HÉLIO
SEREJO, VASCO TABORDA RIBAS,
ARARY
SOUTO e FARIS MICHAELE
num
mesmo Balaio de Bugre
Francisco Souto Neto
Continuo descobrindo o prazer de escrever sem o compromisso
de publicar em jornal ou revista. Este é o meu terceiro texto – não
necessariamente crônica – escrito para este blog,
de modo a deixa-lo pairando no ciberspace.
“Na nuvem”, como dizem os internautas.
Nos últimos quatro meses tenho me ocupado em colocar no
YouTube antigos filmes que foram por mim rodados no celuloide do Super8 mudo na
década de 70, transpostos para o VHS e sonorizados nos anos 80, e transformados
em DVD na década de 90. Agora em 2015, passados mais de 40 anos, estou
editando-os para o YouTube. Foi assim que me deparei com um filme que fiz em
1976 na ocasião em que viajei de carro com meu cunhado e minha irmã a
Presidente Venceslau, cidade da Alta Sorocabana paulista, onde nasci em 1943.
Naquele ano do meu nascimento, meu pai Arary Souto era o tesoureiro da
prefeitura municipal e em 1946 ou 1947 ele foi, durante curto período, prefeito
do município, em condições excepcionais, um cargo público, como ele próprio
justificava, imposto pela guerra, e depois pelo pós-guerra.
A ideia de viajarmos a Presidente Venceslau em 1976, quando
morávamos em Ponta Grossa, PR, foi movida pela nostalgia do lugar onde
residimos por alguns anos. Minha irmã Ivone, cinco anos mais velha que eu,
nascera em Santos em 1938. Meu irmão Olímpio, que não participou daquele evento
e que em 1976 residia em Nova York, nascera no ano de 1934.
Quando minha família mudou-se para Ponta Grossa, deixou amigos e também parentes em Presidente Venceslau. Dentre os parentes, meu Tio
Hélio Serejo. Ele era, na verdade, casado com uma prima de minha mãe, Henriqueta. O casal teve duas filhas, Nahara Tatiana Serejo de Carvalho e Helita Barbosa Serejo Fontão. Naquele
tempo, contudo, era comum que as crianças tratassem os primos mais velhos, já
casados e da geração anterior, por “tios”. Assim, o casal era para mim e meus
irmãos, “Tio Hélio” e “Tia Queta”.
Na década de 50, Hélio Serejo, já respeitado e conhecido
escritor, deu início a uma grande campanha em prol da construção de uma ponte
sobre o Rio Paraná, ligando Presidente Epitácio, em São Paulo, a Mato Grosso
(hoje Mato Grosso do Sul). Moveu “céus e terras” e conseguiu importantes apoios
para que sua idealização se transformasse em realidade... e o conseguiu. Arary
Souto, meu pai, jornalista e intelectual, ajudou o primo a conscientizar as
autoridades da necessidade da ponte rodoviária ligando dois Estados da
Federação. Entre São Paulo e Mato Grosso havia então uma única ponte sobre o Rio Paraná, mas que
era ferroviária.
O filme em Super8 que realizei em 1976 mostra o nosso
encontro em Presidente Venceslau com o médico pelas mãos de quem eu nasci, Dr.
Mendes, que foi o obstetra da minha mãe. Eu, minha irmã e seu marido fomos até
à Ponte Maurício Joppert, então a mais extensa do Brasil com seus mais de dois
quilômetros e meio. Lembrávamo-nos de que na década de 50, antes de ser
inaugurada, Arary Souto enviou correspondência ao presidente Jânio Quadros,
sugerindo que aquela ponte levasse o nome do seu idealizador, Hélio Serejo. A resposta do presidente, formal, foi de que "considerando todos os argumentos apresentados, seria de mérito homenagear o idealizador da grande obra". Entretanto, e infelizmente, ao ser inaugurada levou o nome de Ponte Maurício Joppert, que homenageava um engenheiro e político do Rio Janeiro, que foi
ministro dos Transportes na década de 1940 e nada teve a ver com a obra que
interligou os Estados. Passaram-se décadas. Somente em 10 de abril de 2014, através da Lei nº 12.610, a obra passou a ser denominada "Ponte Hélio Serejo".
Depois de vermos a então Ponte Maurício Joppert, retornamos a Presidente Venceslau e visitamos Hélio Serejo.
Depois de vermos a então Ponte Maurício Joppert, retornamos a Presidente Venceslau e visitamos Hélio Serejo.
O filme dessa nossa viagem a Presidente Venceslau tem menos
de 5 minutos de duração e poderá ser visto no seguinte link:
Abaixo, algumas das fotografias tiradas durante a viagem a
Presidente Venceslau e a Presidente Epitácio:
FOTO 1 – Ivone Souto da Rosa e Dulci Col da Rosa (irmã e
cunhado de Francisco Souto Neto) em Porto Epitácio, onde foram ver a Ponte
Maurício Joppert.
FOTO 2 – Ponte Maurício Joppert, então a maior do Brasil,
ligando os Estados de São Paulo e Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul). O nome
da ponte foi alterado e hoje chama-se, com justiça, Ponte Hélio Serejo.
FOTO 3 – Em Presidente Venceslau, Francisco Souto Neto com o
médico obstetra de sua mãe, Dr. Mendes, pelas mãos de quem nasceu.
