pelado. A que se tornou a mais mansa de todas, chamava-se Dengosa, uma galinha gorda, penas avermelhadas e crista carnuda. Outra era a Corriqueira, do tipo garnizé de penas arrepiadas.

Quando minha mãe matava alguma delas, era sempre uma que tivesse comprado no dia anterior, para que eu não tivesse tempo de me afeiçoar à mesma. Ainda assim, quando aparecia uma galinha na mesa do almoço, eu armava um tremendo berreiro. Íamos então ao galinheiro e eu fazia a contagem das galinhas. De fato, confirmava que as “de estimação”, praticamente todas, lá estavam ciscando alegremente. Chegamos a ter mais de 20 galinhas “de estimação” que produziam tantos ovos que minha mãe os dava às amigas da vizinhança.

Sweet

Tínhamos também um gato, o Juju, da minha irmã Ivone. Entretanto, minha paixão maior foi sempre pelos cães – que chamávamos e eu continuo chamando de cachorros. Bopí, Cholo, Pajé, Boré, Diana, Patori, Cacique, sucederam-se através dos anos, até à minha adolescência, quando já morávamos no maravilhoso casarão da Rua Augusto Ribas em Ponta Grossa, entre a XV de Novembro e a Marechal Deodoro.


FOTO 2 – Nosso casarão da Rua Augusto Ribas em Ponta Grossa, a partir de 1955. Entrava-se pelo portão à direita, subindo a escadaria. Naquela altura da edificação tínhamos um belo quintal com horta, jardim, cães e um galinheiro.

FOTO 3 – No fundo do quintal, a fox Sweet acomodada sobre as costas do velho e bom perdigueiro Cacique no ano de 1959.


FOTO 4 – Sweet no ano de 1966 em seu 10º aniversário, “lendo” Fábulas de La Fontaine.

No ano de 1956, aos 13 anos, minha tia Iraty Souto Emílio presenteou-me com a Sweet, uma cachorrinha fox. Esta foi a primeira a viver dentro de casa. Era adorável e morreu de câncer em 1967, antes de completar 11 anos.

Quincas

Meu pai falecera em 1963 após longa enfermidade, e eu e minha mãe passamos a viver dias difíceis. Ainda em Ponta Grossa, mudamo-nos para um apartamento de três quartos na Av. Paula Xavier, entre a XV de Novembro e a Doutor Colares.

Meu irmão Olímpio, nove anos mais velho que eu, residia em Nova York, casado com Maria Aparecida. Eles tinham um casal de chihuahuas, ambos com pedigree do American Kennel Club, que registraram como Cutu Poncho e Pipoca Americana. Estes tiveram uma única cria, que nasceu de uma cesariana em 1973 e recebeu o nome de Quincas Little Poncho. Olímpio trouxe esse minúsculo filhote de presente para nossa mãe e para mim. Quando adulto, seu comprimento pouco passava de um palmo. Como o pai era de pelo curto e a mãe de pelo longo, o Quincas, visto à distância com sua cauda de pelos largos sempre levantada em meio círculo, assemelhava-se a um esquilo. Quando saíamos com ele para passear, os carros paravam e as pessoas perguntavam “que bicho é esse?”. Não era para tanta estranheza, pois o Quincas era um cãozinho perfeito... e amoroso.

Como eu trabalhava e também saía à noite, ele era o companheirinho da minha mãe, embora dormisse comigo. Toda noite ele ficava uns minutos deitado ao meu lado, mas em seguida queria descer para ficar no seu minúsculo leito, junto à minha cama. O Quincas foi retratado por artistas famosos; por exemplo, Rubens Gennaro fez-lhe duas caricaturas, Dª Ida Hannemann de Campos deu-me de presente um desenho estilizado do Quincas, Antonio Macedo (autor de retratos de uns seis ou mais governantes do Paraná, em exposição permanente na galeria dos ex-governadores no Palácio Iguaçu) pintou-o com minha mãe em óleo sobre tela, Chico Lopes e Pedro Tikon retrataram-no comigo em desenhos. Quincas tirou fotos nos braços de atores conhecidos, como Henriqueta Brieba e Carlos Kroeber.

