sábado, 13 de agosto de 2016

O JORNAL DA MANHÃ, DE PONTA GROSSA, NOS PASSEIOS DA MINHA MEMÓRIA por Francisco Souto Neto para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Arary Souto,  diretor de redação do Jornal do Paraná (da década de 40 ao começo da década de 50) que se tornou o atual Jornal da Manhã. 

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

O Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, nos passeios da minha memória
Comendador Francisco Souto Neto
Escrevi um longo e-mail ao diretor de redação do Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, lembrando da grande influência que meu pai exerceu na sua formação, na qualidade de também diretor de redação do antecessor do referido diário, que foi o Jornal do Paraná. Ao mesmo tempo fiquei sensibilizado por ter recebido, através do Sr. Egon Kruse, um convite do Sr. Aldo Mikaelli, para a Festa dos Radialistas de Ponta Grossa (pois meu pai Arary Souto foi jornalista e radialista) a realizar-se no dia 8 de novembro vindouro. Nas palavras que recebi do Sr. Mikaelli, “para que venhas receber um brinde em nome do querido Arary Souto”. Senti-me emocionado com o convite, principalmente porque meu pai faleceu há mais de meio século, há 53 anos para ser exato, e continua sendo lembrado por seus amigos autênticos. Por isso resolvi fazer do e-mail dirigido do diretor do Jornal da Manhã, uma carta aberta para, excepcionalmente, publicá-la no Portal Iza Zilli, no lugar do meu habitual artigo.

Carta aberta

Exmº Sr. Jornalista ELOIR RODRIGUES,
DD. Diretor de Redação do JORNAL DA MANHÃ.
Ponta Grossa, PR.

Prezado jornalista Sr. Eloir!

A areia da ampulheta escorre depressa demais, e os fatos jornalísticos havidos no século XX estavam, até muito recentemente, se perdendo no tempo e caindo no esquecimento. O prodígio desta nova era, representado pela internet, está propiciando o resgate de muitos tesouros históricos, graças à paulatina digitalização que vem ocorrendo com o que restou de jornais e revistas publicados há décadas, que afortunadamente vinham sendo guardados por cidadãos comuns em armários de sótãos.

A história da imprensa ponta-grossense é fascinante. Meu pai exerceu forte influência no jornalismo dos Campos Gerais, porém poucos registros dão conta disso. Até mesmo eu tive alguma participação nessa história, porque eventualmente fiz publicações no Jornal da Manhã, embora sem grande importância. Assim, como no passado eu tive contato amiúde com esse jornal, gostaria de passar algumas informações ao prezado colega que ora se encontra no comando do matutino, no afã de que estas possam se integrar à valorosa história desse diário, e talvez perpetuá-las em prol da Memória da cidade de Ponta Grossa.

Jornal do Paraná, antecessor do Jornal da Manhã

O Jornal da Manhã tem um histórico que antecede à sua fundação em 4 de julho de 1954. Na década de 40 existiu em Ponta Grossa o Jornal do Paraná, que era considerado o mais informativo do nosso Estado. Não tenho memórias muito concretas daquele tempo devido à minha então tenra idade, mas alguns documentos comprovam: meu pai, Arary Souto (1908-1963), que já trabalhava naquele diário, foi seu diretor de redação, como se lê na primeira página da edição de 24 de maio de 1949:


Durante os primeiros meses de 1951 meu pai afastou-se por alguns meses da diretoria do jornal para solucionar problemas surgidos na Companhia Impressora do Paraná, que pertencia ao mesmo jornal, à qual ele estava também ligado, onde cumulava o cargo de gerente.


ANEXO 1 – Arary Souto em 1951.

Após alguns meses, resolvidos os tais problemas, Arary Souto voltou a se dedicar exclusivamente às funções de diretor de redação do Jornal do Paraná, ocasião em que o diretor superintendente, Adalberto Carvalho de Araújo, fez uma retrospectiva da vida de meu pai, o que considero memorável, como se lê na primeira página da edição de 1º de novembro de 1951:


Eu mantenho as encadernações mensais do Jornal do Paraná, que um dia pretendo doar a alguma instituição ponta-grossense que se comprometa a manter os originais para sempre e digitalizar todos os exemplares: ou à Biblioteca Pública, ou à Casa da Cultura, ou a quem tiver o propósito de colocar seu conteúdo integralmente na internet. Esses jornais preservam a História de Ponta Grossa da metade do século XX. Nas duas fotos abaixo, a primeira exibe um pedaço da parte superior de uma primeira página do jornal, e a segunda mostra Adalice Araújo comigo, em minha residência, folheando um dos cadernos mensais do Jornal do Paraná, do qual os nossos respectivos pais eram pares de diretoria: Adalberto Carvalho de Araújo como diretor superintendente, e Arary Souto como diretor de redação.

