sexta-feira, 3 de junho de 2016

TÚNIS E SIDI-BOU-SAID: BELEZAS E ESQUISITICES DA TUNÍSIA pelo Comendador FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI

PORTAL IZA ZILLI

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Mercado em Tunis, capital da Tunísia

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Túnis e Sidi-Bou-Said:
belezas e esquisitices da Tunísia
Francisco Souto Neto
Quando eu viajo na companhia de outras pessoas, o roteiro é escolhido após muitas reuniões prévias e discussões para chegarmos a um resultado que seja do agrado de ambas as partes. Nada mais justo, já que todas as despesas são divididas. Roteiro, percurso, tipo de transporte, hotéis escolhidos... tudo é resultado de semanas e até meses para chegarmos a um denominador comum.

FOTO 1 – Túnis, capital da Tunísia.

Em 2001 fui para o Exterior com o companheiro de várias viagens, Rubens Faria Gonçalves.  Resolvemos incluir em nosso roteiro um cruzeiro de sete dias através de portos do Mar Mediterrâneo. Dentre os vários percursos, optamos por um que incluísse uma escala em Túnis, capital da Tunísia, um país que se localiza ao norte da África, entre a Argélia e a Líbia, cujo território é tocado pelas areias do Deserto do Sahara. Queríamos conhecer os ares da cidade que surgiu no lugar da poderosa Cartago, aquela que chegou a contar com meio milhão de habitantes e que ao final da terceira guerra púnica, no ano 146 d.C., foi completamente arrasada até aos seus alicerces, e o chão salgado para que ali nada mais crescesse.

No link abaixo, Ella Fitzgerald canta “Night in Tunisia”, criando um clima adequado à viagem:


Nós viajaríamos a bordo do navio italiano Costa Riviera, com início e fim no porto italiano de Savona.

A Tunísia em 2001, quando viajamos, e a Tunísia hoje, em 2016.

Em 2001 Zine El Abidine Ben Ali era o presidente do país, que assumira o poder em 1987 num golpe de Estado. Ele, a esposa e os dois filhos tornaram-se corruptos ao extremo, promovendo escândalos até internacionais. Seu governo não admitia organizações de direitos humanos e não havia liberdade de expressão. Tudo começou a mudar em 2010 com a Revolução de Jasmim, que levou o presidente corrupto a renunciar em 2011. Assumiu a presidência Moncef Marzouki, que deu início, efetivamente, a uma democratização no país que conta, ainda, com resistência dos extremistas e fanáticos religiosos, mas a Tunísia está rumando à modernidade.

É preciso observar que o meu relato, abaixo, ocorreu no tempo do governo repressor e corrupto de Ben Ali.

O complicado visto para entrar na Tunísia

Ainda no Brasil, quando faltavam apenas quatro dias para o nosso embarque à Europa, recebi o nervoso telefonema da nossa agente de turismo Marlene Kroeker, informando-me do surgimento de um problema envolvendo a Tunísia. Até então, passageiros de navios de cruzeiro não precisavam de visto para entrar naquele país, mas ela acabara de receber uma informação das Líneas C de que, doravante, todo passageiro precisaria ter visto de entrada em seu passaporte. Como a Tunísia não tinha consulado nem em Curitiba, nem São Paulo, nossos passaportes teriam que ser enviados a Brasília. Aconselhei-me com Rubens e ponderamos que seria muito arriscado mandarmos os passaportes a Brasília sem a certeza de recebê-los de volta a tempo, em apenas quatro dias. Afinal, sem eles nós nem poderíamos sair do Brasil. Decidimos então que não desceríamos no porto de Túnis, permanecendo a bordo durante aquela escala. Marlene argumentou que aquilo não seria possível e explicou-nos: “Sem o visto de entrada na Tunísia, os passageiros nem sequer poderão embarcar em Savona”. Resolvemos cancelar o cruzeiro, mas a agente de viagens argumentou que um cancelamento em tão curto espaço de tempo – apenas quatro dias – nos seria enormemente oneroso. Como consequência e com a providencial intercessão de Marlene Kroeker, decidimos enviar por seu intermédio os passaportes para Brasília através de um serviço especial e de emergência, e rezar para que os mesmos nos fossem devolvidos a tempo do nosso embarque em Curitiba. É claro que nós também telefonamos à Embaixada da Tunísia, e felizmente tivemos da atenciosa assessora do embaixador a certeza de que, se os nossos passaportes chegassem às suas mãos no dia seguinte, ela pegaria os vistos imediatamente porque, por sorte, o embaixador não tinha viagens agendadas, e na manhã do quarto dia os passaportes estariam de volta às nossas mãos... e assim aconteceu. Foram, entretanto, quatro dias de estresse. A informação que recebi a respeito do motivo do incidente, foi a de que aquela inesperada exigência da Tunísia ocorreu devido a um problema diplomático surgido entre aquele país islâmico e a Itália. Seja como for, a verdade é que a qualquer época viagens a países muçulmanos podem causar muito estresse ao turista ocidental.

