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MARÇO
DE 2021:
UM
ANO DE PANDEMIA, MORTES, ESCASSEZ DE VACINAS, E EXCESSOS E FALTAS DE BOLSONARO.
Francisco Souto Neto
Hoje, 23 de março
de 2021, liguei o televisor para assistir ao Jornal Nacional, e encontrei o
presidente Bolsonaro proferindo um discurso. Imediatamente ouvi, aqui do andar
alto onde vivo, um forte "panelaço" vindo do centro da capital e do bairro do
Batel. A seguir, o que escutei desse homem, ressoou como um tapa na minha cara.
Disse ele, descaradamente, que desde os primeiros meses do ano passado vem se
empenhando em comprar vacinas para imunizar a população brasileira. Sinto-me
agredido ao ouvir tamanhas mentiras e intuir que há muitos brasileiros que
acreditam, ou que fazem de conta que acreditam, nas gazopas que esse
desclassificado tem a ousadia que proferir. Sim, hoje estamos começando a ser
vacinados, apesar de Bolsonaro que
sempre se insurgiu para desmerecer a vacinação e os laboratórios que estão nos
socorrendo, associado ao seu negacionismo à ciência e a todos os artifícios que
ele e seus filhos têm usado para influenciar as populações brasileiras a não
usarem máscaras na proteção contra a pandemia, e para tentar fazer com que
todos tomem medicamentos não recomendados por autoridades médicas do mundo
inteiro.
Neste horrível
momento da nossa História, o Brasil, dentre todas as nações do planeta, ocupa o
1º lugar em número de habitantes infectados pela covid, e em número de mortos
diários.
Hoje o nosso país
pela primeira vez registrou mais de 3 mil mortes por covid em 24 horas. O total
de mortes no país acaba de ultrapassar 300.000. Nas últimas 24 horas, 84.996
novos casos foram confirmados. O total de diagnósticos passou de 12.136.615.
Com isso, a média de casos bateu recorde. Esses números são escabrosos,
catastróficos, monstruosos.
Uma amiga, muito
recentemente, escreveu-me dizendo que pessoas desinformadas estão querendo atribuir
ao presidente uma culpa que não cabe a ele, porque – segundo opinião dela – os
culpados pelas contaminações seriam os próprios brasileiros que não usam
máscara e se aglomeram em bailes e festas.
A meu ver, essas
pessoas são realmente responsáveis pela disseminação da pandemia e é lógico que
têm culpa, porém quando se trata de pessoas – e são milhões – fanatizadas pelo
tal “mito” político, elas seguem o exemplo que vem sendo dado diária e
diuturnamente por Bolsonaro, “par
ta propre bouche” que sempre menosprezou o uso de
máscaras e o distanciamento social.
Neste momento de
grande desespero ante a morte de centenas de brasileiros sem assistência médica
porque enfermarias e UTIs dos hospitais privados e do SUS estão lotados e sem capacidade
de atendimento, os governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal,
decretaram toque de recolher, que é uma medida adotada em outros países para
frear a velocidade da pandemia. Pois Bolsonaro protocolou uma ação contra esses
governadores, visando a derrubada daqueles decretos. Também hoje, 23 de março
de 2021, felizmente o ministro Marco Aurélio do STF, negou a ação de Bolsonaro
contra referidos governadores. Bolsonaro não quer “toques de recolher” nem
“lockdowns” no Brasil, porque isto “prejudica o comércio”. A ele as vidas
perdidas parecem não ter importância.
Retrospecto das ações de Bolsonaro
Como podem os
seguidores de Bolsonaro apoiar ou ignorar suas ações que só fizeram por ampliar
a pandemia? Não são fake news, mas
palavras ditas pelo presidente e gravadas pela imprensa, que poderão tornar
mais robustas as acusações contra o presidente, no momento em que isto chegar a
um Tribunal de Justiça Internacional. Os registros em áudio e vídeo deixam explícito
o seu desprezo às máscaras (que ele diz, segundo sua visão obtusa, não terem
importância) e ao distanciamento social, dando exemplos diários de misturar-se
a pesados grupos de apoiadores políticos, que continuam a apoiá-lo mesmo
sabendo que ele os trata por “aqueles
bostas”, assim por ele denominados claramente naquela escandalosa reunião ministerial que ficou por todo o país
de sobejo conhecida.