ANEXO 2 – Um detalhe da primeira página da edição de 20 de julho de 1949 do Jornal do Paraná.

 
ANEXO 3 – Francisco Souto Neto recebe Adalice Araújo e juntos folheiam as edições encadernadas do mês de julho de 1949 do Jornal do Paraná.

Em 1953, atendendo a um convite de Wilson Barbosa Martins, então prefeito de Campo Grande (depois senador da República e mais tarde governador de MS), meu pai transferiu nosso domicílio para aquela cidade, para fundar – ou organizar? – o jornal Correio do Estado, do qual durante algum tempo foi redator-chefe.

Neste ínterim, em Ponta Grossa, o Jornal do Paraná foi vendido. Quem comprou o seu título foi a Folha de Londrina, que pretendia lançar um “novo Jornal do Paraná” em Curitiba. Não concretizou seu projeto, mas incorporou referido título a seu próprio, passando a chamar-se “Folha de Londrina, o Jornal do Paraná”, como continua até hoje. A parte física da empresa foi totalmente comprada pelo novo matutino Jornal da Manhã, por isso este era considerado como o legítimo sucessor do Jornal do Paraná. Nos primeiros tempos, quando algum jornalista do Jornal da Manhã se referia a meu pai, escrevia algo como: “O Sr. Arary Souto, que foi nosso diretor de redação...”.

Retornamos a Ponta Grossa em novembro ou dezembro de 1955, porque meu pai tinha uma nova missão: fundar e dirigir a Rádio Central do Paraná, o que fez dali até seu falecimento em 1963.


Década de 50 e a importância da “Cortina de Seda” do Jornal da Manhã

O que vou adiante narrar ocorreu há cerca de 60 anos. Nos anos dourados, como é chamada a década de 50 do século XX, a crônica social dava força aos jornais. No eixo Rio – São Paulo, existiam Jacintho de Thormes e Ibrahim Sued. No Paraná eram Fadlo Auak com sua coluna “Cortina de Seda” em Ponta Grossa, e Dino Almeida com “Nossa Sociedade” no Diário do Paraná, em Curitiba.

A Cortina de Seda era publicada na edição dominical do Jornal da Manhã, e de tão bem conceituada e poderosa, fazia aumentar a circulação do matutino. Assinava-a Fadlo Auak, heterônimo de Sebastião Nascimento Filho, o conhecido e saudoso Professor Bastico. O exemplar da coluna abaixo, é recorte de uma edição de janeiro de 1958, ilustrada com um único clichê mostrando a Srª Vera Nascimento Sávio, esposa de Bernardo Sávio, “uma das dez mais elegantes de Ponta Grossa”.

ANEXO 4 –  “Cortina de Seda”, de Fadlo Auak, em Jornal da Manhã de janeiro de 1958.

Aos 13 anos de idade, eu já desejava escrever e publicar no Jornal da Manhã. Meu pai aconselhava-me esperar por mais algum tempo, para que eu, com a idade, ganhasse mais estofo e um melhor domínio do idioma pátrio. Ele tinha razão. Contudo, no ano seguinte ocorreu um fato marcante no jornalismo ponta-grossense: aparentemente cansado do jornalismo, Fadlo Auak cedeu a sua coluna Cortina de Seda a uma misteriosa Belinda, cuja identidade ninguém conhecia. Como Belinda se mostrava inovadora, eu resolvi ousar, e arrisquei: escondido do meu pai, escrevi uma carta a Belinda oferecendo-lhe colaboração e assinei o pseudônimo de “Mister X”. Para mim não seria difícil escrever sobre o hight society, porque bastava ouvir as novidades que os amigos dos meus irmãos, reunidos na nossa sala, comentavam. Não revelei a Belinda a minha identidade, porque eu era ainda um garoto, e se ela soubesse disso, certamente não se interessaria em ter, dentro da sua coluna de tamanho prestígio, a colaboração de um menino inexperiente. Fiz isto sem que ninguém soubesse. Para minha surpresa, Belinda aceitou a colaboração e publicou as notinhas que lhe enviei. As minhas notícias dentro da Cortina de Seda passaram a levar o subtítulo “Mexericos de Mister X”. Por incrível que pareça, Mister X fez sucesso. No domingo, o jornal aberto nas mãos do meu irmão, ouvi-o dizer à nossa irmã: “Veja, agora há um tal Mister X fazendo fofocas na Cortina de Seda”… e eu senti um frio na barriga. Mas esta já é outra história. O episódio de minha entrada no jornalismo ficou registrado na Cortina de Seda – coluna social de Belinda – num Jornal da Manhã de dezembro de 1959:

ANEXO 5 - No final do ano de 1959, a misteriosa Belinda passa a assinar a Cortina de Seda (Jornal da Manhã, Ponta Grossa) no lugar de Fadlo Auak. E ganha um colaborador, também misterioso, que assina… Mister X.

