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A LUA e ALDRIN; TRUMP e BOLSONARO;
PANDEMIA e
IRRESPONSABILIDADE.
Francisco Souto Neto
O primeiro caso de negacionismo científico que
conheci, ou pelo menos de que me recordo, ocorreu há quase 20 anos, em 2002.
Assisti à cena através do jornal da televisão, envolvendo o astronauta Buzz
Aldrin, que agora está com 91 anos, o segundo homem a pisar na superfície da
Lua em 1969. Aldrin é considerado, merecidamente, um herói nacional nos Estados
Unidos. A cena que agora está também perenizada na internet, mostra Aldrin em
2002 sendo admoestado por um fanático negacionista que não acreditava na
realidade da missão Apollo, e dizia que as fotografias e filmes feitos na Lua
por vários astronautas durante anos seguidos seriam montagens para enganar o
mundo.
Esse fanático chama-se Bart Sibrel, um cineasta
norte-americano. Na rua, portando uma bíblia, insistia para que Aldrin pusesse
a mão sobre ela e jurasse que realmente andou na superfície da Lua. O astronauta
procurou evitá-lo, reclamou a um guarda, mas o fanático cutucava-o com o livro,
provocando-o a jurar. O astronauta conseguiu conter-se até que Sibrel, o
cineasta lunático, disse-lhe: “Você é mentiroso, covarde, ladrão...”, no que
foi interrompido por um certeiro sopapo na mandíbula desferido por Aldrin. Bem
feito; embora eu seja contra agressões físicas, aplaudi Buzz Aldrin pelo seu
certeiro soco. Veja a cena no YouTube:
A
Terra plana
Certo dia descobri haver gente próxima a mim que
acreditava que a Terra fosse plana e não redonda. Essas pessoas que sempre me
pareceram cultas e sérias eram terraplanistas. E geocêntricas! E criacionistas!
Marina Silva, que se candidatou à presidência da República, crê no criacionismo:
se ela dissesse acreditar na existência do Papai Noel, eu sem dúvida ficaria
menos chocado. Recentemente, ao contar para um velho amigo que eu tenho um
conhecido que é terraplanista, ele respondeu-me que o terraplanismo é também
defendido por um casal seu amigo: ela farmacêutica bioquímica e ele engenheiro
e economista!
Pois é, acho que o mundo está ficando virado pelo
avesso. Um bom exemplo disso, é o de que há quatro anos os Estados Unidos
elegeram Donald Trump à presidência. Seu governo foi péssimo, eivado de
mentiras proferidas pelo presidente numa escalada escandalosa. São tão inúmeros
os motivos que o levaram à derrota em 2020 na sua tentativa frustrada de
reeleger-se, que me seria cansativo enumerá-los. Afinal, eles são de sobejo
conhecidos pelas pessoas bem informadas.
Paralelamente, há dois anos no Brasil elegeu-se
Bolsonaro com alguns vícios semelhantes (e outros bem piores) aos de Trump – a
cujos princípios alinhou-se subserviente, como um qualquer reles “lambedor de
botas”. Depois, ao longo dos últimos dez meses de pandemia, o presidente
brasileiro revelou-se de um inimaginável grau de ignorância sempre crescente,
que me escandaliza e me põe estupefato. O pior do seu governo começou pela negação
à seriedade da pandemia, por ele classificada de “gripezinha ou resfriadinho”.
Mesmo com a escalada e a fatalidade da “gripezinha” através dos meses,
continuou ele conclamando o povo a aglomerar-se e dizendo que o uso de máscaras
era inútil e desnecessário.
Trump e Bolsonaro: homens grosseiros, ignóbeis e
despreparados, cada qual à sua maneira e em diferentes graus e aspectos, ambos
sem enquadrarem-se à liturgia do cargo que ocupam.
Uma
pausa
Interrompi este artigo no dia 27 de janeiro de 2021
e confesso que me vi exangue, sem o mínimo vigor para prosseguir analisando as
vilanias cada vez mais brutais do presidente da República, sentindo-me igualmente
num crescendo de indignação por aqueles que, cegos para a realidade das coisas,
insistem em dar apoio a esse político inominável.
De fato, decepcionado com os rumos que meu país vai
tomando, perdi – espero que momentaneamente – a vontade de prosseguir com meus blogs voltados às letras e à cultura de
um modo geral. Mas também, talvez vencido pelo cansaço, não tenho ânimo nem
para prosseguir demonstrando meu repúdio a esse desgoverno que aí está.
Já ao final da primeira semana de fevereiro, encontrei na internet um recorte do site "Quebrando o Tabu" de 20.1.2021, com frases de Bolsonaro a manifestar o seu desprezo àqueles que combatem a proliferação do coronavírus. Essas frases, relacionadas abaixo, estão vinculadas ao número crescente de mortes diárias para covid-19 no Brasil. Ei-las:
Acima, o crescente número de mortes pela covid-19 no Brasil e as correspondentes frases
de Bolsonaro.
Enquanto cresce assustadoramente o número de
pessoas mortas pela covid-19, Bolsonaro continuou a dizer coisas para fazer
crer que a pandemia pelo coronavirus entre nós tem pouca importância.
