PORTAL IZA ZILLI
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Iza Zilli
Comendador Francisco Souto Neto
Túnis e Sidi-Bou-Said:
belezas e esquisitices da Tunísia
Francisco Souto Neto
Quando eu viajo na companhia de
outras pessoas, o roteiro é escolhido após muitas reuniões prévias e discussões
para chegarmos a um resultado que seja do agrado de ambas as partes. Nada mais
justo, já que todas as despesas são divididas. Roteiro, percurso, tipo de
transporte, hotéis escolhidos... tudo é resultado de semanas e até meses para chegarmos
a um denominador comum.
FOTO 1 – Túnis, capital da
Tunísia.
Em 2001 fui para o Exterior com o
companheiro de várias viagens, Rubens Faria Gonçalves. Resolvemos incluir em nosso roteiro um
cruzeiro de sete dias através de portos do Mar Mediterrâneo. Dentre os vários
percursos, optamos por um que incluísse uma escala em Túnis, capital da
Tunísia, um país que se localiza ao norte da África, entre a Argélia e a Líbia,
cujo território é tocado pelas areias do Deserto do Sahara. Queríamos conhecer
os ares da cidade que surgiu no lugar da poderosa Cartago, aquela que chegou a
contar com meio milhão de habitantes e que ao final
da terceira guerra púnica, no ano 146 d.C., foi completamente arrasada até aos
seus alicerces, e o chão salgado para que ali nada mais crescesse.
No link abaixo, Ella Fitzgerald canta
“Night in Tunisia”, criando um clima adequado à viagem:
Nós viajaríamos a bordo do navio
italiano Costa Riviera, com início e fim no porto italiano de Savona.
A Tunísia em 2001, quando viajamos, e a Tunísia hoje, em 2016.
Em 2001 Zine El Abidine Ben Ali era o
presidente do país, que assumira o poder em 1987 num golpe de Estado. Ele, a
esposa e os dois filhos tornaram-se corruptos ao extremo, promovendo escândalos
até internacionais. Seu governo não admitia organizações de direitos humanos e
não havia liberdade de expressão. Tudo começou a mudar em 2010 com a Revolução
de Jasmim, que levou o presidente corrupto a renunciar em 2011. Assumiu a
presidência Moncef Marzouki, que deu início, efetivamente, a uma democratização
no país que conta, ainda, com resistência dos extremistas e fanáticos
religiosos, mas a Tunísia está rumando à modernidade.
É preciso observar que o meu relato,
abaixo, ocorreu no tempo do governo repressor e corrupto de Ben Ali.
O complicado visto para entrar na Tunísia
Ainda no Brasil, quando faltavam
apenas quatro dias para o nosso embarque à Europa, recebi o nervoso telefonema
da nossa agente de turismo Marlene Kroeker, informando-me do surgimento de um
problema envolvendo a Tunísia. Até então, passageiros de navios de cruzeiro não
precisavam de visto para entrar naquele país, mas ela acabara de receber uma
informação das Líneas C de que, doravante, todo passageiro precisaria ter visto
de entrada em seu passaporte. Como a Tunísia não tinha consulado nem em
Curitiba, nem São Paulo, nossos passaportes teriam que ser enviados a Brasília.