Também são
indefensáveis os erros de sua conduta pública que levaram à escassez de vacinas
no Brasil. A própria Organização Mundial da Saúde, preocupada com a grave
situação do nosso país, alertou ao mundo que o aumento dos casos de covid está
pondo em risco toda a América Latina, e que a variante brasileira do vírus,
mais rápida, agressiva e letal, poderá espalhar-se por todo o planeta.
O respeitado jornal Washington Post publicou na semana passada o editorial com o título “Terreno fértil para variantes no Brasil é uma ameaça para todo o planeta”. No seu texto refere-se aos hospitais lotados com pacientes de covid e conclui que “o Brasil foi consumido por divisões internas e parece incapaz de sair do abismo”. Diz ainda que “o vácuo de liderança de Jair Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar”.
Bolsonaro tem sido denunciado constantemente pela imprensa internacional, conforme profunda e meticulosa matéria publicada pela RDCTV (O RIO GRANDE SE CONECTA AQUI) no ano passado, cujo trecho, abaixo, tomo a liberdade de anexar:
“O editorial do The
Washington Post não foi a primeira vez em que um veículo de comunicação do
exterior critica a postura de Bolsonaro. Ele já havia sido criticado em outro
editorial, do britânico The Guardian, em 31 de março. O jornal
disse que o presidente
brasileiro representa “um perigo para os brasileiros“.
Confira abaixo
outras manchetes pelo mundo e leia as publicações originais:
- The Guardian
“Jair Bolsonaro diz que crise de coronavírus é um truque da mídia” - The Economist
“Presidente do Brasil “toca violino” enquanto a pandemia cresce” - Wall Street Journal
‘Volte ao trabalho’: Bolsonaro descarta riscos mortais do coronavírus no Brasil - Forbes
“Em Coronavírus versus Brasil, Bolsonaro fica quase sozinho” - BBC
“Enquanto o mundo tenta desesperadamente combater a pandemia de coronavírus, o presidente do Brasil está fazendo o possível para desacreditá-la“ - New York Times
“O presidente Jair Bolsonaro, que chamou o vírus de “uma gripezinha”, é o único “grande” líder mundial que continua questionando os méritos das medidas de bloqueio para combater a pandemia. - Washington Post
“Bolsonaro é o líder negacionista mundial do coronavirus“ - El País
“A atitude imprudente e irresponsável do líder do maior país da América do Sul ameaça causar inúmeras mortes“ - Business Insider
“O presidente Bolsonaro sugeriu que seu povo é naturalmente imune ao coronavírus, alegando que eles podem nadar no esgoto e ‘nada acontece’” - The Japan Times
“Jair Bolsonaro isolado e enfraquecido pela negação de coronavírus“ - The Wire
“Bolsonaro está usando uma crise de saúde pública para ampliar divisões no Brasil” - The Time of India
“Presidente do Brasil tira selfies e aplaude manifestantes apesar de riscos da pandemia“ - The Chicago Tribune
“O presidente Jair Bolsonaro do Brasil promoveu repetidamente tratamentos não comprovados de coronavírus e sugeriu que o vírus é menos perigoso do que dizem os especialistas.” - The Independent
“Coronavírus: Bolsonaro alega que a mídia ‘engana’ os brasileiros em meio ao agravamento da pandemia” - The Asahi Shimbun
“Pelo menos um líder mundial seguiu as alegações de Trump de promover o uso das drogas. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, elogiou repetidamente os benefícios da hidroxicloroquina e da azitromicina”. - Al Jazeera English
“COVID-19: Bolsonaro está colocando ‘vidas em perigo‘” - The Sydney Morning Herald
“Bolsonaro joga com a vida e a morte em meio a pandemia” - Daily Herald
“Facebook se une resistência contra as alegações de Bolsonaro sobre o vírus“ - Jacobin Magazine
“Numa pandemia, Bolsonaro é mais perigoso do que nunca“ - Time
“O presidente do Brasil ainda insiste que o coronavírus é um exagero. Governadores revidam"
Uma das opiniões de
El País sobre Bolsonaro, faço questão
de transcrever aqui: “Há algo que o Brasil já perdeu. E que vai demorar muito
para recuperar. Com Bolsonaro ou sem Bolsonaro, descobrimos que vivemos num
país em que a maioria dos brasileiros acha possível votar num homem como
Bolsonaro. Sem nenhum drama de consciência, compactua com todo o ódio que ele
produz, são cúmplices do desejo de exterminar aqueles que são diferentes,
apreciam as ameaças e os arrotos do poder, exaltam a ignorância e a
brutalidade”..
