PORTAL IZA ZILLI
Iza Zilli
Comendador Francisco
Souto Neto
Portugal, meu vovozinho
Francisco Souto Neto
Estive em Portugal uma única vez, em
1980... e é incrível que nunca tenha retornado àquela maravilhosa terra. Talvez
por ser a porta de entrada à Europa e o país europeu mais próximo ao Brasil,
temos a sensação de que “Portugal está logo ali, bem pertinho”, onde poderemos
ir passear na hora que desejarmos. Por isso, escolhemos sempre viajar aos
países mais remotos, aos quais nunca sabemos se haveremos de voltar algum dia,
e assim vou adiando o retorno a Portugal.
Fiz o percurso Rio de Janeiro –
Lisboa a bordo de um Jumbo da TAP. Naquele tempo era habitual que senhoras
viajassem calçando sapatos de salto alto e os homens trajando terno e gravata. Os
aviões eram mais confortáveis do que os atuais, com mais espaço entre as
poltronas. Quem voasse através daquela companhia portuguesa, ganhava uma noite
em hotel de quatro estrelas em Lisboa, um citytour
pelas maiores atrações turísticas da capital, e ainda uma noitada com jantar
numa casa de fado. Bons tempos, aqueles.
A viagem iniciada por Lisboa foi
muito extensa, com dois meses de duração, isto porque eu trabalhava no
Banestado e acabava de receber uma licença-prêmio de 60 dias. Visitei Portugal
em duas etapas: primeiro, passei apenas uma noite em Lisboa, e no dia seguinte
dei início a viagens sempre por estradas de ferro – devido a meu fascínio por trens
– que me levaram até à Escandinávia. Eu portava um Eurailpass que me dava direito a viajar durante 30 dias em 1ª
classe através de inúmeros países. Quando eu optava por viajar à noite, pagava
a diferença pelo uso de uma cabine-leito. Após quatro semanas de passeios,
retornei a Lisboa, onde permaneci durante alguns dias, antes de dar sequência à
segunda parte da viagem, que foi atravessar o Atlântico rumo a Nova York, para
passar duas ou três semanas em visita a meu irmão e cunhada que lá residiam.
Lisboa
Uma das mais antigas nações da
Europa, Portugal foi criado em 1139, quase 350 anos antes da Espanha. Na Era
dos Descobrimentos, Portugal e Espanha eram as senhoras do mundo. Tinham as
maiores esquadras, que as tornavam os países mais poderosos do continente.
FOTO 1 – Estação ferroviária do Rossio.
FOTO 2 – Casario de
Lisboa.
FOTO 3 – Casario de Lisboa, com automóveis da
época (ano de 1980) em foto de Francisco Souto Neto.
FOTO 4 – Praça do
Comércio.
FOTO 5 – Francisco Souto
Neto nas ruínas da Igreja do Carmo, o que restou do terremoto de 1755.
FOTO 6 – Francisco Souto
Neto nas ruínas da Igreja do Carmo, o que restou do terremoto de 1755.
A capital portuguesa situa-se a 17
quilômetros do oceano Atlântico, na margem norte do estuário do Tejo. Na metade
do século XVIII Lisboa era uma cidade muito próspera, famosa por sua riqueza.
Mas uma catástrofe devastadora se avizinhava.
FOTO 7 – Terremoto e
maremoto de 1755 numa gravura antiga.
O centro de Lisboa foi completamente
arrasado por um terremoto em 1º de novembro de 1755. Mais de vinte igrejas
desabaram, esmagando as multidões que assistiam às missas em comemoração ao Dia
de Todos os Santos. Incêndios espalharam-se pelas ruínas da cidade, e uma hora
depois as gigantescas ondas de um maremoto destruíram o que restou. Morreram
cerca de 15 mil pessoas. Mais da metade do país foi atingida, e os tremores
foram sentidos na Espanha, França e Itália.
Enquanto os sobreviventes discutiam
se o terremoto seria um fenômeno natural ou a manifestação de um castigo
provocado pela ira divina, e os religiosos profetizavam novas catástrofes, o
Marquês de Pombal declarou lucidamente: “Enterrem os mortos e alimentem os
vivos”, e começou imediatamente a projetar a reconstrução da cidade destruída.
Seu projeto foi muito moderno, com ruas retas, e deu à capital portuguesa as
feições que hoje conhecemos.
Em 2013 o Jornal Hoje, da Rede Globo,
publicou uma reportagem sobre o terremoto e maremoto de 1755, e a reconstrução
de Lisboa, que pode ser assistido neste link:
Fiz passeios a muitas atrações
turísticas de Lisboa e locais históricos, tais como a Praça do Comércio, ruínas
do Castelo de São Jorge, Convento do Carmo (as paredes da igreja gótica
permanecem em pé, embora telhado e arcos tenham sucumbido ao terremoto de
1755), Torre de Belém, Mosteiro dos Jerônimos, Museu Nacional dos Azulejos e
dos Coches e a diversas igrejas de interiores resplandecentes.
