Iza Zilli
Capa do Portal Iza Zilli de 17.1.2016.
Comendador FRANCISCO SOUTO NETO
OS CÃES EM NOSSAS VIDAS
Hoje estou me
sentindo bastante nostálgico, lembrando-me da minha infância que já vai tão
distante, e por isso preferi escrever aos meus leitores através de uma crônica
intimista.
No ano de 1948
meu pai transferiu nosso domicílio para Ponta Grossa, para assumir o cargo de
diretor de redação no diário Jornal do Paraná. Fomos morar numa casa grande na
Rua Visconde de Nácar, com seis quartos, dois dos quais no sótão, separados por
um amplo hall no alto da escada.
FOTO 1 – Nossa casa na Rua Visconde de Nácar, em Ponta
Grossa, entre as décadas de 40 e 50 (vinil encerado sobre tela, de Ruben
Esmanhotto).
Durante o dia
eu gostava de brincar no sótão, mas não me descuidava de observar uma porta que
era mantida sempre fechada, localizada na parede do quarto da frente, que
conduzia ao telhado. À noite, porém, eu não subia a escada sozinho porque
sentia um medo enorme de que por aquela porta misteriosa do sótão pudessem sair
os moradores noturnos do telhado: os zumbis, Frankenstein, as almas penadas, o
lobisomem e o terrível “homem-de-ferro” (um robô imaginário).
As galinhas
Minha maior
felicidade naquela fase dos 5 aos 8 anos, era o quintal onde viviam os
cachorros perdigueiros do meu pai e as minhas galinhas de estimação. Naquele
tempo era normal que as casas no centro da cidade fossem providas de
galinheiros. Como toda dona-de-casa, minha mãe comprava galinhas na feira para
eventualmente transformá-las em refeições. Entretanto eu me afeiçoava àquelas
criaturas e dava-lhes nomes. Minha mãe, compreendendo minha afeição pelas aves,
poupava-as. Minha predileta chamava-se Birro. Eu, e todos nós, referíamo-nos a
ela como “o” Birro, mas era uma galinha preta do pescoço pelado. A que se
tornou a mais mansa de todas, chamava-se Dengosa, uma galinha gorda, penas
avermelhadas e crista carnuda. Outra era a Corriqueira, do tipo garnizé de
penas arrepiadas.
Quando minha
mãe matava alguma delas, era sempre uma que tivesse comprado no dia anterior,
para que eu não tivesse tempo de me afeiçoar à mesma. Ainda assim, quando
aparecia uma galinha na mesa do almoço, eu armava um tremendo berreiro. Íamos
então ao galinheiro e eu fazia a contagem das galinhas. De fato, confirmava que
as “de estimação”, praticamente todas, lá estavam ciscando alegremente.
Chegamos a ter mais de 20 galinhas “de estimação” que produziam tantos ovos que
minha mãe os dava às amigas da vizinhança.
Sweet
Tínhamos também
um gato, o Juju, da minha irmã Ivone. Entretanto, minha paixão maior foi sempre
pelos cães – que chamávamos e eu continuo chamando de cachorros. Bopí, Cholo,
Pajé, Boré, Diana, Patori, Cacique, sucederam-se através dos anos, até à minha
adolescência, quando já morávamos no maravilhoso casarão da Rua Augusto Ribas
em Ponta Grossa, entre a XV de Novembro e a Marechal Deodoro.
FOTO 2 – Nosso casarão da Rua Augusto Ribas em Ponta Grossa,
a partir de 1955. Entrava-se pelo portão à direita, subindo a escadaria.
Naquela altura da edificação tínhamos um belo quintal com horta, jardim, cães e
um galinheiro.
FOTO 3 – No fundo do quintal, a fox Sweet acomodada sobre as costas do velho e bom perdigueiro Cacique no ano de 1959.
FOTO 4 – Sweet no ano de 1966 em seu 10º aniversário, “lendo”
Fábulas de La Fontaine.
No ano de
1956, aos 13 anos, minha tia Iraty Souto Emílio presenteou-me com a Sweet, uma
cachorrinha fox. Esta foi a primeira a viver dentro de casa. Era adorável e
morreu de câncer em 1967, antes de completar 11 anos.
Quincas
Meu pai
falecera em 1963 após longa enfermidade, e eu e minha mãe passamos a viver dias
difíceis. Ainda em Ponta Grossa, mudamo-nos para um apartamento de três quartos
na Av. Paula Xavier, entre a XV de Novembro e a Doutor Colares.
Meu irmão
Olímpio, nove anos mais velho que eu, residia em Nova York, casado com Maria
Aparecida. Eles tinham um casal de chihuahuas, ambos com pedigree do American Kennel
Club, que registraram como Cutu Poncho e Pipoca Americana. Estes tiveram
uma única cria, que nasceu de uma cesariana em 1973 e recebeu o nome de Quincas
Little Poncho. Olímpio trouxe esse minúsculo filhote de presente para nossa mãe
e para mim. Quando adulto, seu comprimento pouco passava de um palmo. Como o
pai era de pelo curto e a mãe de pelo longo, o Quincas, visto à distância com
sua cauda de pelos largos sempre levantada em meio círculo, assemelhava-se a um
esquilo. Quando saíamos com ele para passear, os carros paravam e as pessoas
perguntavam “que bicho é esse?”. Não era para tanta estranheza, pois o Quincas
era um cãozinho perfeito... e amoroso.
