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Comendador Francisco Souto Neto
Paris na singeleza de um diário de viagem
Francisco Souto Neto
Quando eu viajo ao Exterior, tenho o
hábito de escrever um diário. Faço um registro singelo e despretensioso das
minhas andanças pelas ruas das cidades que visito. Jamais pensei em mostrar
para amigos, muito menos publicar. Entretanto agora, ao reler as minhas
próprias palavras, mudei de ideia por acreditar que poderá ser uma divertida leitura
para quem se interessar, além de constituir um roteiro de sugestões turísticas.
São impressões da última viagem que fiz a Paris. Estava na companhia do meu
amigo Rubens Faria Gonçalves, quando lá permanecemos durante sete dias e oito
noites. Meu relato abaixo, que vai entre
aspas, feito num dos dias da nossa estada na Cidade Luz, serve para
evidenciar que se trata da transcrição dos meus próprios escritos feitos há
quinze anos... mas que continuam impressionantemente atuais.
As lojas dos antiquários, o parque de diversões das Tulherias,
o senhor idoso de patinete e a Rue St. Denis noturna
“Foram muitos os passeios que até
agora fizemos por Paris, vendo coisas novas e revendo outras. Não vou me deter
nos detalhes, exceto que fomos conhecer o ‘Louvre des Antiquaires’, que
consiste num quarteirão inteiro ao lado do Museu do Louvre inteiramente tomado
por lojas de antiquários, cujos acervos são compostos por tesouros da arte
mundial vendidos a preços inimagináveis.
FOTO 1 – O Louvre des
Antiquaires
FOTO 2 – Atena Gallery, uma
das lojas do Louvre des Antiquaires.
Fomos também ao Museu do Louvre, não ao museu propriamente dito – pois já o conhecemos no passado – mas entramos
pela Grande Pirâmide, fomos ver as lojas e livrarias do subsolo e andamos entre
as fundações medievais até sairmos pelo Arco do Carrossel, tendo passado pela
Pirâmide Invertida que eu ainda não conhecia. Toda aquela área estava em
escavações na primeira metade da década de 90.
FOTO 3 – A Pirâmide
Invertida.
FOTO 4 – Francisco Souto
Neto na Pirâmide Invertida do Louvre.
FOTO 5 – Rubens Faria
Gonçalves nos subterrâneos das fundações medievais do Museu do Louvre.
O Jardim das Tulherias, na margem
oposta ao Sena, está todo tomado por um parque de diversões, um dos mais ricos
que já vi em toda a vida, excetuado, é claro, o Tívoli de Copenhague, que é hors-concours. Havia no parque duas ‘casas
malucas’ [nas quais o Rubens queria entrar e eu me recusei por medo de levar tombos
muito perigosos], além de outros brinquedos, comilanças incríveis, duas imensas
rodas-gigantes e um estranho equipamento redondo, uma esfera metálica, para
ejeção de pessoas em apenas quatro segundos a 60 metros de altura. As pessoas,
de duas em duas, vão e voltam várias vezes, como se fosse numa espécie de
“bungee jumping”, soltando gritos de terror.
Numa das noites, ao passarmos por uma
rua paralela à du Rivoli, atrás do Louvre, vimos uma área que durante o dia serve de estacionamento
de automóveis, e à noite é ocupada por patinadores. Ficam ali os jovens e os
não tão jovens patinando ou sobre patinetes. Vimos um senhor de cabelos brancos
e roupa tradicional que brincava animadamente com seu patinete. Ele ia,
voltava, fazia as curvas em grande velocidade e nós comentamos que no Brasil um
idoso brincando com patinete certamente seria discriminado por preconceito. Nem
posso dizer que ele era ‘aceito’ pelos jovens daquele local, porque acho que
nem sequer era notado. Andar de patinete é moda aqui em Paris, até entre
senhoras e executivos que vão de terno e gravata empurrando o minúsculo veículo
com um dos pés. Aí está um dos méritos de Paris: o pensamento evoluído, o
respeito à liberdade alheia. Em Curitiba não daria nem para tentar, porque as
calçadas são uma vergonha de tão irregulares.
FOTO 6 – No Hôtel Bellevue
et Du Chariot D’Or, Rubens Faria Gonçalves no terraço do apartamento do 3º
andar, fotografado por Francisco Souto Neto.
FOTO 7 – A Rue du Turbigo
vista do terraço do apartamento.