FOTO 4 – A casa onde nasceu Francisco Souto Neto cujas
janelas em 1943 eram adornadas com floreiras contendo gerânios vermelhos.
FOTO 5 – Francisco Souto Neto conversando com seu tio Hélio
Serejo, no escritório do escritor.
FOTO 6 – Hélio Serejo entre Francisco Souto Neto e Ivone
Souto da Rosa.
Um dos livros do escritor Hélio Serejo que aparecem no filme
acima chama-se “Balaio de Bugre”. Após rememorar esse detalhe no filme,
procurei em minha biblioteca e encontrei um exemplar do referido livro, cuja
capa é esta:
A primeira página do livro reservava-me a surpresa de
descobrir que Hélio Serejo era membro da Academia de Letras José de Alencar, do
Paraná (entidade da qual sou membro e a cuja diretoria pertenço, onde ocupo a
cadeira patronímica nº 26). conforme se lê na página 1 de “Balaio de Bugre”,
abaixo:
Outra surpresa: meu pai, Arary Souto, que tinha ligações com
o Centro de Letras do Paraná, apresentou Hélio Serejo ao renomado escritor
paranaense Vasco Taborda Ribas, e estes tornaram-se grandes amigos. Foi Taborda
quem escreveu nas orelhas do livro, à guisa de prefácio, o que pode ser lido na
ilustração abaixo, texto que assinou como “Seu irmão Vasco, da Terra dos
Pinheirais”:
Das páginas 43 a 45 lê-se um belo elogio de Arary Souto ao
escritor e também indianista Hélio Serejo, no qual relata como foi que em 1952 apresentou seu primo (que então residia na capital de São Paulo) ao intelectual ponta-grossense Prof. Faris Antônio Salomão
Michaele. Após esse texto, Arary Souto transcreve uma carta de cativante
brilho, destinada no referido ano de 1952, por Serejo a Michaele, conforme se lê abaixo.
Arary Souto faleceu em 1963 e não chegou a ver publicado o
seu elogio a Hélio Serejo, porque o livro foi editado somente em 1964. Mas
então, no mesmo livro, Serejo publicou o sensível texto “Palavras a um morto
querido (1)”, no qual se refere à memória de Arary de maneira tocante, conforme
se lê nas páginas 17 e 18, abaixo:
Ao encerrar, rendo homenagem a esses brilhantes intelectuais
que ajudaram a escrever com letras douradas a História da Cultura Paranaense:
Hélio Serejo, Vasco Taborda Ribas, Faris Michaele e meu extremoso pai Arary
Souto, todos mortos mas que continuam vivendo nas letras que compuseram em
textos magníficos e que engrandecem o Brasil.
Francisco Souto Neto
Curitiba, 20 de setembro de 2015.
-o-
(1) – Hélio Serejo homenageia a
memória de Arary Souto:
PALAVRAS
A UM MORTO QUERIDO
Após lutar,
desesperadamente, contra insidiosa moléstia, sem jamais se acovardar ou
recriminar a sorte madrasta – numa agonia que arrancou lágrimas de muitos –
tombou para todo o sempre Arary Souto, o bom, o simples, o modelo de pai, o
exemplar chefe de família e o amigo incondicional de todas as horas.
Na “terra dos
pinheirais”, sob o vento gélido de Ponta Grossa, não resistindo à crise aguda
do mal aterrador, ele vergou o corpo e cerrou, lentamente, os olhos para a
eternidade.
Desapareceu um justo.
Caiu um monumento de
sinceridade.
Arary Souto era, em
verdade, um apaixonado pela vida: como jornalista, sensível e brilhante, vivia
no silêncio, a vida tumultuosa das grandes metrópoles, cantando com maestria
seus dolorosos e terrificantes dramas sociais; como cidadão de alma
intensamente cabocla – pura e nobre – amava as coisas belas do sertão, em
rutilâncias de amor e ternura; emoção e ternura que a pena fraca não pode
alinhavar nem traduzir.
Seu coração, grande e
raro, tinha – na linguagem da lenda íncola – maior fulgurância que a Lua-Cheia,
andeja e inquieta, possuindo ainda, em dose elevada, a fragrância da floração
sertaneja, quando os campos ondulados se abrem e se engalanam para receber o
“bom dia” magnetizador da primavera, que é o cântico emoldurado de perfume e
saudade.
Tombou um justo.
Desapareceu um amigo. Um amigo e um companheiro no entendimento máximo do
vocábulo. Morreu um, que foi pedestal grandioso e belo de bondade e amor fraternal;
um, que jamais cultivou ódio no coração, por haver sido gigante, por ter vivido
a sua vida acima das mesquinharias e das indignidades terrenas.
Quem com tanta nobreza
viveu e lutou pelos seus e pelo próximo, merece as bênçãos e as graças do Alto.
Preces a ele! Paz a sua
alma!
Arary Souto é merecedor
da oração que engrandece e purifica o coração do cristão.
Viveu pregando o amor
comum.
Destilou, sempre,
clarinadas de civismo em sua caminhada de triunfos e glórias.
Foi, sim, um justo na
vida.
Oremos por ele!
Hélio Serejo
1963
-o-
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