Esquisitices de Túnis e as fotos proibidas

Antes do desembarque tivemos um encontro com as autoridades tunisianas que subiram a bordo. Todos os passageiros passaram por uma rápida entrevista. Quando chegou minha vez e perguntaram minha profissão, respondi: “advogado e jornalista”. O entrevistador levantou as duas sobrancelhas e começou a fazer extensas perguntas: para quais jornais e revistas eu escrevia, sobre o que escrevia, há quanto tempo o fazia, se escrevia durante a viagem... e assim prosseguimos por um tempo bem longo. Tive a impressão de que eles temiam os jornalistas estrangeiros e que nos tomavam como uma ameaça.

Desembarcamos. Ao lado do navio, um ônibus que “falava” em espanhol estava à nossa espera. Embarcamos no veículo e fomos levados por uns 10 quilômetros até à medina, isto é, ao centro histórico da capital. A paisagem era feia, arenosa e seca, típica das regiões desérticas, o solo cheio de pedrinhas e a cidade não era limpa. O trânsito infernal foi por mim filmado (o link do filme será encontrado ao final deste artigo), o que fiz para que não nos esquecêssemos do congestionamento e dos gestos raivosos do motorista do nosso ônibus, espremido sob um viaduto, entre carros que se desviavam em todas as direções. Chegamos incólumes ao destino, a Praça Kasbah, e desembarcamos perto de uma das portas de acesso ao grande mercado coberto, ao lado do palácio presidencial e do primeiro-ministro. Foi ali que vimos o único jardim – e bem pequeno – no país. Nosso guia advertiu a todos que era proibido fotografar para o lado dos dois palácios. Olhamos ao redor e vimos muitos guardas portando metralhadoras. Naquele momento, de algum modo, lembrei-me da Argentina e do Brasil nos sombrios tempos da ditadura.


FOTO 2 – Praça Kasbach, com os palácios do Presidente da Tunísia e do 1º Ministro. Foto de Kassus na Internet.

FOTO 3 – Guarda da Praça Kasbach. Foto da internet.

FOTO 4 – Embora não fosse permitido fotografar, vários turistas desobedeceram, como a moça à direita, e Souto Neto também rapidamente tirou uma foto de Rubens Faria Gonçalves com um dos palácios ao fundo.

FOTO 5 – Mais uma foto em local proibido: o único jardim florido que Souto Neto e Rubens viram na Tunísia, na Praça Kasbach.

FOTO 6 – Francisco Souto Neto andando pelas ruas de Túnis.

