sábado, 25 de setembro de 2021

UMA PAIXÃO DA JUVENTUDE, UMA PNEUMONIA, UM LIVRO E UM SONETO por Francisco Souto Neto

 

UMA PAIXÃO DA JUVENTUDE, UMA PNEUMONIA, UM LIVRO E UM SONETO ACROSTICADO EM VERSOS ALEXANDRINOS.


 
Página 310 do livro A Náusea, de Sartre, com o soneto acrosticado em versos alexandrinos denominado “Dia de Pneumonia”, escrito à mão por Francisco Souto Neto no segundo dia em que esteve em repouso (em 9.10.1969) por ter contraído pneumonia, contendo correções em vermelho feitas décadas depois.

 

Comendador Francisco Souto Neto

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DIA DE PNEUMONIA


Soneto acrosticado

em versos alexandrinos,

de F. Souto Neto


Mas que súbita altura de temperatura!

Insólita dor o tossir me faz sentir!

Não sei; a quem, pois, minha débil voz atura?

Hoje à pneumonia em dia de destruir.

 

A mim não destruirão, estafilococos,

Perversos “diplococcus pneumoniæ”!

Não, se anticorpos lanço contra estreptococos

Em exércitos que me estremecem até!

 

Uma guerra estranha ocorre em minhas entranhas.

Mas terão anticorpos, ou não, algum louro?

Oh, sanhas da dúvida que me trazem manhas:

 

Não quero nunca morrer de pneumonia,

Inda que em suave agonia de leito de ouro,

Antes de ter beijado e amado Maria.

 

(Escrito em meu leito de enfermo,

no 2º dia da pneumonia,

[em Ponta Grossa] a 9.10.1969)

 

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Em 1969, aos 26 anos de idade, tive uma pneumonia quando trabalhava na agência do Banco do Estado do Paraná, em Ponta Grossa. Recorri a um médico do Sindicato dos Bancários, que me tratou e determinou que eu passaria não me recordo quantos dias em casa, em repouso absoluto. Então aos cuidados de minha querida e saudosa mãe, enquanto passei os dias acamado dediquei-me principalmente à leitura.

Dois anos antes, em 1967, ao retornar de uma viagem a Bolívia, Peru, Chile e Argentina, eu comprara o romance existencialista A Náusea, de Jean-Paul Sartre, um dos meus autores prediletos e de quem eu já lera diversos outros livros. Ao ser acometido pela pneumonia, foi este o primeiro livro que peguei para ler na cama.

Antes de começar a leitura, preocupado com minha saúde e temendo por complicações que pudessem me levar à morte, resolvi escrever um soneto em versos alexandrinos, em forma de um acróstico, com as palavras “minha pneumonia”, entretanto dedicado a uma garota por quem eu era apaixonado há anos. Seu nome: Sônia Maria. 

Sônia Maria

Ela era uma moça bonita e culta, atraente, de quem tentei me aproximar. Como eu era amigo de seu pai (e par de diretoria na União dos Trovadores), costumava frequentar a casa da família. Porém eu não era correspondido na paixão. Ela namorava um rapaz muito bem situado, que era visto dirigindo um belo carro “último tipo” (hoje diríamos “carro novo” ou “carro zero km”). Tendo perdido meu pai em 1963, eu era àquele tempo um simples escriturário no banco onde trabalhava.  

Então, no meu segundo dia acamado, escrevi o acróstico, dedicando-o a “Maria”, que era o seu segundo nome. Mantive o seu primeiro nome em segredo, para não ser invasivo, já que pretendia publicar o soneto no Jornal da Manhã, o matutino que publicou os meus poemas durante muitos anos.

Poeta e trovador, eu pertencia à diretoria da União dos Trovadores do Brasil, Seção Ponta Grossa, e já me considerava – embora ainda não o fosse – um craque em versificação, rima e métrica. Meu ingresso na União dos Trovadores deu-se por convite de Dr. Faris Michaele, jornalista que fora amigo e parceiro de meu pai Arary Souto, também jornalista.

 
Jornal da Manhã de 8.10.1970, mencionando a eleição da diretoria da União dos Trovadores, Seção Ponta Grossa. Francisco Souto Neto foi reeleito diretor numa das várias funções em que atuou na diretoria da referida instituição.

A minha geração era muito romântica, ainda alheia aos benfazejos “excessos” de uma “revolução” pela inovação, ousadia e criatividade que a Semana da Arte Moderna de 1922 sugeriu aos criadores de todas as expressões da arte e, por extensão, ao próprio viver.

Em anos anteriores eu já escrevera outros acrósticos e poemas dedicados à minha referida musa que, entre outros atributos, era uma exímia dançarina de música espanhola. Por exemplo, o acróstico abaixo, “Sônia Espanhola”, foi publicado no Jornal da Manhã de Ponta Grossa, 22 de maio de 1964, cinco anos antes de “Minha pneumonia”:

 

Poema de Francisco Souto Neto no Jornal da Manhã de 22.5.1964.

Vale acrescentar que desde meados da década de 60 até à metade dos anos 70, participei de concursos de poesia. Abaixo, fui um dos cinco classificados com o soneto Cama, publicado no Jornal Integração, de Maringá, edição de dezembro de 1977, que circulava sob a direção de José Gil de Almeida.

 

Soneto Cama, de Francisco Souto Neto, no Jornal Integração (Maringá) de dezembro de 1977.

