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“O SEGREDO MAIS BEM GUARDADO DA SUÍÇA”
PARTE 2
CHEGANDO A CHUR, CAPITAL DOS
GRISONS
por Francisco Souto Neto
Chur tem tem três nomes
oficiais: Chur, Cuera e Cuoira. É a mais antiga cidade da Suíça, com registros
de ocupação datando de 3000 a.C. Portanto, uma cidade com 5000 anos de
História.
A ideia de conhecermos
Chur em nossa viagem de 1999 foi do meu amigo Rubens Faria Gonçalves.
Ele tinha visto no Canal Travel Channel um documentário sobre a estrada
de ferro Chur-Arosa, apresentada como “o segredo [turístico] mais bem guardado
da Suíça”: era um trem de ferrovia particular que partia de uma rua em frente à
estação ferroviária (com o embarque, pode-se dizer, feito na calçada) que ia
pelo meio das ruas de trânsito normal até sair da cidade, atravessava parte dos
Alpes e chegava à cidade de Arosa. O mais engraçado é que o último vagão da
composição é como um grande caixote de madeira aberto, chamado de “carrozza panorâmica”.
Na época, o Rubens disse: “Quero viajar no caixote” e eu assimilei a ideia
instantaneamente, é claro! E resolvemos realizar o plano que ficou embutido
numa viagem bem maior que fizemos através da Europa.
O
Hotel Drei Könige
A nossa reserva no Hotel
Drei Könige (Hotel Três Reis Magos) estava em ordem. A recepcionista,
ultra-simpática, encontrava-se à nossa espera, falando inglês com forte sotaque alemão.
Recebemos dela duas caixas como presentes de boas-vindas, cheias de chocolates
e agrados variados.
O saguão do hotel era uma
verdadeira galeria de arte e o prédio é histórico, do século 17. Nós ouvimos um
latido de cachorro que vinha da sala da gerência mas, infelizmente, não vimos o
animal. Nós o veríamos somente no nosso último dia em Chur. O quarto era
excelente, com móveis típicos dos Grisons, quase uma pequena suíte com mesa e
poltronas de estilo, rendas sobre os móveis e cortinas. Havia um ótimo banheiro
com banheira e duas pias separadas.
Eram 21:30 horas e precisávamos
jantar, e fui, apesar do adiantado da hora, mas apenas em consideração ao
Rubens. Eu somente belisquei os pratos. O sistema era de pratos fixos, sem possibilidade
de opção. Veio então a sopa, um caldo ralo com coisas boiando, que o Rubens
identificou como tutano, uma iguaria suíça-alemã, mas insuportável para mim. A
salada, para compensar, era linda e o prato principal trazia escalope grelhado, ótimo.
A sobremesa, então, nem se fala: frutas da estação em pedacinhos com creme de
chantilly.
Um
dia soft
No dia seguinte fomos à
estação ferroviária e vimos os trens. Dentro da estação estão as linhas
normais, para todos os lados do país e da Europa. Na rua, em frente à estação,
estava “estacionada” na calçada uma composição de onze vagões, o último
dos quais o “caixote aberto”, com placas em suas laterais que diziam: “carrozza
panorâmica”. “Oba!”, exclamamos. Caixote ou carroça, era naquilo mesmo que
iríamos viajar no dia seguinte. Logo vimos o trem partir e corremos atrás dele,
vendo-o seguir pelas ruas entre carros e pessoas. Incrível!
Quando nós chegamos a uma
cidade, gostamos de passar o primeiro dia mais descompromissadamente, para
sentir-lhe o clima e conhecer o seu jeito. Assim, passeamos pelo setor
histórico vendo as casas com pinturas nas fachadas datadas principalmente dos
anos de 1400 a 1500!