FOTO 5 – Quincas no seu 1º aniversário em 1974, com minha mãe Dª Edith Barbosa Souto.

FOTO 6 – “Souto Neto e Quincas em seu mundo interior” – Francisco Souto Neto com Quincas Little Poncho no ombro. Desenho de Chico Lopes – 1980.

FOTO 7 – “Souto Neto, Quincas e a Arte” – Caricatura de Rubens Gennaro – 1986.

FOTO 8 – “Souto com sua mãe e Quincas: a vitória do SBAI” – Caricatura de Rubens Gennaro – 1987.

FOTO 9 – “Dona Edith Barbosa Souto e seu chihuahua Quincas Little Poncho” – Óleo sobre tela de Antonio Macedo – 1987.

FOTO 10 – Quincas estilizado. Desenho de Ida Hannemann de Campos – 1988.

FOTO 11 – “Saudade do Quincas” – Desenho de Pedro Ticon – 1990.

Um pouco da vida do Quincas pode ser visto no seguinte link, com curtos fragmentos de filmes mudos feitos em Super8 há cerca de 35 anos, no começo da década de 80:  https://www.youtube.com/watch?v=SkOWITyrQTQ

 O Quincas morreu de causas naturais em 1989, aos quase 17 anos, quando eu e minha mãe já morávamos em Curitiba, onde eu exercia as funções de Assessor da Diretoria (depois da Presidência) e Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado. Minha mãe faleceria oito anos depois disso, em 1997.

Paco Ramirez

Como o sofrimento pela morte dos bichinhos de estimação é para mim sempre muito intenso, não muito diferente da dor pela perda de familiares e amigos, resolvi que nunca mais teria outros cães. Entretanto, no ano de 2003 comprei um chihuahua de cores branca e dourada, que registrei no Kennel Club com o nome de Paco Ramirez, acrescido “de San Martín”, nome do canil, como é de praxe.

FOTO 12 – A chegada do Paco Ramirez em 2003.

FOTO 13 – A vida era uma festa.

FOTO 14 – Aparecer na imprensa tornou-se rotineiro ao Paco.

FOTO 15 – Em 2015, Paco e seu amigo Tibério.

Os motivos que me levaram a comprar o cachorrinho, foram descritos com enorme sensibilidade pelo jornalista Adriano Justino, no Caderno Animal da Gazeta do Povo, por ele intitulado “Paco Ramirez, el corazón de Souto Neto”, que pode ser lido neste link:  http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2011/09/paco-ramirez-el-corazon-de-souto-neto.html

Paco Ramírez de San Martín cresceu dócil, até um tanto tímido, alegre, obediente, inteligente, e nunca mordeu ou avançou contra uma pessoa. Entendia tudo o que eu lhe falava, e às vezes parecia ler o meu pensamento. Foi como se tivéssemos descoberto uma forma secreta de comunicação. Dentro de casa, parecia ser a minha sombra: estava sempre onde eu me encontrava. Dormia comigo, na minha  – melhor dizer na nossa –  cama. Passeávamos todas as tardes. Como ele tinha um amigo, um buldogue francês chamado Tibério Bouledogue (pertencente a Rubens Faria Gonçalves, que mora no mesmo prédio, uns andares acima do meu), sempre nos telefonávamos na hora do passeio, procurando possibilitar a saída de ambos os cães juntos, que iam andando alegremente lado a lado.

O filme adiante, muito recente, de outubro de 2015, mostra o passeio dos cães Paco e Tibério, que poderá ser visto neste link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=S9NqXI1Ng_Q

Em maio de 2015 o Paco teve um sério problema na vista direita, quase perdeu esse olho, mas foi atendido pelo Dr. Luimar Carlos Kavinski, do Hospital Veterinário São Bernardo, que conseguiu salvar não apenas o seu globo ocular, mas também a visão.

Em setembro o Paco sofreu uma síncope. Atendido pelo mesmo médico, entrou em rigoroso tratamento e teve uma significativa melhora. O filme referido um pouco acima, feito um mês após a síncope, atesta que o Paco levava sua vida praticamente normal.