A Rue du Turbigo, onde ficamos
hospedados, é paralela à Rue St. Denis, esta última tomada por lojas de
pornografia e teatros e cinemas com atividades similares. Ao descobrimos isso,
achamos que à noite aquela região poderia ser perigosa, porém depois percebemos
que podíamos passar por ali em segurança sempre que íamos para o nosso hotel, o
Hôtel Bellevue et Du Chariot D’Or. Paris não chega a parecer ameaçadora à
noite”.
Les Ateliers de la Tapisserie Française
“A única compra grande que fiz em
toda a viagem foi em Paris. Há anos eu planejava possuir uma tapeçaria que
tivesse como motivo o unicórnio, e fiz muitas pesquisas que me levaram ao
endereço de Les Ateliers de la Tapisserie Française. Ali as tapeçarias são
feitas artesanalmente, do mesmo modo que na Idade Média. A confecção é
não-mecânica. De posse do catálogo que recebi ainda no Brasil, escolhi La Licorne Captive (O Unicórnio
Aprisionado) e fui à Rue de Chichy disposto a fazer a compra apesar do alto
preço, e a enfrentar a alfândega brasileira. Fomos recebidos entusiasticamente
pelo Monsieur Wehller, com quem eu já trocara vários e-mails e que estava à
minha espera. Adquiri também duas almofadas denominadas ‘Dama ao Órgão’ e ‘Flores
de Lis’.”
FOTO 8 – “La Licorne
Captive” (“O Unicórnio Capturado”), tapeçaria artesanal feita na técnica
medieval “mille fleurs” (“mil flores”).
FOTO 9 – Na porta do
terraço de seu apartamento no Hôtel Bellevue et Du Chariot D’Or, Francisco
Souto Neto exibe a tapeçaria comprada, “La Licorne Captive”, em foto de Rubens
Faria Gonçalves.
O tombo da caixa gordinha
“Descobrimos um Flunch [restaurante
popular, ‘self service’, para refeições rápidas] em Les Halles, onde estivemos
várias vezes tomando refeições. Uma das funcionárias do caixa era gordinha, com
um jeito divertido porque usava o cabelo ‘corte-de-tigela’ e tinha um rosto com
traços galináceos. Numa das vezes em que lá estivemos, vi quando uma freguesa,
após pagar à caixa gordinha, derrubou sua bandeja com um estrondo, esparramando
a comida pelo chão. Sentimos pena da freguesa. Logo veio um funcionário que
limpou o chão, mas acho que o fez precariamente, porque alguns instantes
depois, a caixa gorda ficou muito zangada por algum motivo que nós não
entendemos, gesticulou muito com o freguês e saiu rapidamente do recinto do caixa.
Ao pisar sobre os restos de gordura, escorregou espetacularmente e caiu sentada
na gosma. Cinco pessoas ajudaram-na a levantar-se e ela ria alto, esquecida da
zanga de alguns segundos antes”.
FOTO 10 – Restaurante “self
service” Flunch, para refeições rápidas e de excelente qualidade.
A feira da Rive Droîte
“Um dos passeios que fizemos hoje
merece destaque, que foi andar ao léu pela Rive
Droît [margem direita do Sena] – uma experiência interessante. Ao longo de
uns quarteirões estende-se o mercado de flores, belas e estranhas, e de...
animais! A parte dos animais é tão variada que o visitante se esquece das
horas. Descobrimos ali filhotes à venda dos cães com-cara-de-gente. Anoitei
seus nomes: chamam-se ‘bouledogues françaises’. Há outros da raça ‘bulldog
anglais’. Vendem também gatos, aves de variadas procedências, galinhas de diversos
tipos e outros animais bem estranhos para nós”.
FOTO 11 – Mercado de aves
na Rive Droît (margem direita).
A Catedral de Notre-Dame
“Esquecia-me de anotar que noutro
dia, quando fomos à Catedral de Notre-Dame, desistimos porque a fila para entrar
atravessava a praça. Ao retornarmos ontem, a fila era ainda maior. Sem outra
alternativa, enfrentamos a fila. Quando finalmente entramos no templo (onde já
estive outras vezes, quando não havia fila para entrar), ficamos impressionados
com a multidão que lá estava. Uma enchente humana! U’a massa compacta que se
movia sempre numa mesma direção, mas lentamente, cabeças voltadas para cima,
exclamando muitos ‘oh!’. Era tanta gente que não dava para apreciar com calma a
magnífica construção, seus vitrais e as obras de arte. Ao nosso lado, uma
visitante chorava copiosamente e ao mesmo tempo sorria extasiada olhando a
igreja. Visitar Notre-Dame de Paris talvez fosse dela um antigo sonho?! Quando
as vozes dos visitantes ficavam altas demais, pelos alto-falantes ouvia-se: ‘Psiuuuuuu!
