20 DE NOVEMBRO, DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
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20
DE NOVEMBRO, DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
por Francisco Souto Neto
Há muito tempo venho encontrando
no Facebook manifestações no sentido de que não deveria haver um “Dia da
Consciência Negra”, mas um “Dia da Consciência Humana”. Lembro-me claramente de
que há muitos anos um ator negro, se não me engano estadunidense – não me
recordo do seu nome –, manifestou-se dizendo isso, e tal ideia vem se multiplicando
através do tempo. No Facebook vários amigos meus têm repetido tal estribilho.
Tenho pensado muito nesse
assunto e acho que, sem dúvida, seria realmente maravilhoso se houvesse uma “consciência
humana” que despertasse em todos o absurdo que é o preconceito de cor e de
raça. Só que isso não existe, sobremaneira num país onde o humanismo não chega
igualmente a todos e onde o preconceito explícito ou dissimulado, mas sempre
hipócrita, continua existindo sob os nossos narizes.
Alguns acham que a referência a
uma só etnia ou a uma raça – no caso as etnias negras – inferioriza ou
subestima as outras... Se fosse o caso, vejamos o labirinto que será encontrado
se nos referirmos ainda que a um pequeno segmento das etnias (imagina se fosse
possível referirmo-nos a todas!), as indígenas: segundo
o IBGE, há cerca de 900 mil índios no Brasil, que se dividem entre 305 etnias e
falam ao menos 274 línguas. Isto sem fazermos referência aos grupos que formam
os pardos, os mulatos, os caboclos e os cafuzos, e sem nem de longe mencionarmos
os amarelos do Extremo Oriente (os admiráveis japoneses são muito numerosos
aqui no Brasil) e os representantes da raça vermelha. Falar de raças seria mais
simples, por serem tão poucas no mundo. Mas a negra tem um sentido mais forte e
abrangente, por isso precisamos falar especificamente dela. Não pelas centenas
de etnias africanas existentes, mas pela sua própria história no contexto
mundial.
Reivindicar direitos à maior das etnias, a
gigantesca etnia dos negros, é dar mais abertura a TODAS as outras minorias. Os
negros têm sido historicamente os mais espezinhados, então eles fazem muito bem
em reivindicar. Muitíssimo bem contextualizado e bem cabido, é o protesto de Zezé Motta
com a sua “Aquarela da Consciência Negra”, que está hoje pipocando no Facebook
e sobre a qual me referirei logo adiante.
Vale lembrar que navios
portugueses e brasileiros fizeram mais de 9 mil viagens com africanos
escravizados e 4,8 milhões deles foram transportados para o Brasil e vendidos
como escravos, ao longo de mais de três séculos, isto sem mencionar outros 670
mil que morreram no caminho.
Os negros foram
arrancados de seus países, trazidos acorrentados à força para o Brasil, suas
famílias separadas e tratadas aqui como bichos. Não eram pessoas; eram coisas.
Objetos de trabalho. Mas nem a tardia Lei Áurea melhorou a situação dos negros:
continuaram em sua maciça maioria tratados como escravos, inferiorizados e
discriminados, salvo raras exceções. Hoje, em plenos anos 20 do século XXI, os
negros continuam sofrendo segregação e preconceito, ainda mais quando essas
etnias são estigmatizadas pelo racista presidente da República que serve de
modelo para seus seguidores fanatizados. Basta ver o que diz e o que faz o infeliz
presidente da Fundação Palmares.
Segundo o IBGE, os negros
(pretos e pardos) eram a maioria da população brasileira em 2014, representando
53,6% da população. Os brasileiros que se declaravam brancos eram 45,5%. Há
hoje bem mais de 100 milhões de negros no Brasil, maciça maioria vivendo com
grandes dificuldades. Portanto, é necessário que líderes negros se levantem e
exijam de volta as vitórias que conquistaram a duras penas e que lhes estão
sendo roubadas. Falta, sim, respeito aos seus orixás, muito mais do que aos
deuses ou semideuses das religiões de outras etnias. É preciso, sem dúvida, que
os negros continuem clamando por justiça e igualdade, e que os brancos
conscientes e influentes prossigam intervindo em sua defesa.
