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LIECHTENSTEIN:
PEQUENA HISTÓRIA QUASE ROMÂNTICA
NO PAÍS DOS NARIGUDOS
por Francisco Souto Neto
Em 1999 estávamos
passando alguns dias na cidade de Chur, na Suíça, onde fomos para conhecer uma
estrada de ferro particular que liga aquela cidade a Arosa.
A
viagem para Vaduz, em Liechtenstein
Chur situa-se a leste do
território suíço, a apenas 22 quilômetros da fronteira com o principado de
Liechtenstein e a somente mais 6 quilômetros até Vaduz, sua capital.
Liechtenstein é um dos menores países do mundo, com apenas 157 quilômetros
quadrados, encravado entre a Suíça e a Áustria. O país conta atualmente com só 38.829
habitantes. Na capital Vaduz vivem, no corrente ano de 2023, apenas 5.289
pessoas. Em 1999 eram 33.026 no país e 3.220 na capital. É surpreendente como a
população permanece quase estável por ali ao longo de quase ¼ de século!
Sendo Vaduz tão próxima a
Chur, animou-me a ideia de passar lá uma tarde, só para ver como é o país.
Meu companheiro de viagem,
Rubens Faria Gonçalves, não gostou muito da ideia, mas resolveu acompanhar-me.
Assim, tomamos o café da manhã onde estávamos hospedados em Chur, o Hotel Drei
Könige, mas o café propriamente dito parecia um chá fraco. E o chocolate quente
não deu nem para duas xícaras a cada um de nós. A garçonete era toda
atrapalhada. Que coisa estranha: a Suíça, onde estive algumas vezes, é sempre
um país onde tudo funciona com perfeição. O que estaria acontecendo com nosso
hotel?!
Para irmos de Chur a
Vaduz, recomendaram-nos tomarmos um trem até Balzers, na fronteira entre Suíça
e Liechtenstein, e lá embarcar num ônibus para Vaduz, e a viagem toda duraria
menos de meia hora. E assim procedemos.
Fomos avisados de que o
tempo entre a chegada do trem em Balzers proveniente de Chur e a partida do
ônibus para Vaduz seria de apenas três minutos! Isso não chegou a nos
preocupar, e eu disse ao Rubens: “Se eles dizem que o tempo é esse, é porque
deve ser suficiente para a baldeação em países tão bem organizados. Sabemos que
os trens suíços não atrasam nem sequer um minuto do tempo previsto para partida
ou chegada”. Quando o trem parou na referida cidadezinha da fronteira, para
nossa surpresa havia um ônibus estacionado ao lado da ferrovia, que anunciava
seu destino: “VADUZ”. Dirigimo-nos ao veículo e antes de chegarmos a ele vimos
que, como num passe de mágica para nós caipiras brasileiros, o ônibus começou a
baixar inteiramente, até que sua porta ficou ao nível da rua. Aquele mecanismo
notável era para que ninguém precisasse subir degraus. Pois é, países
desenvolvidos são um bocadinho mais avançados do que pobres de nós
subdesenvolvidos poderíamos imaginar.
O ônibus, muito bonito
até nas cores alegres das poltronas, partiu para Vaduz numa viagem de poucos
minutos. O motorista nada nos cobrou, nem olhou nosso Eurailpass.
Não se nota nenhum marco
entre a fronteira dos dois países, e não se avista mais a bonita bandeira da
Suíça, mas somente as do principado. A bandeira da Suíça é bonita pela
simplicidade, mas a de Liechtenstein também o é, ilustrada com a coroa do
príncipe.
A estrada passa por lindos
campos verdejantes com vacas pastando, as casas são encantadoras, com belos
jardins, tudo cercado por montanhas altíssimas de cumes nevados.
Pequena
história quase romântica em Liechtenstain
Notamos nos passageiros
do ônibus um detalhe muito curioso: quase todos eram narigudos, notadamente
aduncos – para não dizer aquilinos – e pareciam uns com os outros. Davam a
impressão de serem todos aparentados. Irmãos, primos, algo assim!
Durante o nosso curto
percurso presenciamos um pequeno drama adolescente envolvendo alguns habitantes
daquele reino – principado – liliputiano. Foi o seguinte: duas mocinhas, uma
delas belíssima e não nariguda, viajavam nos assentos vis-à-vis,
conversando animadamente. Numa das paradas entrou um narigudinho feio, também
adolescente, que ao ver a bela garota, talvez sua colega de escola, fez uma
expressão de alegria e cumprimentou-a todo feliz. Ela respondeu sem sorrir e,
com a cara de poucos amigos, pegou a mochila que levava sobre as pernas,
atirando-a ostensivamente na poltrona a seu lado, como a dizer-lhe: “Não se
sente aqui, pois não é bem-vindo”. Ele acomodou-se noutro banco e donde
estávamos podíamos ver os olhares de mágoa e tristeza que ele furtivamente lançava
à menina que o desprezou. O ponto em que ele desceria era anterior ao dela. Vimo-lo
apertar o sinal, o ônibus parou e ele, agora com um ar altivo, passou por elas
sem se despedir e sem olhar para as meninas. Elas levantaram as sobrancelhas e
se entreolharam a indagar como se não compreendessem o que eu compreendi: “O
que deu nele?”. Eu disse ao Rubens: “Pois ele fez muito bem feito!”.