Silence, s’il vous plaît’. As vozes
baixavam instantaneamente por uns momentos, mas logo o burburinho ia
aumentando, e os alto-falantes voltavam a impor o silêncio: ‘Psiuuuuuuu!’. Com
tanta gente no interior da igreja, olhando e apontando para todos os lados,
esvai-se qualquer sensação de solenidade e de religiosidade”.
FOTO 12 – Fila para entrar
na Catedral de Notre-Dame de Paris.
A Santa Capela
“A Santa Capela é mais agradável de
visitar, talvez porque o alto preço do ingresso desanime as multidões de
turistas. Eu já conhecia a Santa Capela, mas o Rubens não, embora ela fique no
meio da sinistra Conciergerie, que ambos já visitamos em anos anteriores, ocasião
em que conhecemos a cela onde esteve presa Maria Antonieta até ser levada à
guilhotina.
Etérea e quase mágica, a
Saint-Chapelle é considerada uma das obras-primas arquitetônicas do mundo. Suas
paredes são formadas por 15 esplêndidos vitrais separados por colunas muito
estreitas. Ela foi construída em 1248 pelo rei Louis IX para abrigar a coroa de
espinhos e outras relíquias de Cristo, daí o seu nome: Santa Capela. O preço
que ele pagou por essas relíquias foi quase três vezes mais do que lhe custou a
construção da Santa Capela. Tão devoto foi o rei Louis IX que a Igreja o
canonizou e hoje é conhecido como São Luís. A entrada ao templo se faz por uma
capela inferior, também bonita, na qual ficavam os servos e as pessoas comuns,
enquanto a maravilhosa capela superior com seus admiráveis vitrais era
reservada unicamente ao rei e à família real. Hoje, felizmente, nós (que
seríamos a ralé) podemos entrar. Ficamos ali sentados durante bastante tempo,
admirando toda aquela beleza. Sempre que vemos coisas interessantíssimas como a
Torre Eifell, a Catedral de Notre-Dame ou alguma pintura ou escultora muito
famosa, dizemos por brincadeira um ao outro: ‘Mas o que significa isto? Pra que
serve?’... e caímos na risada. No interior da Santa Capela foi o Rubens quem
tomou a iniciativa da brincadeira: olhou para mim, apontou aos vitrais e indagou:
‘Mas o que significa isso aí?’. Antes que eu, correspondendo à brincadeira, lhe
respondesse outra bobagem ainda maior, a moça que estava ao nosso lado
perguntou-nos: ‘Ah, são brasileiros?’. Levamos um susto. Acho que ao mesmo
tempo a moça pensou algo como: ‘...que brasileiros ignorantes!’.”
FOTO 13 – Aspecto exterior
da Santa Capela.
FOTO 14 – As paredes da
Santa Capela formadas quase que unicamente por vitrais.
FOTO 15 – O teto da Santa
Capela.
Estar em Paris – a Cidade Luz – é
sentir aguçada a joie de vivre.
Leva-nos a sentirmo-nos, a um só tempo, a criança que ainda vive em todos nós, e
o sábio idoso e culto que todos poderemos vir a ser.
-o-
ADENDO ACRESCENTADO EM 1º.9.2016:
Após alguns anos pendurada numa parede, a tapeçaria "La Licorne Captive" ganhou um lugar especial para ficar exposta permanentemente, na sala da biblioteca da residência de Francisco Souto Neto, num painel móvel sobre a estante de livros. O painel foi executado por Projet Mobile, de Everaldo Muniz Padilha, por indicação da Marcenaria Burbank, de André Luiz Ceccatto, ambos de Curitiba. Abaixo, dois ângulos da tapeçaria sobre o painel em fotos de 2016:
FOTO 16 - Em Curitiba, a tapeçaria que se vê nas fotos 8 e 9 acima, agora sobre o painel executado por Projet Mobile.
FOTO 17 - Sala da biblioteca.
FOTO 18 - Os irmãos da Projet Mobile que realizaram o painel deslizante. À direita, Everaldo Muniz Padilha com seu irmão (à esquerda) Luís Alberto Pereira da Silva.
FOTO 18 - Os irmãos da Projet Mobile que realizaram o painel deslizante. À direita, Everaldo Muniz Padilha com seu irmão (à esquerda) Luís Alberto Pereira da Silva.
-o-
Gostei de visitar Paris através de seu olhar.
ResponderExcluirOi, Ci. Muito obrigado por ter lido, gostado e por comentar. É para mim um estímulo para continuar a escrever. Um grande abraço.
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