Nunca revelei a identidade de Mister X na Cortina de Seda. Belinda também não revelou aos seus leitores quem era ela. Passados quase 60 anos, mantenho a identidade da instigante Belinda em segredo, pois ao contrário do elegante Fadlo Auak, Belinda deixou alguns leitores irritados com o tom às vezes ácido que adotou na coluna.

Já houve um estudo sério a respeito das mulheres na história do jornalismo ponta-grossense, que participou do 9º Encontro Nacional da História da Mídia, realizado na UFOP – Ouro Preto, Minas Gerais, de 30 de maio a 1º de junho de 2013, no qual os autores Paula Melani Rocha, Marina A. Oliveira e Crystian E. Kuhl mencionam os dois primeiros nomes femininos de que se tem registro na imprensa ponta-grossense: Belinda e Neide Zanoni (vide capítulo “A mulher e o colunismo social em Ponta Grossa”, antes das “Considerações finais”):


Década de 60 a 90


Meu pai faleceu em 11 de abril de 1963, uma semana antes de seu 56º aniversário. Ele era diretor geral da Rádio Central do Paraná desde o final do ano de 1955 e na ocasião ocupava a presidência do Rotary Club local. Nos meses seguintes a seu falecimento, dois seus grandes amigos, Dr. Faris Michaele e Deodoro Alves Quintiliano, presidentes do Centro Cultural Euclides da Cunha e União Brasileira de Trovadores – Seção Ponta Grossa, respectivamente, chamaram-me para ocupar cargos em ambas as diretorias daquelas instituições. Eles desejavam introduzir-me ao mundo cultural e literário da Princesa dos Campos.

Em 1964 o famoso cronista social Dino Almeida, de Curitiba, estendeu sua coluna ao Jornal da Manhã, onde era publicada aos domingos, simultaneamente com o mesmo conteúdo na Gazeta do Povo, de Curitiba. Abaixo, na edição de 26 de janeiro de 1964, a primeira nota do subtítulo “Da agenda princesinha”, divulgava-se o casamento de minha irmã Ivone Barbosa Souto com Dulci Col da Rosa, como se vê adiante:

ANEXO 6 – Coluna social do celebrado Dino Almeida na edição de 21.1.1964 no Jornal da Manhã. A intermediação pela publicação dominical de Dino no JM, foi feita por Eduardo Domingues de Souza.

Em 1965 eu publicava sonetos e também textos no Jornal da Manhã, como o que se lê adiante, publicado na primeira página da edição de 31 de dezembro de 1965.

ANEXO 7 – Primeira página da edição de 31 de dezembro de 1965, com carta de Francisco Souto Neto dirigida a Nicolau Ferigotti, diretor de redação do Jornal da Manhã.

 
ANEXO 8 – Detalhe da página acima.

Ainda muito jovem, a carta publicada demonstra os sonhos e os equívocos dos adolescentes da minha geração. O presidente da República era Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro do regime militar. Todos estávamos tomados por uma espécie de catarse, ou histeria coletiva que, temerosa pelo “assédio” do comunismo, achávamos ainda que o governo militar seria bom para a cultura do país e acreditávamos que Castelo Branco convocaria eleições gerais para a presidência. Ledo (melhor dizer tenebroso) engano!

A primeira publicação do Jornal da Manhã no ano de 1968 é datada de 3 de janeiro. Nessa edição, o jornalista Gilson Cordeiro teceu comentários a respeito da inauguração da Rua Engenheiro Francisco Souto Júnior, em homenagem ao pai de Arary Souto e avô de Francisco Souto Neto:

ANEXO 9 – “A Família Souto”, um sensível artigo do jornalista Gilson Cordeiro na edição de 3.1.1968 do Jornal da Manhã, em homenagem à memória de Francisco Souto Júnior, pai de Arary Souto e avô de Francisco Souto Neto. 


ANEXO 10 - À esquerda, Francisco Souto Júnior (1881-1948) e à direita Arary Souto (1908-1963).  