Como me decidi a não prosseguir discorrendo sobre o
presidente do país, para encerrar este artigo e para que fique o registro deste
horrendo episódio da pandemia no Brasil, vou simplesmente anexar, abaixo, as
gravações comprometedoras de algumas falas do presidente da República.
Falas
em gravações com Bolsonaro
Em 30.4.2020: Bolsonaro acreditava que o vírus
deveria contaminar 60% da população e que os idosos teriam “sérios problemas” [mas
os idosos, afinal, terão que morrer de qualquer jeito]; em 23.6.2020, por
Bolsonaro se recusar a usar máscara, a Justiça Federal obrigou-o a usá-la em
público, sob pena de multa de 2 mil reais a cada vez que fosse flagrado
violando a lei em vigor em Brasília; em 6.7.2020, dentre outros, Bolsonaro vetou
o uso obrigatório de máscaras em presídios e terminou a obrigatoriedade do seu
uso em templos religiosos, no comércio e em estabelecimentos de medidas
sócio-educativas; em 7 de setembro encheu o Rolls Royce conversível da
presidência com crianças, e desfilou pelas avenidas de Brasília com ele e todas
elas sem máscaras, e depois caminhou em direção à multidão para cumprimentos e
“selfies”; em 25.3.2020, em contato com o povo, recomendou que ninguém fizesse
isolamento social, e afirmou que no Brasil não teria mais de 800 mortes pelo
coronavírus (entretanto, já são mais de 240.000 mortes); em 6.3.2020, em rede
nacional, declarou que para os atletas a covid não passaria de “uma gripezinha
ou um resfriadinho”; em 20 do mesmo mês, descaradamente, declarou também em
rede nacional, que nunca dissera que a covid não seria mais do que “uma
gripezinha ou um resfriadinho”... no que foi desmentido pelas suas imagens
gravadas. Suas seguidas mentiras são como um tapa na cara dos brasileiros. E no
restante desse referido vídeo, ocupa-se ele em declarar que a vacina chinesa
seria de péssima qualidade, que o Brasil jamais compraria tal vacina e que ele,
o presidente, também nunca tomaria a vacina chinesa. Um de seus filhos disse
grandes ofensas à China, o que causou uma reação muito forte do embaixador
chinês em Brasília, revidando que se os Bolsonaros não parassem com as
infâmias, a China teria reações imprevisíveis com o Brasil. Muito ignorante e
grosseiro, o presidente ainda não tinha compreendido que praticamente o mundo
todo depende de insumos chineses para a vacina, como o IFA. Eis o vídeo de
cinco minutos com todas as falas do presidente, aqui referidas:
https://www.facebook.com/1444471542451589/videos/769382467263494
Em 10.11.2020 Bolsonaro reclama: “Tudo agora é
pandemia! Tem que acabar com esse negócio, pô!” (...) “Brasil tem que deixar de
ser um país de maricas!”. E ameaça os Estados Unidos de Biden: “Temos
pólvora!”:
https://www.youtube.com/watch?v=5d66a0MFEig
Em 9.12.2020 Bolsonaro zomba e debocha da covid (15
segundos):
https://www.youtube.com/watch?v=V6r_7VLiBjA
Em 21.1.2021 a repórter pergunta ao presidente
Biden quando ele vai falar “com o presidente brasileiro Bolsonaro”, e eis a
reação do presidente norte-americano:
Em 30.1.2021, já temendo ser responsabilizado
criminalmente por ter influenciado seguidas vezes os brasileiros a tomar
medicamentos totalmente ineficazes e até perigosos à guiza de prevenção contra
a covid-19, Bolsonaro tenta agora esquivar-se com o seu habitual “diz que diz,
diz que não diz”. Sem sombra de dúvida, em futuro próximo terá ele que
responder por ter tentado, de todos os modos possíveis, fazer os brasileiros
desacreditarem das vacinas do Butantan e do Instituto Fio Cruz. Mais: ele atrasou
o tanto quanto pôde a compra de vacinas para os brasileiros. Declarou: “Não
tenho que procurar nenhum país para dizer que quero comprar vacinas. Nós somos
o mercado, somos os compradores, e somos um país grande e importante. Eles é
que têm que nos procurar oferecendo as vacinas para nós comprarmos”. Quanta
incompetência e ignomínia contidas no presidente brasileiro! Numa pesquisa
internacional sobre a atuação de 98 países para classificar os cuidados e
interesse dos respectivos governos em proteger seus habitantes dos perigos da
pandemia, Israel ficou em 1º lugar. Em 98º lugar, isto é, em último lugar,
ficou classificado o Brasil... Melhor seria dizer “desclassificado”. Quando
conseguiram explicar ao presidente que a procura por vacinas seria
infinitamente maior do que a capacidade e velocidade na produção das mesmas,
ele percebeu que estava errado e deu-lhe desespero para resolver a questão. A
vacinação de brasileiros começou muito atrasada em relação aos países mais
cautelosos e agora transcorre lentamente, muito, muito devagar. Até ao momento
apenas 1% da nossa população recebeu a primeira dose da vacina. Neste ritmo, em
2022 a vacinação ainda não terá abrangido o país inteiro. Enquanto isso, a
“variante brasileira” da covid-19 começa a espalhar-se pelo mundo. Vários
países estão proibindo em seus aeroportos os vôos procedentes do Brasil. Que
vexame, que descaso em relação ao sofrimento e à dor dos doentes e das famílias
dos 240.000 mortos. Vergonha, vergonha, vergonha! Eis o vídeo:
https://www.facebook.com/desmascarandooficial/videos/410439770018199
No dia 1º do mês em curso, o ministro que preside o
STF, Luiz Fux, num discurso ao lado de Bolsonaro, olhando-o na cara, classifica-o de
obscurantista e negacionista da Ciência:
O título da matéria da Folha
Impacto é: “Revoltado com a repercussão do gasto de mais de
R$15 milhões em leite condensado, o presidente mandou jornalistas para a ‘puta
que o pariu’ ”. “O Brasil nunca esteve tão mal governado e representado tão à
beira de um abismo como está agora. Para a puta que o pariu vá você, seu
moleque de botequim, seu arruaceiro do baixo meretrício”, respondeu Kertzman,
da revista IstoÉ.