Em outras palavras, estou
aplaudindo a interpretação de Zezé Motta em “Aquarela da Consciência Negra” e
desejando que outros sigam seu exemplo. A gravação foi feita por Zorra
(globoplay) em 24 de novembro de 2018, mas mostra-se atemporal. Parece ter
sido feita hoje, além do que, a Consciência Negra talvez seja ainda mais necessária nos dias
atuais do que foi nos horrendos tempos da escravidão.
Vale ouvir Zezé Motta em
sua “Aquarela da Consciência Negra”. É
uma gravação curtíssima, de apenas um minuto e nove segundos:
https://www.facebook.com/watch/?v=361443434433376
https://globoplay.globo.com/v/7186190/
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Mas há muitas
manifestações na internet em defesa do “Dia da Consciência Negra”. Uma delas é
de meu amigo Rubens Faria Gonçalves, que no dia 10 do corrente publicou em seu
mural do Facebook:
“Você é
contra o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA e diz que o que devemos promover é apenas a
consciência humana? O problema é que ainda está longe de existir na cabeça de
muita gente uma consciência humana que respeite os direitos humanos de todos os
grupos humanos. Portanto, há muita necessidade, SIM, de chamar a atenção para
aqueles que se encontram em desvantagem social, como NEGROS, PORTADORES DE
DEFICIÊNCIAS FÍSICAS OU MENTAIS, MULHERES OPRIMIDAS PELO MACHISMO, POVOS
INDÍGENAS, POPULAÇÃO POBRE SACRIFICADA PELAS CLASSES DOMINANTES, HOMOSSEXUAIS
ETC.
Parar de pensar nos direitos desses e de outros
grupos em desvantagem social só interessa a quem não pertence a nenhum deles. (Rubens
Faria Gonçalves)”
Hoje, 20 de novembro,
encontrei mais um texto de Rubens Faria Gonçalves em seu mural, que vale ser
transcrito:
“Nunca encontrei órfão que se oponha ao Dia das Mães
ou ao Dia dos Pais, sugerindo que, ao invés disso, seja comemorado apenas o Dia
da Família. Nunca vi nenhuma pessoa, sadia ou não, opor-se ao Mês Róseo de
Prevenção ao Câncer de Mama, ao Mês Azul de Prevenção ao Câncer de Próstata ou
a qualquer dia, semana ou mês referente à prevenção de alguma doença, e sugerir
que tudo isso seja substituído por um Ano Dourado da Prevenção a Todas as
Enfermidades. Nunca vi alguém reclamar seriamente do Dia Internacional da
Mulher e propor sua substituição pelo Dia do Ser Humano de Todos os Sexos.
Nunca vi alguém criticar o Dia do Professor, o Dia do Médico, o Dia do
Veterinário, o Dia do Psicólogo, o Dia do Engenheiro, o Dia do Advogado, o Dia
do Padeiro, o Dia do Músico etc, sugerindo que se substitua tudo isso por um
único dia, o Dia do Profissional. Por que, então, toda essa implicação contra o
Dia da Consciência Negra e outras datas ou eventos que só pretendem resgatar
direitos de grupos que o pensamento elitizado dominante tenta desqualificar ou
ignorar? Querem banalizar o que não lhes interessa e, para tanto, enfiam tudo
num saco ingênua ou hipocritamente chamado de Consciência Humana, para desse
modo mascarar os preconceitos do dia a dia, que têm, sim, que ser NOMEADOS COM
TODAS AS LETRAS E DENUNCIADOS ENQUANTO EXISTIREM. (Rubens Faria Gonçalves)”
Ao encerrar, devo dizer: BRAVA Zezé Motta, com toda a minha admiração
pela admirável atriz e cantora. E um VIVA ao Dia da Consciência Negra.