Aconselhei-me com Rubens e ponderamos que seria muito arriscado mandarmos os
passaportes a Brasília sem a certeza de recebê-los de volta a tempo, em apenas
quatro dias. Afinal, sem eles nós nem poderíamos sair do Brasil. Decidimos
então que não desceríamos no porto de Túnis, permanecendo a bordo durante
aquela escala. Marlene argumentou que aquilo não seria possível e explicou-nos:
“Sem o visto de entrada na Tunísia, os passageiros nem sequer poderão embarcar
em Savona”. Resolvemos cancelar o cruzeiro, mas a agente de viagens argumentou que
um cancelamento em tão curto espaço de tempo – apenas quatro dias – nos seria
enormemente oneroso. Como consequência e com a providencial intercessão de
Marlene Kroeker, decidimos enviar por seu intermédio os passaportes para
Brasília através de um serviço especial e de emergência, e rezar para que os
mesmos nos fossem devolvidos a tempo do nosso embarque em Curitiba. É claro que
nós também telefonamos à Embaixada da Tunísia, e felizmente tivemos da
atenciosa assessora do embaixador a certeza de que, se os nossos passaportes
chegassem às suas mãos no dia seguinte, ela pegaria os vistos imediatamente
porque, por sorte, o embaixador não tinha viagens agendadas, e na manhã do
quarto dia os passaportes estariam de volta às nossas mãos... e assim
aconteceu. Foram, entretanto, quatro dias de estresse. A informação que recebi
a respeito do motivo do incidente, foi a de que aquela inesperada exigência da
Tunísia ocorreu devido a um problema diplomático surgido entre aquele país
islâmico e a Itália. Seja como for, a verdade é que a qualquer época viagens a
países muçulmanos podem causar muito estresse ao turista ocidental.
Esquisitices de Túnis e as fotos proibidas
Antes do desembarque tivemos um
encontro com as autoridades tunisianas que subiram a bordo. Todos os
passageiros passaram por uma rápida entrevista. Quando chegou minha vez e
perguntaram minha profissão, respondi: “advogado e jornalista”. O entrevistador
levantou as duas sobrancelhas e começou a fazer extensas perguntas: para quais
jornais e revistas eu escrevia, sobre o que escrevia, há quanto tempo o fazia,
se escrevia durante a viagem... e assim prosseguimos por um tempo bem longo.
Tive a impressão de que eles temiam os jornalistas estrangeiros e que nos tomavam
como uma ameaça.
Desembarcamos. Ao lado do navio, um
ônibus que “falava” em espanhol estava à nossa espera. Embarcamos no veículo e
fomos levados por uns 10 quilômetros até à medina, isto é, ao centro histórico
da capital. A paisagem era feia, arenosa e seca, típica das regiões desérticas,
o solo cheio de pedrinhas e a cidade não era limpa. O trânsito infernal foi por
mim filmado (o link do filme será
encontrado ao final deste artigo), o que fiz para que não nos esquecêssemos do
congestionamento e dos gestos raivosos do motorista do nosso ônibus, espremido
sob um viaduto, entre carros que se desviavam em todas as direções. Chegamos
incólumes ao destino, a Praça Kasbah, e desembarcamos perto de uma das portas
de acesso ao grande mercado coberto, ao lado do palácio presidencial e do
primeiro-ministro. Foi ali que vimos o único jardim – e bem pequeno – no país.
Nosso guia advertiu a todos que era proibido fotografar para o lado dos dois
palácios. Olhamos ao redor e vimos muitos guardas portando metralhadoras.
Naquele momento, de algum modo, lembrei-me da Argentina e do Brasil nos
sombrios tempos da ditadura.
FOTO 2 – Praça Kasbach, com
os palácios do Presidente da Tunísia e do 1º Ministro. Foto de Kassus na
Internet.
FOTO 3 – Guarda da Praça
Kasbach. Foto da internet.
FOTO 4 – Embora não fosse
permitido fotografar, vários turistas desobedeceram, como a moça à direita, e
Souto Neto também rapidamente tirou uma foto de Rubens Faria Gonçalves com um
dos palácios ao fundo.
FOTO 5 – Mais uma foto em
local proibido: o único jardim florido que Souto Neto e Rubens viram na
Tunísia, na Praça Kasbach.
FOTO 6 – Francisco Souto
Neto andando pelas ruas de Túnis.