Como eu
trabalhava e também saía à noite, ele era o companheirinho da minha mãe, embora
dormisse comigo. Toda noite ele ficava uns minutos deitado ao meu lado, mas em
seguida queria descer para ficar no seu minúsculo leito, junto à minha cama. O
Quincas foi retratado por artistas famosos; por exemplo, Rubens Gennaro fez-lhe
duas caricaturas, Dª Ida Hannemann de Campos deu-me de presente um desenho
estilizado do Quincas, Antonio Macedo (autor de retratos de uns seis ou mais
governantes do Paraná, em exposição permanente na galeria dos ex-governadores
no Palácio Iguaçu) pintou-o com minha mãe em óleo sobre tela, Chico Lopes e
Pedro Tikon retrataram-no comigo em desenhos. Quincas tirou fotos nos braços de
atores conhecidos, como Henriqueta Brieba e Carlos Kroeber.
FOTO 5 – Quincas no seu 1º aniversário em 1974, com minha mãe
Dª Edith Barbosa Souto.
FOTO 6 – “Souto Neto e Quincas em seu mundo interior” –
Francisco Souto Neto com Quincas Little Poncho no ombro. Desenho de Chico Lopes
– 1980.
FOTO 7 – “Souto Neto, Quincas e a Arte” – Caricatura de
Rubens Gennaro – 1986.
FOTO 8 – “Souto com sua mãe e Quincas: a vitória do SBAI” –
Caricatura de Rubens Gennaro – 1987.
FOTO 9 – “Dona Edith Barbosa Souto e seu chihuahua Quincas
Little Poncho” – Óleo sobre tela de Antonio Macedo – 1987.
FOTO 10 – Quincas estilizado. Desenho de Ida Hannemann de
Campos – 1988.
FOTO 11 – “Saudade do Quincas” – Desenho de Pedro Ticon –
1990.
Um pouco da
vida do Quincas pode ser visto no seguinte link,
com curtos fragmentos de filmes mudos feitos em Super8 há cerca de 35 anos, no
começo da década de 80: https://www.youtube.com/watch?v=SkOWITyrQTQ
O Quincas morreu de causas naturais em 1989,
aos quase 17 anos, quando eu e minha mãe já morávamos em Curitiba, onde eu
exercia as funções de Assessor da Diretoria (depois da Presidência) e Assessor
para Assuntos de Cultura do Banestado. Minha mãe faleceria oito anos depois
disso, em 1997.
Paco Ramirez
Como o
sofrimento pela morte dos bichinhos de estimação é para mim sempre muito
intenso, não muito diferente da dor pela perda de familiares e amigos, resolvi
que nunca mais teria outros cães. Entretanto, no ano de 2003 comprei um
chihuahua de cores branca e dourada, que registrei no Kennel Club com o nome de
Paco Ramirez, acrescido “de San Martín”, nome do canil, como é de praxe.
FOTO 12 – A chegada do Paco Ramirez em 2003.
FOTO 13 – A vida era uma festa.
FOTO 14 – Aparecer na imprensa tornou-se rotineiro ao Paco.
FOTO 15 – Em 2015, Paco e seu amigo Tibério.
Os motivos que
me levaram a comprar o cachorrinho, foram descritos com enorme sensibilidade
pelo jornalista Adriano Justino, no Caderno Animal da Gazeta do Povo, por ele
intitulado “Paco Ramirez, el corazón de
Souto Neto”, que pode ser lido neste link:
http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2011/09/paco-ramirez-el-corazon-de-souto-neto.html
Paco Ramírez
de San Martín cresceu dócil, até um tanto tímido, alegre, obediente,
inteligente, e nunca mordeu ou avançou contra uma pessoa. Entendia tudo o que
eu lhe falava, e às vezes parecia ler o meu pensamento. Foi como se tivéssemos
descoberto uma forma secreta de comunicação. Dentro de casa, parecia ser a minha
sombra: estava sempre onde eu me encontrava. Dormia comigo, na minha – melhor dizer na nossa – cama. Passeávamos
todas as tardes. Como ele tinha um amigo, um buldogue francês chamado Tibério
Bouledogue (pertencente a Rubens Faria Gonçalves, que mora no mesmo prédio, uns
andares acima do meu), sempre nos telefonávamos na hora do passeio, procurando
possibilitar a saída de ambos os cães juntos, que iam andando alegremente lado
a lado.