Vaduz
e o palácio dos príncipes
Desembarcamos na rua
principal de Vaduz, mas o Rubens achou que estaríamos longe do centro da
capital. Eu é que estava certo: ali era o centro e todo o comércio se resumia a
duas quadras da rua. Muito esquisito mesmo: as construções eram modernas, com
nada de especial, exceto um ou outro prédio. Visitamos a catedral, bonita e
simples, mais interessante por conter um balcão especial ao lado do altar, que
é ocupado pela família real – ou principesca – quando algum dos seus membros
comparece à cerimônia religiosa.
Da rua principal olhei
para um morro e reconheci, lá no seu topo – pois tinha visto fotografias anteriormente –
o palácio dos príncipes de Liechtenstein.
Trata-se de um palácio
aparentemente pequeno, modesto. Pensei assim: “Acho que os soberanos deste país
são uns príncipes um pouquinho pobres”. Entretanto, casual e coincidentemente,
na semana em que retornamos ao Brasil saiu na revista Veja uma reportagem sobre
as maiores fortunas da Europa, assim classificadas: em 3º
lugar os Windsor (na ocasião a família Windsor era representada pela
rainha Elizabeth II da Inglaterra, e que agora é pelo bobalhão – que de bobo
nada tem – rei Charles III com sua esposa Camila, a rainha consorte meio tosca
mas agora quase simpática aos britânicos, embora não completamente); em 2º lugar a família real de Luxemburgo; em 1º lugar, o príncipe Hans-Adam Liechtenstein II,
soberano do principado de Liechtenstein. Ora, então os Liechtenstein são os
mais ricos de toda a realeza europeia. Como pode? Quem diria! Pois é, as coisas
nem sempre são como parecem ser! Coitada da saudosa rainha Elizabeth II, num
mísero terceiro lugar, perdendo para os narigudos!
Neste 2023 estou lendo
todas as crônicas da extraordinária Clarice Lispector publicadas no Jornal do
Brasil de 1967 a 1973, no livro A Descoberta do Mundo, a quem admiro
cada vez mais pelo seu poderio na construção literária aliado a boas doses de
mau humor, aspereza e irritação. Não ser melíflua é uma das suas características principais, que eu aplaudo. Através Clarice Lispector aprendi que escrever com mais
simplicidade, incluindo eventuais bobagenzinhas e até inventando algumas palavritas
em meio ao texto sério, é um detalhe positivo e que pode divertir e fazer sorrir o leitor.
As fotografias abaixo
mostram um pouco do que vimos em Vaduz.
Logo que voltamos desta
viagem, telefonei à minha tia Cecy, irmã do meu pai. Cecy era linda, muito
viajada e dona de grande cultura. Eu disse a ela: “Cecy, lembro-me de que você
já esteve em Liechtenstein. Que tal? Gostou de Vaduz?”. A resposta que ela me
deu está gravada na minha memória e me fez rir muito. Disse minha tia: “Mas...
é só uma rua, não é?”.
Para finalizar, a capital
de Liechtenstein é muito sem graça. Com certo exagero, eu diria que dos lugares
onde já estive, pior do que Vaduz só mesmo o mercado beduíno de Beer-sheba (ou
Be’er Sheva, ou Berseba) no Deserto de Neguebe, ao sul de Israel. Carimbamos
nossos passaportes ao preço de 2 francos suíços (3 reais na época) cada um e
demos adeus a Vaduz.
Voltamos de ônibus de
Vaduz a Balzers e ali, na estação ferroviária, embarcamos de volta em direção a
Chur.
Retornamos a Chur, onde
estávamos hospedados. Uns dias depois, quando deixamos o Hotel Drei Könige e
íamos puxando nossas malas rumo à estação ferroviária, cruzamos na calçada com
a simpática recepcionista que nos recebera com caixas de bombons quando chegamos
ao hotel dias antes, a quem saudamos alegremente. Ela ia para seu turno de
trabalho e levava consigo um cachorro muito engraçado. Então era dele o latido
que às vezes ouvíamos de nosso apartamento. Levar o cachorro para o trabalho...
só mesmo em países superevoluídos.
O mundo dá muitas voltas
e nessas voltas vamos nós.
-o-
ABAIXO, A FILMAGEM QUE FIZEMOS EM NOSSA VIAGEM A VADUZ:
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