Neste artigo, entretanto, vou me
referir unicamente a Alfama, o bairro boêmio, com suas ruas tortuosas e
espremidas, íngremes, que fazem o charme e encanto do lugar. Quando eu subia
aquelas ladeiras, uma senhora idosa que sorria, debruçada numa janela,
observava-me. E lá de cima perguntou-me: “És brasileiro?”. Respondi
afirmativamente. E ela, sempre sorrindo, prosseguiu: “Então digas ao Cacá para
ser menos afoito com a Júlia”. Pouco tempo antes, a novela “Dancing Days”
fizera muito sucesso no Brasil, e naquela ocasião estava sendo exibida em
Lisboa. Cacá era o personagem de Antônio Fagundes e Júlia era Sônia Braga. O divertido
episódio serviu para marcar a penetração da televisão brasileira em Portugal, e
também a simpatia e naturalidade do povo lusitano.
FOTO 8 – O Bairro de
Alfama, com o Castelo de São Jorge ao fundo.
FOTO 9 – Senhora à
janela, um hábito comum ao bairro de Alfama.
Em 1980 existia em Lisboa apenas uma
linha de metrô, com uma variante. Hoje são quatro modernas linhas, e o sistema
está em expansão. Nós, que em 1980 já
esperávamos pela tão propalada construção do metrô de Curitiba, continuamos –
“esperando Godot” – a ver navios, em passos de tartaruga. Porém o meio de
transporte que mais me encanta em Lisboa é o bonde, que lá se chama eléctrico. Para
eles, “ponto do bonde” é “paragem do eléctrico”. Usam ainda modelos antigos,
por isso mesmo muito mais poéticos do que “bondões” modernos. Até mesmo o sinal
para a partida dos bondes, um sininho que soa um discreto “tim”, combina com a
delicadeza do povo português.
FOTO 10 – Bonde de
Lisboa.
FOTO 11 – Bondes de
Lisboa.
FOTO 12 – Bondes de
Lisboa.
FOTO 13 – Bonde de
Lisboa.
Os nomes de ruas em Lisboa, como
também em todo o país, são muito pitorescos. Ao contrário do Brasil, onde
proliferam os nomes de pessoas, em Portugal as ruas lembram coisas e fatos
ligados à história que envolve as vias públicas. Alguns exemplos: Beco do
Surra, Praça da Alegria, Calçada do Cascão, Rua do Saco, Largo do Rato, Rua do
Paraíso, Beco do Carrasco, Rua do Pau da Bandeira, Travessa do Judeu, Rua da Triste-Feia, Calçada
do Forte, Rua do Poço dos Negros, Rua Fresca.
FOTO 14 – Torre de Belém.
FOTO 15 – Mosteiro dos
Jerônimos.
FOTO 16 – Detalhe do
Mosteiro dos Jerônimos.
FOTO 17 – Carruagens no Museu dos Coches.
FOTO 18 – Museu dos Coches.
O filme de Lisboa que fiz no ano de 1980 em Super-8
mudo (posteriormente sonorizado) poderá ser visto neste endereço do YouTube:
Num daqueles dias tomei um trem rumo
à cidade do Porto e lá passei a tarde, para conhecer a urbe e visitar os locais
ligados à história do meu trisavô portuense, António José Alves Souto, o
Visconde de Souto (1813-1880).
Porto
Chega-se à cidade do Porto através da
Estação São Bento, na Praça de Almeida Garrett, onde há alguns prédios com
quatro a cinco andares de admirável diversidade arquitetônica.
FOTO 19 – Cidade do
Porto às margens do Douro.
FOTO 20 – Centro da
cidade do Porto.
FOTO 21 – Bonde da cidade
do Porto.
FOTO 22 – Ponte de Dom
Luís I, que liga a cidade do Porto à antiga Cale, hoje Vila Nova de Gaia.
FOTO 23 – Casario da
cidade do Porto.
FOTO 24 – Casario da
cidade do Porto.
FOTO 25 – Ladeira da
cidade do Porto.
A importância da cidade do Porto para
a História de Portugal, vai expressa no primeiro parágrafo do primeiro capítulo
da biografia (ainda inédita) do Visconde de Souto, que eu e minha prima Lúcia
Helena Souto Martini escrevemos em coautoria:
Foz do rio Douro. Na
margem direita, Portus, hoje cidade do Porto, cujas origens remontam à Idade do
Bronze, à civilização asturiana, de 3 a 4 mil anos a.C.; na margem esquerda
Cale, atualmente Vila Nova de Gaia, povoação estrategicamente estabelecida
pelos romanos junto a uma estrada. Cidades irmãs que se complementam. Portus e
Cale — Portugal.
Em primeiro lugar fui conhecer a Rua
do Souto, que naquele tempo eu pensava que homenageasse a família Souto. Ledo
engano. O nome da rua resultou da existência, em tempos remotos, de um “souto
de carvalheiras” que existiu às margens do Rio da Villa que corria por ali, agora
canalizado e subterrâneo. “Souto” é um bosque ou mata que ladeia um rio.