Prossigamos com “Minha Pneumonia”: feito o soneto em 9 de outubro de 1969, eu o transcrevi na última página do livro de Sartre que eu estava começando a ler. Como o soneto não estava perfeito na forma, eu pretendia ainda lapidá-lo. 

O soneto, para quem não sabe, é uma estrutura literária poética formada por quatorze estrofes ou versos compostos de dois quartetos e dois tercetos. Se o soneto for um acróstico, a letra inicial em cada um dos quatorze versos deve formar uma frase ou um nome próprio, isto é, o nome de uma pessoa, e esse nome ou palavra não pode ter nem mais, nem menos, do que quatorze letras.

Por exemplo, “LINDA PRIMAVERA”: neste exemplo hipotético, o soneto teria então que começar cada um dos quatorze versos (de dois quartetos e dois tercetos) com as seguintes letras:

 

L

I

N

D

 

A

P

R

I

 

M

A

V

 

E

R

A

O acróstico com o nome da minha inspiradora e homenageada não poderia ser empregado num soneto – obrigatoriamente de 14 versos – porque o nome duplo “SÔNIA MARIA” tem apenas dez e não quatorze letras. Assim, formei o meu acróstico com as palavras “MINHA PNEUMONIA”, frase que contém as necessárias 14 letras, e dedicado a “Maria” – simplesmente “Maria” –, porque Marias são muitas e a leitura do poema não direcionaria o leitor à minha “indiscrição” que, naquela época, seria divulgar o nome completo da minha musa...

E o soneto acrosticado, que transcrevi no livro que estava lendo quando tive pneumonia, ficou esquecido naquelas páginas. Nunca o lapidei e tampouco o publiquei.

Agora, passado mais de meio século, ao pegar o velho exemplar de “A Náusea”, senti-me muito surpreso ao encontrar ali o antigo soneto acrosticado, pois eu já não me recordava em que livro eu deixara o soneto anotado.

Resolvi corrigir o soneto, não no que escrevi originalmente no livro, mas numa cópia que imprimi da página manuscrita com o poema, agora acertando o número de sílabas poéticas que um soneto alexandrino precisa ter, obrigatoriamente, as 12 sílabas poéticas (e não sílabas gramaticais) em cada verso. Acertei esse número nos versos que estavam irregulares, porém ainda continua existindo uma falha grave no soneto, que é a seguinte: os versos alexandrinos exigem que a metade de cada estrofe, isto é, a sexta sílaba poética, tem que ser tônica... e nem todas as estrofes de Minha Pneumonia atenderam a essa exigência. Para corrigir isso, eu precisaria modificar o poema em sua quase totalidade. Pois então resolvi deixar assim como ficou, pelo menos com a versificação, a rima e a métrica corretas. Devo lembrar que a pronúncia da palavra latina “æ” (o æ "emendado") é “pneumonié”... para rimar com “até”.


A capa do livro de Sartre.

Na página 5, registrei o dia 7.10.1967, quando comprei “A Náusea”, onde fiz alusão ao meu retorno da viagem “à Terra Sagrada dos Incas”.

 
Na página 302, fiz um comentário em 10.10.1969 sobre a importância do livro de Sartre.

 
Na página 310 transcrevi em 9.10.1969 o soneto alexandrino acrosticado com as imperfeições quanto à forma que comentei acima.

Numa cópia que fiz das páginas 310 e 311 em minha impressora no dia 4.6.2021, efetuei as correções e acrescentei uma observação sobre “Maria”, que ainda vive, é saudável e continua bonita, após dois casamentos e duas viuvezes.

 
Na foto acima, tirada em 4.6.2021, minha mão segura a cópia corrigida do soneto, ao lado do original escrito em 9.10.1969.

Anotações ulteriores em 2021.

Concluindo, quero deixar registrado que o tempo escorre em velocidade inexorável e impiedosa. Para quem se aproxima da idade de 80 anos, aquilo que ocorreu há mais de meio século parece ter sido ontem. Por isso, os octogenários têm a impressão de não terem vivido tantos anos. É como se houvesse algo de errado nessa contagem, um equívoco na contagem do tempo. Talvez por isso as palavras do espanhol Calderón de la Barca, escritas há mais de 500 anos, sejam tão verdadeiras e atuais:

 ¿Qué es la vida? Un frenesí. ¿Qué es la vida? Una ilusión, una sombra, una ficción; y el mayor bien es pequeño; que toda la vida es sueño, y los sueños, sueños son.

 

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Francisco Souto Neto em 1967.

Francisco Souto Neto em 2021.

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POST SCRIPTUM EM 26.9.2021


Com a concordância de Sônia Maria, vou anexar algumas fotos antigas e atuais da mesma.

A fotografia de quando formamo-nos no Curso Científico, em Ponta Grossa, no ano de 1962. Isto ocorreu há quase 60 anos...  Sônia Maria era a moça mais bonita do colégio. Basta olhar a foto e saber quem é ela mesmo sem conhecê-la. Eu já seria bem mais difícil de identificar, mas sou o único a usar óculos.

Neste detalhe, Sônia em baixo à esquerda, e eu em cima à direita. Os dois ao meu lado são: Nadal (Osiris ou Dalton? Não me lembro) e Guilherme Natel de Paula Xavier. Abaixo de mim, de paletó claro, o Érico (não me recordo do sobrenome).

Neste detalhe da foto, Sônia parece emoldurada pelas colegas como pétalas de uma flor.

Em 2019, Sônia e sua filha Fernanda.

Em 2019, antes da pandemia, recebo em minha casa a visita de Sônia.   

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