Desfaçatez quanto aos laboratórios internacionais e negação à eficácia
da Coronavac
Quando em meados do ano passado, em 15 de agosto para ser mais exato, a Pfizer/Biontech ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, no momento em que o Brasil já havia ultrapassado 100.000 mortes, este – o nosso governo – nem sequer respondeu... e o Brasil passou para o fim da fila. A grande iniciativa foi do governo de São Paulo, que assinou um contrato para 46 milhões de doses da Coronavac, marca repudiada por Bolsonaro por seu preconceito contra a China. O primeiro passo concreto do governo brasileiro ocorreu em outubro, quando o ex-ministro da Saúde Pazuello afirmou, num encontro com governadores, que o Brasil iria também comprar a Coronavac. No dia seguinte foi desautorizado por Bolsonaro, que declarou, ipsis litteris: “A vacina da China, lamentavelmente... Já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como dizem, esse vírus teria nascido lá na China”, e deu asas ao desmerecimento à vacina chinesa, permitindo a um de seus filhos declarar que a China tinha interesse em espalhar o coronavírus pelo mundo, para poder vender as suas vacinas – um absurdo que foi enfaticamente negado pelo Embaixador Chinês no Brasil, que chegou a advertir o governo brasileiro de que, se continuasse a declarar infâmias e mentiras contra seu país, a reação chinesa seria dada de uma forma inimaginável. Ignorantes, os Bolsonaros não sabiam que o insumo IFA (Insumo Farmacêutico Ativo), necessário à fabricação de vacinas em todo o planeta, provém todo da China, e há décadas é usado no Butantan. Esse incidente diplomático acarretou cerca de um mês de atraso às vacinas no Brasil. Pode-se avaliar isso em número de vidas perdidas à covid? Mas para Bolsonaro números são apenas números.
Quem tiver a
memória curta, é só procurar nos arquivos de qualquer emissora de televisão, os
ataques de Bolsonaro à Coronavac, a vacina que está sendo agora aplicada em
todo o país e que está começando a nos salvar de uma desgraça maciça. Eis um dos inúmeros exemplos:
https://www.youtube.com/watch?v=XQV2tkLRmuM
No Natal, quando as
vítimas no Brasil chegaram a 200.000, Bolsonaro mais uma vez dificultou os contratos com a
Pzizer, dizendo: “Lá na Pfizer está declarado no contrato que ‘Nós não nos
responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré é
problema de você, pô! (...) Se você vira super homem, se nascer barba em alguma
mulher aí, se algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com
isso e, o que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”. Com essas
observações ridículas, Bolsonaro só faz minar a confiança da população ingênua
nas vacinas.
A tragédia brasileira em 2021
São agora 58 os
países que proporcionalmente já vacinaram mais do que o Brasil. Em 21 de
janeiro, declarou Pazuello: “Em janeiro, que é agora, vai ser uma avalanche de
laboratórios apresentando propostas para nós”. Mas o que houve em janeiro foi
vir a público uma carta dirigida pela Pfizer em meados do ano passado ao
presidente Bolsonaro, com detalhes da negociação para a sua vacina ser aplicada
no Brasil, mas o Ministro da Saúde declarou que as cláusulas apresentadas eram
“leoninas e abusivas” e refutou-as. Na verdade, as referidas cláusulas foram
aceitas por dezenas de outros países, que as consideraram regulares e normais,
menos o Brasil. Não houve no governo Bolsonaro ninguém com capacidade técnica
ou científica para compreender isso, e a recusa colocou-nos na posição de párias
da comunicade internacional. O Brasil tornou-se motivo de chacota em todo o
mundo.