E a nota de hoje, 8 de
fevereiro de 2021, divulgada na mesma fonte mencionada no parágrafo anterior, é
de um grupo de médicos que entra com novo pedido de impeachment contra Bolsonaro. O pedido afirma que Bolsonaro cometeu crimes de
responsabilidade na condução da pandemia de Covid-19. Eis o texto:
“Um grupo de médicos e cientistas protocolou um
pedido de impeachment na Câmara contra o presidente Jair Bolsonaro. O pedido
afirma que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade na condução da pandemia
de Covid-19.
Para embasar o pedido, os médicos e cientistas
listaram uma série de declarações públicas e ações de Bolsonaro desde março de
2020, quando o coronavírus começou a se alastrar pelo país, até o dia 20 do mês
passado.
Foi citada, por exemplo, a frase ‘Não sou coveiro’,
proferida por Bolsonaro após ser questionado sobre o elevado número de óbitos
pela doença no país. O pedido lembra também as declarações de Bolsonaro contra
as medidas de isolamento social e as ocasiões em que o minimizou os efeitos
devastadores da doença.
Segundo os médicos e cientistas, o presidente ‘usou
seus poderes legais e sua força política para desacreditar medidas sanitárias
de eficácia comprovada e desorientar a população cuja saúde deveria proteger’.”
A manchete do jornal Le Monde comentou o caráter
retrógrado de Bolsonaro ao estimular aqueles que creem que a Terra é chata,
plana, e que tanto a Lua quanto o Sol e as estrelas giram em torno dela:
“Les Brésiliens ‘terreplatistes’ se sentent
pousser des ailes avec Bolsonaro” (“Brasileiros terreplanistas sentem que suas
asas estão crescendo com Bolsonaro”).
E basta! Este estado de coisas, essa ignorância que
permeia o governo e larga parcela de brasileiros, faz mal ao meu espírito. O
presidente, seus ministros e grande parte da população que, fanatizada pelo
presidente, não se importa com necessidade de usar máscara e de evitar
aglomerações, fazem mal e embrutecem.
Estou farto! Quero tornar a sentir vontade de
escrever sobre cultura, que é o que sempre fiz, sem me referir ao lixo e ao
estrume que aí estão.
Vá, político imprestável, suma da minha vista! Desinfeta!
Andare via! Se escafeda! Vá caçar sapo
com bodoque, que eu já estou de saco cheio!
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P. S.: Impossível não acrescentar este post scriptum hoje, dia 11.2.2021, que contém um vídeo de apenas 3 minutos, da própria TV Senado, que mostra o senador Fabiano Contarato falando na cara do ministro Pazuello [sobre ele e Bolsonaro] verdades engasgadas na garganta de todo brasileiro:
https://www.facebook.com/watch/?v=449122429616460
-o-
É muita mediocridade, ignorância extrema e fanatismo acreditar que alguém de bom senso acredite no terraplanismo e peça ao astronauta que "jure sobre a Bíblia que caminhou sobre a lua", afirmando que "não o fez", e ainda ofendê-lo... Conduta doentia de quem vive no mundo da lua. Tapa bem dado!
ResponderExcluirÉ muita mediocridade, ignorância extrema e fanatismo supor (ainda)que alguém de bom senso acredite no terraplanismo e peça ao astronauta que "jure sobre a Bíblia que caminhou sobre a lua", afirmando que "não o fez", e ainda ofendê-lo... Conduta doentia de quem vive no mundo da lua. Tapa bem dado!
ResponderExcluirSim, Bevilacqua, eu nunca imaginei que nos anos 20 do século XXI nós teríamos nossos contemporâneos (até amigos próximos) acreditando que o Sol e as estrelas giram ao redor da Terra. Como você disse, "é muita mediocridade, ignorância extrema e fanatismo"! A nossa civilização está percorrendo caminhos de completa escuridão.
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