“Carvalheira” é um pequeno carvalho silvestre. Mas a palavra “souto” designa
também uma árvore de grande porte, a castanheira, muito abundante no interior
norte e centro de Portugal, cujo fruto (ouriço) contém a castanha, uma semente que
formou, juntamente com o trigo, cevada e centeio, a base da alimentação em
Portugal até ao século XVII. Consultando antigos documentos, podemos dizer que,
como nome próprio, a família Souto é uma das mais antigas e honradas da história
de Portugal. Encontramo-la em diferentes épocas e localidades, com numerosos
personagens ilustres. Há registros da família Souto já no século XIII, que a
torna uma das mais antigas da Península Ibérica. Na Espanha o nome é grafado
“Soto”.
A Rua do Souto é bem próxima à
Estação de São Bento. Basta atravessar a Avenida Dom Afonso Henriques e entrar
na Rua de Mouzinho da Silveira. A apenas 130 metros de distância, do lado
esquerdo, há uma fonte na forma de um gigantesco meio círculo; em seguida a
calçada se retrai para abrigar um chafariz, e dali há uma rampa paralela à Mouzinho
da Silveira, que conduz à estreita entrada da pequena Rua do Souto, que tem apenas
70 metros de extensão. Essa ruela tem o traçado irregular, característica da Idade
Média, e termina num largo cortado pela Rua da Bainharia e Rua dos Pelames,
para prosseguir sob o nome de Rua Escura. É estreita, em alguns pontos
estreitíssima, na qual não trafegam carros. Quando lá estive, a rua estava
totalmente tomada por uma movimentada feira livre, muito pitoresca.
FOTO 26 – Placa da Rua do
Souto. Foto de Francisco Souto Neto.
FOTO 27 – Feira na Rua
do Souto. Foto de Francisco Souto Neto em 1980.
O Visconde de Souto nasceu na Rua
Nova de São João (hoje Rua de São João Novo). Em linha reta, situa-se a apenas
600 metros da porta da Estação de São Bento e tem a extensão de 100 metros.
Embora em passado recente se julgasse possível, hoje seria inviável apontar com
exatidão a casa natal do Visconde. Deve ser alguma delas do lado direito, ao
início da ladeira que vai culminar na Igreja de São João Novo, construída em
1539. Entretanto, não há como não imaginar o meu trisavô quando menino, 200
anos passados, correndo em folguedos com amiguinhos naquela ladeira...
FOTO 28 – Rua Nova de São
João. Foto de Francisco Souto Neto em 1980.
FOTO 29 – Rua Nova de São
João. Quando ainda se chamava Rua de São João Novo, em 1813, numa dessas casas
nasceu o Visconde de Souto. Foto de Francisco Souto Neto em 1980.
Um costume que na ocasião me
escandalizou, mas que depois percebi ser habitual em outras cidades como Paris
e Roma: a existência de mictórios públicos nas calçadas. Os da cidade do Porto
eram de metal, cilíndricos, mas com as paredes baixas, que chegavam só até aos
ombros ou metade do rosto do usuário. A parte inferior também era vazada, isto
é, começava a uma altura de uns dois palmos do chão. Que passasse por ali, via
não só o rosto, ou parte do rosto de quem estava a urinar, como avistava também os pés e a urina
escorrendo para o escoadouro do solo.
FOTO 30 – Mictório
público numa das esquinas da cidade do Porto; o velho senhor aproveita para
olhar o movimento da rua... Foto de Francisco Souto Neto em 1980.
Os europeus, de maneira geral, não
são muito discretos quando se trata de urinar. Seja como for, é preferível que
mictórios públicos sejam construídos nas calçadas, nas esquinas, do que não
sejam construídos em lugar algum, tal como ocorre nas cidades brasileiras.
Em 1980 não existia metrô no Porto. A
primeira linha foi inaugurada em 2002. É incrível o poder da vontade política:
desde então, mais cinco novas linhas de metrô já foram lá inauguradas.
Fiz vários passeios na cidade do
Porto, e o mais marcante foi andar pelas margens do Rio Douro, vendo a Ponte de
Dom Luís I, de metal, em dois andares, que liga o Porto à Vila Nova de Gaia, projetada
por um assistente de Gustave Eiffel e inaugurada em 1886.
Abaixo, o filme que em 1980 fiz em Super8
mudo, posteriormente sonorizado, do meu retorno a Lisboa (após um mês viajando
de trem através da Europa até à Escandinávia), quando passei uma tarde na cidade do
Porto. No endereço do YouTube abaixo, poderão ser vistos o Porto e Lisboa:
Retornei a Lisboa e dois dias depois
embarquei rumo a Nova York, para visitar meu irmão e cunhada. Durante a
travessia sobre o Atlântico, fiquei a recordar Portugal, com a sensação de ser
aquele país uma extensão do Brasil. De fato é. Não apenas pelo idioma, e não
somente pela semelhança da arquitetura dos séculos passados, mas também por
algo de atávico, quase diria de genético, que parece gritar ao espírito: “aí
estão fincadas as suas raízes; aí é também a sua terra”. Sem dúvida, somos
todos luso-brasileiros.
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