O toalete, o xixi complicado e o buraco negro
A visita ao grande mercado foi
fascinante, como costumam ser os bazares dos países árabes, com muita cor,
becos esquisitos e lojas estranhas que vendem principalmente badulaques. Numa
das lojas fomos avisados pelo nosso guia de que poderíamos usar o toalete. Fui
com o Rubens ao local indicado, onde entra um de cada vez. No lugar da porta, encontramos
um pano pendurado. Empurrei-o e entrei num cubículo onde havia outro pano igualmente
pendurado. Afastei-o e achei uma porta que dava para um buraco negro. Comecei a
procurar pelo interruptor, sem sucesso. Ainda bem que o xixi não era muito
urgente. O guia, atento a tudo, e talvez temeroso de que eu por engano urinasse
na parede, apareceu para me socorrer e acendeu a luz. O toalete era um lugar de
pouca higiene, com uma privada muito antiga e uma torneira ao lado, sob a qual
havia um balde. Tradicionalmente, em tais países não se usa papel higiênico e,
sim, a mão esquerda, que esta é a utilizada para atos “impuros”, tal como dizem
eles. A torneira e o balde são para limparem-se ou para lavarem a mão impura... e os que forem destros,
que se adaptem por força da lei. O banheiro daquela loja estava fora da lei,
pois o balde com água estava à direita, e não à esquerda, de quem se senta à
privada. Filmei o ambiente e logo ouvi o Rubens apressar-me do lado de fora.
Saí, cedendo-lhe o lugar. Após retornar pelas duas portas de pano, preparei a
câmera para filmar o meu amigo quando saísse de lá. Ele, ao sair, apagou a luz
num ato mecânico, e então a moça que esperava na fila (pois a mesma privada é
utilizada indiferentemente por homem ou mulher) levantou o pano e deu de cara
com um buraco negro, o que a paralisou instantaneamente. O Rubens
cavalheirescamente retornou e socorreu-a, acendendo a luz. Ouvi dela um “thank
you” abafado. E é assim que um simples xixi assume importância em memórias de
viagens.
FOTO 7 – Corredores do
Grande Bazar.
FOTO 8 – Corredores do
Grande Bazar.
FOTO 9 – Corredores do
Grande Bazar.
FOTO 10 – Belo detalhe de
uma das lojas.
FOTO 11 – Rubens Faria
Gonçalves no Grande Bazar de Túnis.
FOTO 12 – Francisco Souto
Neto no Grande Bazar de Túnis.
Fomos depois levados a uma loja de
tapetes, onde nos ofereceram um gostoso chá de menta enquanto assistíamos à
exibição das mercadorias. Isto terminado, convidaram-nos a subirmos ao terraço
no terceiro andar para vermos e fotografarmos os bonitos telhados de Túnis.
FOTO 13 – Telhados de Túnis
FOTO 14 – Rubens Faria
Gonçalves e os telhados de Túnis.
FOTO 15 – Francisco Souto
Neto e os telhados de Túnis.
Voltamos ao ônibus, mas não podíamos
partir porque um passageiro – de uma família formada por marido, mulher, filha
de uns sete anos e filho de uns quatro – tinha ficado perdido na medina. O guia
voltou para tentar localizá-lo enquanto a mulher procurava se controlar,
possivelmente para não traumatizar ainda mais a menina que já estava aos
prantos. Depois de muito tempo, o guia voltou com o “marido perdido” e quando
entraram no ônibus receberam um grande aplauso com gritos de entusiasmo.
Sidi-Bou-Said e uma passageira perdida
Atravessamos a antiga Cartago. Não vimos
ruínas propriamente ditas, mas somente algumas pequenas pedras ao rés do chão,
em meio à vegetação já esquecida do sal, e cruzamos um bairro elegante,
arborizado e com mansões. Ao passarmos em frente à residência do presidente do
país, o guia disse que apenas olhássemos, mas era expressamente proibido filmar
ou fotografar. Acrescentou que estávamos sendo monitorados e que qualquer
infração nos causaria graves problemas. Nosso ônibus passou chispado pela
maravilhosa mansão proibida, deixando-me impressionado com o garbo dos dois
guardas que vi plantados no portão, com vistosos capacetes que eram, se não me
equivoco, engalanados com plumas. Eles ostentavam capas brancas que iam até aos
saltos das botas. Parecia coisa de contos-de-fadas, mas aqueles elegantes
guardas seguravam metralhadoras.