No dia 4 deste corrente
mês de março, quando já passávamos de 260.000 mortos, Bolsonaro declarou: “Tem idiota que a gente vê nas redes
sociais, na imprensa, né, que me diz: ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa
da tua mãe! Não tem pra vender no mundo”. E acrescentou: “Nós temos que enfrentar os nossos
problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”. Aqueles que perderam familiares e amigos, segundo Bolsonaro, não devem chorar muito. O
que esperar de um pseudo-estadista que disse que a covid é uma “gripezinha” e
“uma doença de maricas”?
Neste contexto,
nada mais significativo e pesaroso do que pensar nas mais de 300.000 vidas
interrompidas pela doença, pelo desumano de um governo arrogante, fútil e
negacionista. “Vão ficar chorando até quando?”, perguntou o brutal e perverso
presidente que desconhece a empatia. Cada uma dessas trezentas mil vidas tinha
uma família. Cada uma dessas pessoas sepultadas tinha filhos, ou irmãos, ou
pais, amigos, colegas. São sonhos interrompidos e famílias destroçadas. Cada
pessoa é um pequeno universo que importa
e precisa ser respeitada. Se a vacinação tivesse começado antes, poderíamos ser
um dos países com a peste prestes a
ser debelada. Quantas vidas foram desprezadas por esse infeliz governo! Morrer
depois ou agora, para o presidente não faz diferença: “Vão ter que morrer
mesmo!”. Seríamos um país muito mais feliz se esse asco que aí está não tivesse
sido eleito.
Uma mudança radical de rumos em 24 de março?
Hoje, dia 24 de março de 2021, a imprensa divulgou uma brusca mudança na política de Bolsonaro: ele pretendia reunir-se com os representantes dos outros dois Poderes da República, mas na última hora convocou também os governadores que estão aliados ao seu governo. Notei que Rato Júnior, governador do Paraná, estava lá. Todos, o presidente inclusive, usando máscaras. E Bolsonaro aparentemente deu uma guinada brusca em seu governo. Pressionado pelas ondas crescentes de indignação no país, e pelo panelaço ouvido ontem de extremo a extremo do Brasil, Bolsonaro se contradisse: agora recomenda o uso de máscara como um dos meios mais seguros para evitar-se a contaminação da população e declarou que seu governo doravante está direcionado à vacinação maciça de todos os brasileiros, de modo a combater a mortalidade que já ultrapassa as 300.000 vidas perdidas. Outros figurões do governo também discursaram, e o próprio novo Ministro da Saúde, dizendo que a saúde pública será despolitizada em seu trato, e que o seu Ministério seguirá as normas científicas e aprovadas pela OMS no combate à pandemia.
Sim, o governo mostra-se
pela primeira vez, após mais de um
ano de pandemia, aparentemente disposto a seguir o caminho indicado pela ciência.
Mentiroso que sempre foi, talvez apenas tentando salvar a própria cabeça, o
governo agora diz que doravante vai agir com a correção que há um ano espero.
Podemos acreditar nisso? E seus seguidores fanáticos, mudarão o seu notório
raciocínio oblíquo para o lado da racionalidade? Esquecerão o negacionismo e a
cloroquina? Usarão máscara na rua? Espero que eu esteja enganado, mas não
creio, pois me parece que a um fanático divorciar-se do destrambelho talvez não
seja plausível.
Quem viver (ou conseguir
sobreviver à pandemia) verá.
-o-
Bem pontual o artigo. Parabéns. Vale aqui uma observação: Em lugar de nos mirarmos no exemplo obtuso de políticos, ministros e presidentes, a prudência e sensatez aconselham a nos defender do contágio imposto pelo vírus da vulgaridade anacrônica, sem contar com as chuvas de maná. Que procuremos ouvir e consultar os médicos e o SUS antes de darmos ouvidos a asneiras ou mergulharmos na lama da politização. Afinal, o comando da saúde cabe à medicina, segundo a peculiaridade de cada organismo. Que a responsabilidade e iniciativa parta de cada um de nós. Conduta, aliás, exercida pela maioria. Certas atitudes de políticos imaturos e mandatários leigos é um vício paternalista que podem gerar discussões estéreis, polarizações histéricas, agressivas e suicidas. Cabe a cada um de nós defender, proativamente, a vida e a saúde.
ResponderExcluirCaro amigo Bevilacqua, muito obrigado por ter opinado. Um abraço!
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