Na primeira quinzena de dezembro de 2015, fotografias do Paco apareceram em duas revistas: na CÃES & CIA nº 438, ao lado do seu amigo Tibério, sob o título “Dupla díspar”, que no momento em que escrevo esta crônica ainda se encontra nas bancas de revistas de Curitiba (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/dupla-dispar-capa-da-caes-cia-n-438.html ), e também na Revista Qualidade Brasil (igualmente de dezembro de 2015) no meu colo, em reportagem sobre o título de comendador que me foi outorgado em setembro último (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/comendador-francisco-souto-neto-uma.html ).

 No dia 20 de dezembro o Paco dormia placidamente numa almofada sobre o sofá, e com minha câmera automática tirei uma fotografia com ele, sem acordá-lo.

FOTO 16 – Francisco Souto Neto com Paco adormecido na manhã de 20 de dezembro de 2015.

Depois que acordou tomou os remédios e comeu alegremente a sua ração. Ninguém poderia supor que tudo mudaria algumas horas depois. À noite foi acometido de grave crise cardiorrespiratória. Levado imediatamente ao hospital veterinário, apresentava edema pulmonar. Tomou soro para tentar resolver o problema. Como persistisse a respiração ofegante, foi posto no balão de oxigênio, mas não resistiu. Morreu na manhã de 21, menos de três meses antes de completar seu 13º aniversário. Foi cremado no Crematório de Animais Pet Céu. Na tarde de 22 recebi uma urna com suas cinzas. Urna simples, padronizada, branca. Com extrema delicadeza, o Pet Céu colocou dentro da urna o pequeno plástico contendo as cinzas, adornado por um saquinho rendilhado com detalhes dourados. Fiz um buraco no jardim do prédio onde resido, sob o ipê, ao lado de onde no distante ano de 1989 enterrei o Quincas, forrei o fundo do buraco com o brinquedinho de pelúcia que era o seu predileto, sobre este brinquedo espargi as cinzas, em seguida cobrindo tudo com terra e o tampão de grama.

FOTO 17 – Paco Ramírez de San Martín (19.3.2003 – 21.12.2015).

Foram quase 13 anos de amor, carinho e companheirismo. Minha prima Lúcia Helena Souto Martini enviou-me um e-mail muito significativo quando o Paco morreu, com o qual eu encerro esta crônica. Escreveu ela: “Consternada e triste. Sim, eu sei como é. E é aí que eu me pergunto: se existisse uma pílula do esquecimento, que apagasse todas – todas – as lembranças, você tomaria? Claro que não. Nem eu. O legado de amor e carinho que eles deixam é grande demais para ser esquecido, mesmo que isso pudesse evitar a dor. Sempre sabemos que um dia eles vão embora, mas nunca estamos preparados. Esses anjos são teimosos: um belo dia voam pra dentro do nosso coração e lá ficam para sempre”.

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P.S.: 
UM ADENDO EM SETEMBRO DE 2020

Decidi-me por acrescentar um adendo a este artigo que escrevi em janeiro de 2016, portanto há quatro anos e meio. Quero apenas registrar que após viver mais de 40 anos no Centro Cívico, mudei-me para um apartamento no centro de Curitiba, próximo a bancos, shopping centers, mercados, farmácias, teatros, restaurantes... não preciso usar meu carro para praticamente nada. Comprei um grande apartamento em sociedade com um velho amigo, Rubens Gonçalves, que morava no mesmo prédio do Centro Cívico, uns andares acima do meu. A ideia foi a de que poderíamos estar mais próximos para um atender ao outro em casos de emergência, pois somos idosos septuagenários. Tivemos êxito nesta decisão. 

Mas resolvi não ter mais cachorros, embora deseje tê-los. É que, pelo avançado da idade, certamente eu morreria antes do meu cachorro, e ele ficaria sofrendo a ausência do dono.
 
Além disso, estamos num momento inimaginável da História, que é a pandemia da covid-19 que envolve todo o planeta e o aflige com contágios e mortes aos milhões. Daqui para a frente, só nos salvaremos se for encontrada uma vacina para combater esta terrível peste.
 
Abaixo, minha fotografia neste tempo de isolamento social.

FOTO 18 - Francisco Souto Neto aos 77 anos en 2020.

-o-

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