Chegamos a Sidi-Bou-Said, uma
encantadora pequena vila que tem como mais característico o fato de as casas
serem todas brancas, mas com portas, janelas e umbrais azuis. Pudemos passear
livremente durante 30 minutos, cuidando para não nos atrasarmos. Mas alguém se
atrasou: uma senhora que alguns, o Rubens inclusive, viram tomando café num dos
bares. Rubens observara que ela olhava para dentro do bar e não para fora. Todos
aguardávamos nervosamente dentro do ônibus, porém aquela senhora não foi
encontrada pelo guia. Fomos embora sem ela. Uma funcionária do navio, que nos
acompanhava, ficou em Sidi-Bou-Said para tentar encontra-la, mas nós não
soubemos, e nunca saberemos, como terminou o triste episódio.
FOTO 16 – Sidi-Bou-Said com
suas paredes brancas e portas e janelas azuis.
FOTO 17 – Sidi-Bou-Said com
suas paredes brancas e portas e janelas azuis.
FOTO 18 – Sidi-Bou-Said com
suas paredes brancas e portas e janelas azuis.
FOTO 19 – Sidi-Bou-Said com
suas paredes brancas e portas e janelas azuis.
FOTO 20 – Sidi-Bou-Said com
suas paredes brancas e portas e janelas azuis.
FOTO 21 – Comércio de
Sidi-Bou-Said.
FOTO 22 – Comércio de
Sidi-Bou-Said.
FOTO 23 – Souto fotografa
Rubens em Sidi-Bou-Sai retornando ao ônibus para leva-los de volta ao navio.
O navio deveria zarpar às 18,30h e ao
sairmos de Sidi-Bou-Said já eram 18,25h. O ônibus “voou” para o porto, ao qual
chegamos às 18,50h. Tomamos rápidos banhos e nos dirigimos atrasados para o
restaurante às 19,10h, quando o Costa Riviera já deixava a África no horizonte
distante. Pensávamos na passageira que ficou perdida numa vila tunisiana,
quando os garções começaram a cantar O
Sole Mio! É que aquela era a “noite italiana” a bordo. Todos os passageiros
levantaram-se e começaram a brincar de “trenzinho” entre as mesas do
restaurante. Para não sermos exceção, entramos também no “trenzinho”. Melhor
dizendo, primeiro foi o Rubens. Logo depois, peguei qualquer rabeira. O Sole Mio!
No link abaixo, pode-se assistir ao filme que fizemos na Tunísia, com
muitas das cenas que comentei neste artigo:
Only You
Mais tarde, atendendo a convite do
capitão, fomos ao coquetel dos “clientes fiéis”. De lá, dirigimo-nos
diretamente ao show, aquela noite a encargo de um único artista, Tommy Smiley (faleceu
em 2006, cinco anos após minha viagem à Tunísia), vocalista da banda The Platters. Começou cantando Only You com o
vozeirão que o tornou famoso. A certa altura do show, desceu do palco e veio
diretamente na minha direção na primeira fila. Parecia mostrar-me a mão
enquanto cantava. Levei um susto, sem entender, mas em apenas um segundo
compreendi que ele esticara a mão para cumprimentar-me. Cumprimentei-o
efusivamente. Ele repetiu o cumprimento ao Rubens e a mais uns cinco
passageiros, retornando ao palco. Ao final, foi aplaudido em pé por muito
tempo.
FOTO 24 – Tommy Smiley,
integrante do grupo The Platters.
FOTO 25 – Capa de um dos
inúmeros discos de The Platters. Tommy é o último à direita.
Quem desejar ouvir o artista com o
conjunto The Platters cantando Only You, poderá clicar neste link:
Naquela noite descobrimos que, além
de nós, havia somente mais três brasileiros a bordo, que depois conhecemos: era
um jovem casal paulista acompanhado da filha de uns sete anos.
Na manhã seguinte chegaríamos a
Palermo, na Sicília, onde também contratamos uma excursão com o nome de
“Palermo dos Mistérios”. Faríamos uma visita aos mortos de uma catacumba, o que
poderá ser encontrado neste link:
-o-
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