O toalete, o xixi complicado e o buraco negro

A visita ao grande mercado foi fascinante, como costumam ser os bazares dos países árabes, com muita cor, becos esquisitos e lojas estranhas que vendem principalmente badulaques. Numa das lojas fomos avisados pelo nosso guia de que poderíamos usar o toalete. Fui com o Rubens ao local indicado, onde entra um de cada vez. No lugar da porta, encontramos um pano pendurado. Empurrei-o e entrei num cubículo onde havia outro pano igualmente pendurado. Afastei-o e achei uma porta que dava para um buraco negro. Comecei a procurar pelo interruptor, sem sucesso. Ainda bem que o xixi não era muito urgente. O guia, atento a tudo, e talvez temeroso de que eu por engano urinasse na parede, apareceu para me socorrer e acendeu a luz. O toalete era um lugar de pouca higiene, com uma privada muito antiga e uma torneira ao lado, sob a qual havia um balde. Tradicionalmente, em tais países não se usa papel higiênico e, sim, a mão esquerda, que esta é a utilizada para atos “impuros”, tal como dizem eles. A torneira e o balde são para limparem-se ou para lavarem a mão impura... e os que forem destros, que se adaptem por força da lei. O banheiro daquela loja estava fora da lei, pois o balde com água estava à direita, e não à esquerda, de quem se senta à privada. Filmei o ambiente e logo ouvi o Rubens apressar-me do lado de fora. Saí, cedendo-lhe o lugar. Após retornar pelas duas portas de pano, preparei a câmera para filmar o meu amigo quando saísse de lá. Ele, ao sair, apagou a luz num ato mecânico, e então a moça que esperava na fila (pois a mesma privada é utilizada indiferentemente por homem ou mulher) levantou o pano e deu de cara com um buraco negro, o que a paralisou instantaneamente. O Rubens cavalheirescamente retornou e socorreu-a, acendendo a luz. Ouvi dela um “thank you” abafado. E é assim que um simples xixi assume importância em memórias de viagens.


FOTO 7 – Corredores do Grande Bazar.

FOTO 8 – Corredores do Grande Bazar.

FOTO 9 – Corredores do Grande Bazar.

FOTO 10 – Belo detalhe de uma das lojas.

FOTO 11 – Rubens Faria Gonçalves no Grande Bazar de Túnis.

FOTO 12 – Francisco Souto Neto no Grande Bazar de Túnis.

Fomos depois levados a uma loja de tapetes, onde nos ofereceram um gostoso chá de menta enquanto assistíamos à exibição das mercadorias. Isto terminado, convidaram-nos a subirmos ao terraço no terceiro andar para vermos e fotografarmos os bonitos telhados de Túnis.


FOTO 13 – Telhados de Túnis

FOTO 14 – Rubens Faria Gonçalves e os telhados de Túnis.

FOTO 15 – Francisco Souto Neto e os telhados de Túnis.

Voltamos ao ônibus, mas não podíamos partir porque um passageiro – de uma família formada por marido, mulher, filha de uns sete anos e filho de uns quatro – tinha ficado perdido na medina. O guia voltou para tentar localizá-lo enquanto a mulher procurava se controlar, possivelmente para não traumatizar ainda mais a menina que já estava aos prantos. Depois de muito tempo, o guia voltou com o “marido perdido” e quando entraram no ônibus receberam um grande aplauso com gritos de entusiasmo.

Sidi-Bou-Said e uma passageira perdida

Atravessamos a antiga Cartago. Não vimos ruínas propriamente ditas, mas somente algumas pequenas pedras ao rés do chão, em meio à vegetação já esquecida do sal, e cruzamos um bairro elegante, arborizado e com mansões. Ao passarmos em frente à residência do presidente do país, o guia disse que apenas olhássemos, mas era expressamente proibido filmar ou fotografar. Acrescentou que estávamos sendo monitorados e que qualquer infração nos causaria graves problemas. Nosso ônibus passou chispado pela maravilhosa mansão proibida, deixando-me impressionado com o garbo dos dois guardas que vi plantados no portão, com vistosos capacetes que eram, se não me equivoco, engalanados com plumas. Eles ostentavam capas brancas que iam até aos saltos das botas. Parecia coisa de contos-de-fadas, mas aqueles elegantes guardas seguravam metralhadoras.