O filme
adiante, muito recente, de outubro de 2015, mostra o passeio dos cães Paco e
Tibério, que poderá ser visto neste link
do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=S9NqXI1Ng_Q
Em maio de 2015 o Paco teve um sério problema na vista direita, quase perdeu esse olho, mas foi atendido pelo Dr. Luimar Carlos Kavinski, do Hospital Veterinário São Bernardo, que conseguiu salvar não apenas o seu globo ocular, mas também a visão.
Em setembro o
Paco sofreu uma síncope. Atendido pelo mesmo médico, entrou em rigoroso tratamento
e teve uma significativa melhora. O filme referido um pouco acima, feito um mês
após a síncope, atesta que o Paco levava sua vida praticamente normal.
Na
primeira quinzena de dezembro de 2015, fotografias do Paco apareceram em duas
revistas: na CÃES & CIA nº 438, ao lado do seu amigo Tibério, sob o título “Dupla díspar”, que no momento em que
escrevo esta crônica ainda se encontra nas bancas de revistas de Curitiba (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/dupla-dispar-capa-da-caes-cia-n-438.html ), e também na Revista
Qualidade Brasil (igualmente de dezembro de 2015) no meu colo, em reportagem
sobre o título de comendador que me foi outorgado em setembro último (vide em http://viagenseopinioes.blogspot.com.br/2015/12/comendador-francisco-souto-neto-uma.html
).
No dia 20 de dezembro o Paco dormia
placidamente numa almofada sobre o sofá, e com minha câmera automática tirei
uma fotografia com ele, sem acordá-lo.
FOTO 16 – Francisco Souto Neto com Paco adormecido na manhã
de 20 de dezembro de 2015.
Depois que
acordou tomou os remédios e comeu alegremente a sua ração. Ninguém poderia
supor que tudo mudaria algumas horas depois. À noite foi acometido de grave
crise cardiorrespiratória. Levado imediatamente ao hospital veterinário,
apresentava edema pulmonar. Tomou soro para tentar resolver o problema. Como
persistisse a respiração ofegante, foi posto no balão de oxigênio, mas não
resistiu. Morreu na manhã de 21, menos de três meses antes de completar seu 13º
aniversário. Foi cremado no Crematório de Animais Pet Céu. Na tarde de 22
recebi uma urna com suas cinzas. Urna simples, padronizada, branca. Com extrema
delicadeza, o Pet Céu colocou dentro da urna o pequeno plástico contendo as
cinzas, adornado por um saquinho rendilhado com detalhes dourados. Fiz um
buraco no jardim do prédio onde resido, sob o ipê, ao lado de onde no distante
ano de 1989 enterrei o Quincas, forrei o fundo do buraco com o brinquedinho de
pelúcia que era o seu predileto, sobre este brinquedo espargi as cinzas, em
seguida cobrindo tudo com terra e o tampão de grama.
FOTO 17 – Paco Ramírez de San Martín (19.3.2003 –
21.12.2015).
Foram quase 13
anos de amor, carinho e companheirismo. Minha prima Lúcia Helena Souto Martini
enviou-me um e-mail muito significativo quando o Paco morreu, com o qual eu encerro esta crônica.
Escreveu ela: “Consternada e triste. Sim,
eu sei como é. E é aí que eu me pergunto: se existisse uma pílula do
esquecimento, que apagasse todas – todas – as lembranças, você tomaria? Claro
que não. Nem eu. O legado de amor e carinho que eles deixam é grande demais para
ser esquecido, mesmo que isso pudesse evitar a dor. Sempre sabemos que um dia
eles vão embora, mas nunca estamos preparados. Esses anjos são teimosos: um
belo dia voam pra dentro do nosso coração e lá ficam para sempre”.
-o-
P.S.:
UM ADENDO EM SETEMBRO DE 2020
Decidi-me por acrescentar um adendo a este artigo que escrevi em janeiro de 2016, portanto há quatro anos e meio. Quero apenas registrar que após viver mais de 40 anos no Centro Cívico, mudei-me para um apartamento no centro de Curitiba, próximo a bancos, shopping centers, mercados, farmácias, teatros, restaurantes... não preciso usar meu carro para praticamente nada. Comprei um grande apartamento em sociedade com um velho amigo, Rubens Gonçalves, que morava no mesmo prédio do Centro Cívico, uns andares acima do meu. A ideia foi a de que poderíamos estar mais próximos para um atender ao outro em casos de emergência, pois somos idosos septuagenários. Tivemos êxito nesta decisão.
Mas resolvi não ter mais cachorros, embora deseje tê-los. É que, pelo avançado da idade, certamente eu morreria antes do meu cachorro, e ele ficaria sofrendo a ausência do dono.
Além disso, estamos num momento inimaginável da História, que é a pandemia da covid-19 que envolve todo o planeta e o aflige com contágios e mortes aos milhões. Daqui para a frente, só nos salvaremos se for encontrada uma vacina para combater esta terrível peste.
Abaixo, minha fotografia neste tempo de isolamento social.
FOTO 18 - Francisco Souto Neto aos 77 anos en 2020.
-o-
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