Em 1968 eu já publicava longos artigos no Jornal da Manhã, como se vê neste recorte da edição de 24.4.1968, com minhas impressões de uma viagem que fiz abrangendo cinco países da América do Sul. O artigo abaixo é um resumo de uma palestra que proferi na reunião festiva do Rotary Club local, no dia 7 de fevereiro de 1968, a convite do Sr. Afonso Lange, um grande amigo de meu saudoso pai, que pode se encontrada abaixo:

ANEXO 11 – “Memórias da cidade sagrada de Machu Picchu”, de Francisco Souto Neto, artigo publicado na edição de 24.4.1968 do Jornal da Manhã:

Em 13.7.1969 o JM chegou a incluir o meu nome num teste de conhecimentos, como se vê na questão 6 do anexo abaixo:

ANEXO 12 – O JM incluiu no item 6 o nome de Francisco Souto Neto no seu teste de conhecimentos... gentilezas do jornal.

O Jornal da Manhã nunca deixou de se referir às suas raízes provenientes do Jornal do Paraná, como no recorte abaixo, da sua edição de 29 de setembro de 1979, quando da inauguração da “Rua Arary Souto” em Ponta Grossa, em homenagem à memória do meu pai. Um trecho da reportagem, referindo-se a Arary Souto registra o seguinte: “Em 1948 [Arary Souto] mudou-se para Ponta Grossa, onde exerceu a princípio o cargo de redator-chefe do matutino do Jornal do Paraná, passando a ser seu diretor aproximadamente em 1949. O Jornal do Paraná foi posteriormente vendido, recebendo o nome de Jornal da Manhã”, conforme se confirma abaixo:

ANEXO 13 – “Duas ruas receberam ontem suas denominações [Abel Ricci e Arary Souto]”, conforme o  Jornal da Manhã de 29 de setembro de 1979. Na foto que ilustra a reportagem, o prefeito Romeu de Almeida Ribas e Dª Edith Barbosa Souto – viúva de Arary Souto – descerram a placa com o nome da rua.

Eu, que trabalhava na agência local do Banco do Estado do Paraná, com a passagem do tempo fui aprovado em concurso interno para ser inspetor da instituição, e nos últimos 17 anos de minha carreira fui assessor de diretoria, da presidência e assessor para assuntos de cultura do Banestado. Aposentei-me em 1991.

Em 1988, na qualidade de Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado, instituí um Conselho de Administração para a Galeria Banestado de Ponta Grossa, composto por alguns nomes sugeridos por mim, que eram meus amigos de longa data: o artista plástico Sidney Mariano, o intelectual Augusto Cunha Rocha e Dr. Brasil Borba (este confirmado pelo então Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa), e viajei a Ponta Grossa para dar posse ao conselho, que se completou com os nomes de Maria Augusta Pereira Jorge (sugerida pelo prefeito municipal) e Ronald Folador (sugerido pela imprensa escrita, falada e televisionada). A galeria era dirigida por Jurandir Modesto e administrada por Leda Maria Veneri. Em sua edição de 30.3.1988 o Jornal da Manhã deu ampla cobertura ao acontecimento, como se vê no recorte abaixo:

ANEXO 14 – “Galeria de Arte Banestado empossa seu 1º Conselho Administrativo”, na edição de 30.3.1988 do Jornal da Manhã. A reportagem é ilustrada com foto de Francisco Souto Neto, Assessor para Assuntos de Cultura do Banestado”.

Ao longo do tempo, ficaram para mim a lembrança do Jornal da Manhã como um “diário amigo”, e a dos antigos diretores desse matutino que se sucederam no transcorrer da segunda metade do século passado. Fica aqui esta minha carta em forma de depoimento, no afã de que estas palavras alcancem os diretores que estão por vir – seus sucessores na diretoria de redação – e que prossigam com os mesmos entusiasmo e a competência, alcançando muitas e muitas gerações do porvir.

Com os agradecimentos e cumprimentos de
Francisco Souto Neto.
Curitiba, PR.


P.S.: Ocorreu-me agora a ideia de fazer deste e-mail uma carta aberta, de modo a pô-la no meu blog e também no Portal Iza Zilli, do qual sou colaborador, e ainda no grupo público do Facebook “Antigamente em Ponta Grossa”, sob a moderação de Paulo José da Costa. Será uma forma de elogio à longevidade do Jornal da Manhã e da sua defesa aos legítimos interesses do Município de Ponta Grossa.

-o-

Um comentário:

  1. Eu vivi toda essa epoca citada acima,relembro com imensa
    satisfacao todos esses fatos e hoje me orgulho de reencontrar, depois de algumas decadas, meu grande amigo SOUTO, um intelectual e um homem maravilhoso.
    Obrigada pela sua amizade. SONIA

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