Chegamos a Sidi-Bou-Said, uma encantadora pequena vila que tem como mais característico o fato de as casas serem todas brancas, mas com portas, janelas e umbrais azuis. Pudemos passear livremente durante 30 minutos, cuidando para não nos atrasarmos. Mas alguém se atrasou: uma senhora que alguns, o Rubens inclusive, viram tomando café num dos bares. Rubens observara que ela olhava para dentro do bar e não para fora. Todos aguardávamos nervosamente dentro do ônibus, porém aquela senhora não foi encontrada pelo guia. Fomos embora sem ela. Uma funcionária do navio, que nos acompanhava, ficou em Sidi-Bou-Said para tentar encontra-la, mas nós não soubemos, e nunca saberemos, como terminou o triste episódio.


FOTO 16 – Sidi-Bou-Said com suas paredes brancas e portas e janelas azuis.

FOTO 17 – Sidi-Bou-Said com suas paredes brancas e portas e janelas azuis.

FOTO 18 – Sidi-Bou-Said com suas paredes brancas e portas e janelas azuis.

FOTO 19 – Sidi-Bou-Said com suas paredes brancas e portas e janelas azuis.

FOTO 20 – Sidi-Bou-Said com suas paredes brancas e portas e janelas azuis.

FOTO 21 – Comércio de Sidi-Bou-Said.

FOTO 22 – Comércio de Sidi-Bou-Said.

FOTO 23 – Souto fotografa Rubens em Sidi-Bou-Sai retornando ao ônibus para leva-los de volta ao navio.

O navio deveria zarpar às 18,30h e ao sairmos de Sidi-Bou-Said já eram 18,25h. O ônibus “voou” para o porto, ao qual chegamos às 18,50h. Tomamos rápidos banhos e nos dirigimos atrasados para o restaurante às 19,10h, quando o Costa Riviera já deixava a África no horizonte distante. Pensávamos na passageira que ficou perdida numa vila tunisiana, quando os garções começaram a cantar O Sole Mio! É que aquela era a “noite italiana” a bordo. Todos os passageiros levantaram-se e começaram a brincar de “trenzinho” entre as mesas do restaurante. Para não sermos exceção, entramos também no “trenzinho”. Melhor dizendo, primeiro foi o Rubens. Logo depois, peguei qualquer rabeira. O Sole Mio!

No link abaixo, pode-se assistir ao filme que fizemos na Tunísia, com muitas das cenas que comentei neste artigo:


Only You

Mais tarde, atendendo a convite do capitão, fomos ao coquetel dos “clientes fiéis”. De lá, dirigimo-nos diretamente ao show, aquela noite a encargo de um único artista, Tommy Smiley (faleceu em 2006, cinco anos após minha viagem à Tunísia), vocalista da banda The Platters. Começou cantando Only You com o vozeirão que o tornou famoso. A certa altura do show, desceu do palco e veio diretamente na minha direção na primeira fila. Parecia mostrar-me a mão enquanto cantava. Levei um susto, sem entender, mas em apenas um segundo compreendi que ele esticara a mão para cumprimentar-me. Cumprimentei-o efusivamente. Ele repetiu o cumprimento ao Rubens e a mais uns cinco passageiros, retornando ao palco. Ao final, foi aplaudido em pé por muito tempo.


FOTO 24 – Tommy Smiley, integrante do grupo The Platters.


FOTO 25 – Capa de um dos inúmeros discos de The Platters. Tommy é o último à direita.

Quem desejar ouvir o artista com o conjunto The Platters cantando Only You, poderá clicar neste link:


Naquela noite descobrimos que, além de nós, havia somente mais três brasileiros a bordo, que depois conhecemos: era um jovem casal paulista acompanhado da filha de uns sete anos.

Na manhã seguinte chegaríamos a Palermo, na Sicília, onde também contratamos uma excursão com o nome de “Palermo dos Mistérios”. Faríamos uma visita aos mortos de uma catacumba, o que poderá ser encontrado neste link:



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