Às duas da tarde voltamos
ao hotel, mas nosso quarto ainda não tinha sido arrumado. Que chato! Demos mais
um tempo e fomos ao norte da cidade para conhecer sua impressionante catedral
romanesca e gótica, construída entre os séculos 12 e 13. Voltamos ao hotel às 16,30
horas e o quarto continuava desarrumado. Desci e reclamei a Mrs. Pröll que se
desculpou e me disse que o quarto seria arrumado enquanto jantássemos.
Um
aborrecimento no jantar
Para jantar tive um
incidente com a jovem Mrs. Pröll. Eu queria saber qual o horário do jantar, e se seria no térreo ou no 1º andar. Ela falava muito e eu não
entendia nada. Eu me desculpava por nada entender e voltava a pedir bem
claramente em inglês: “Diga-me, por favor, apenas a hora do jantar e onde”.
E ela tornava a falar rapidamente mil coisas com aquele sotaque pesado, pois os
principais idiomas de Chur são o alemão e o romanche. Até que ela perdeu a
paciência fazendo gestos e expressão facial que considerei um insulto. Reagi
reclamando alto e zangado, em inglês: “Meu idioma é o português, que falo muito
bem. Eu sou advogado e jornalista. Mas falo mal o inglês e não entendo o que a
senhora está dizendo! Sinto muito!”. Detalhe: não terminei falando alto, mas gritando.
É claro que meu inglês não era suficiente para eu dizer-lhe o que realmente
queria dizer e que ela merecia ouvir, mas ao berrar-lhe nos ouvidos, ela
compreendeu a dimensão da minha insatisfação. Às vezes é preciso ser grosseiro
para se impor! Ela abrandou e conduziu-nos imediatamente ao restaurante ainda
vazio. Por azar nosso, a garçonete portuguesa simpática do dia anterior não
estava presente, e foi a própria Mrs. Pröll quem nos serviu o jantar. Ela ia
servindo com sorriso forçado e sem simpatia. Mas puxou conversa: “Brasil?
Samba? Tango?”. Eu respondi que não gosto de samba, que é do Brasil, e que
gosto de tango, que é de outro país chamado Argentina”. O Rubens disse-me que
eu estava sendo hostil no momento em que ela tentava um contato. A bem da
verdade, eu não pretendi ser hostil, mas sentia-me ainda irritado. E lá voltou
ela trazendo-nos o segundo prato. Foi quando ela sem querer bateu no copo do
Rubens, entornando toda a água sobre a mesa. “Oh, perdoem-me!”, sobressaltou-se
Mrs. Pröll, muito embaraçada. O Rubens foi rápido em inglês: “Nenhum problema!
Não se preocupe!”. Eu reforcei, também com um sorriso: “Nenhum problema. Está
tudo okay”. A partir daí, foi que ela pareceu ficar simpática de verdade, ao
que eu procurei corresponder. Ao final nossos contatos ficaram sinceramente
equilibrados e corteses.
Eu não me sinto culpado
por não entender muito bem o inglês oral, porém entendo bem mais o escrito, e
viajo tranquilamente para qualquer país do mundo sem lhe conhecer o idioma.
Tenho certa aversão ao inglês estadunidense (entendo melhor o inglês britânico)
e nunca senti vontade de aperfeiçoá-lo, talvez porque eu não goste da atitude
do norte-americano comum que costuma agir como se fosse dono do mundo, e nós,
fundo do seu quintal.
A noite em Chur é vazia.
As vitrines são iluminadas, há gente nos bares, mas ninguém nas ruas. Numa
livraria onde vendiam cartões postais, encontrei um que dizia “Chur at night”,
e essas palavras pairavam sobre um fundo inteiramente negro. Tivemos que rir
ante tamanha verdade.
E o quarto do hotel?
Ficou mesmo sem ser arrumado. Resolvemos não voltar a reclamar para evitar
atritos maiores, e esperar para ver como seria no dia seguinte. Às vezes um
pouco de tolerância não faz mal a ninguém.
No dia seguinte nós,
finalmente, iríamos passear em Arosa viajando dentro de um caixote aberto.
-o-
CONTINUA
E TERMINA NA
PARTE
3
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