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A bem do diálogo democrático, cabem aqui algumas reflexões sobre valorosas personagens negras que realmente merecem ser lembradas e comemoradas, entre tantas que tiveram uma biografia cultural, repleta de superação, fama e êxito. Eis alguns exemplos: NILO PEÇANHA, o primeiro presidente negro do Brasil.MARIA FIRMINA DOS REIS, abolicionista, autora de “Ursula” (1859), A Escrava (1887), “Gupeva” (1861), Parnaso Maranhense (1861) e Cantos à Beira-Mar (1871), em 1880, fundadora de uma escola mista e gratuita. CAROLINA MARIA DE JESUS, autora do livro “Quarto do Despejo, Diários de Uma Favela”, negra, pobre, favelada, que acumula mais de um milhão de cópias vendidas, publicadas em mais de 14 idiomas, cabal demonstração do empoderamento feminino. Tal homenagem poderia ser na data do nascimento de MACHADO DE ASSIS, escritor, negro, pobre, que não teve acesso à Faculdade,um dos fundadores da ABL, imortalizado entre os 100 maiores escritores do mundo, com mais de 50 obras maravilhosas. Entre elas: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “O Alienista”, “A Mão e a Luva”, seus Contos, entre eles se destaca “A Cartomante”. Muitos foram os personagens negros importantíssimos, que contribuíram para a grandeza de nossa Nação. Contudo, conforme Leandro Narloch revela no livro “O Quilombo dos Palmares” e o historiador Flávio dos Santos Gomes em “Palmares”, respondem quem foi de fato Zumbi: Escravizava outros negros, mandava capturar escravos de fazendas vizinhas para trabalhos forçados no Quilombo dos Palmares, sequestrava mulheres, executava aqueles que quisessem fugir do Quilombo. Apenas os escravos que, voluntariamente, de própria iniciativa, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres – desde que ficassem no Quilombo dos Palmares por toda a vida, pois, se tentassem fugir, eram mortos – ao contrário daqueles que, raptados ou trazidos à força, permaneciam como escravos. Cobrava impostos do pessoal que por lá moravam – se não pagavam, tinham suas propriedades saqueadas e incendiadas, entre outros absurdos. “Apesar de ser vista por alguns movimentos e setores da sociedade como representantes da resistência à escravidão, muitos quilombos contavam com a escravidão internamente. De acordo com Edison Carneiro, em O Quilombo dos Palmares, citando Nina Rodrigues esclarece que nos Palmares havia ‘um governo central despótico’ semelhante aos da África na ocasião”, e complementa: "Se algum escravo fugia dos Palmares, (...) era executado pela severa justiça do Quilombo". Consoante Nelson Ramos Barreto, em “Quilombo dos Palmares e a falsidade da Consciência Negra”, essa prática levou vários teóricos a interpretarem a vida nos quilombos como uma práxis existente em nações hegemônicas africanas, que mantinham as diversas classes sociais existentes na África, sob o domínio ditatorial absolutista de reis, com seus generais e escravos”. Tal aura de heroísmo e santidade de Zumbi, vem do livro de Décio Freitas “Palmares, a Guerra dos Escravos”, sem apresentar as fontes e provas do que estava dizendo. Sobre esse livro, alguns historiadores foram investigar e não acharam as provas, a não ser narrativas parciais fora do contexto. Misturou na biografia de Zumbi certas imagens irreais, tirou fora do contexto informações que contradiziam a parte mais exaltada de sua narrativa imaginária.
ResponderExcluirEssa data seria dedicada aos negros que contribuíram muito com a nossa história e tornaram a nossa cultura tão rica e diversificada. Uma minoria de pessoas se acha superior pela cor da pele, ignoram que corre em suas veias sangue negro. Ademais, o Brasil é um país de mestiços. Somos um país de mestiços. Eis onde reside a beleza, originalidade e criatividade de nosso povo.
Entretanto, Bevilacqua, fique claro: seja qual for o resultado das suas pesquisas sobre Zumbi, para mim o Dia da Consciência Negra continua perfeitamente válido, necessário e digno de aplausos. Os negros admiráveis não são apenas os mencionados; somem-se eles a Gilberto Gil, Elza Soares, Cruz e Souza, Grande Otelo, Conceição Evaristo, Benedita da Silva, Milton Nascimento, Zezé Motta... e miríades de outros, tantos, que nem dá para enumerar!
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