domingo, 23 de agosto de 2020

APRISIONADOS NA TORRE DE VIDRO: máscaras e isolamento social - por Francisco Souto Neto.


O novo coronavírus, com aspecto de uma coroa.

 
Comendador Francisco Souto Neto

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APRISIONADOS NA TORRE DE VIDRO

Francisco Souto Neto

Comecei a escrever este texto hoje, dia 8 de agosto de 2020. Como tenho me sentido em slow motion – em câmera lenta – não sei quando o concluirei. Entretanto quero efetuar o registro de que ontem, uma sexta-feira deste momento em que estou próximo ao meu 5º mês de “isolamento social” por causa da pandemia que assola o mundo, precisei sair de casa. Tive que ir ao consultório de meu médico que fica não muito longe de onde resido, aproximadamente a uns 800 metros de distância.

Como referido consultório localiza-se numa rua para pedestres, onde não entram automóveis, resolvi ir a pé. Poderia ir de carro até a um estacionamento próximo, mas enquanto durar a pandemia espero não estacionar onde manobristas precisem entrar no meu automóvel. Também não tomo táxis por temor à covid-19, mesmo considerando que saio de casa somente usando luvas e máscara.

Minhas saídas ocasionais são apenas para ir à farmácia ou ao mercado para comprar o estritamente necessário. Além disso, tenho o privilégio de residir num ponto em que tudo é muito próximo, num raio de cerca de 100 a 200 metros de distância: teatros, cinemas, shopping centers, restaurantes, lojas (estes todos onde evito entrar pelo temor ao contágio), bancos, farmácias, supermercados... e até um hospital. As refeições são trazidas à minha porta.

O centro de Curitiba no auge da pandemia

Ontem, ao sair de casa, tomei o caminho do consultório, atravessando a Praça Osório e alguns quarteirões da XV de Novembro, rua de pedestres. Senti-me impactado pelo enorme número de pessoas transitando por ali, muitas sem usar máscara, como se não estivéssemos num dos momentos mais dramáticos da História mundial e do Brasil. Jovens e outros da meia idade, e alguns idosos desmascarados, estão num ir e vir com a maior naturalidade e aparente despreocupação, gente agrupada, alheia ao momento alarmante que vivemos imersos nas possibilidades de contágio pela covid-19. Já são acima de três milhões de infectados e mais de cem mil mortos no país, e os índices negativos continuam numa ascensão quase vertical.

Voltando do consultório, prestei mais atenção ao movimento dos transeuntes na Rua XV de Novembro. Muito impressionante o desprezo de tanta gente pela própria saúde e pela de outrem. Isso é o reflexo do que pessoas irresponsáveis, ignorantes e politicamente fanatizadas vêem nas reações do presidente da República face à pandemia. Desde o começo das infecções pelo novo coronavírus, o máximo mandatário do país disse que isso não se passava de uma “gripezinha” e manifestou-se, todo o tempo e insistentemente, contrário ao uso de máscaras e ao isolamento social, embora este seja, sabidamente, o único remédio contra o mal que assola o planeta. Em julho a Agência Câmara de Notícias e diversos jornais noticiaram o absurdo: Bolsonaro desobrigava o uso de máscaras no comércio, na indústria, em escolas, em igrejas e em templos religiosos, bem como em demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. Até em presídios o presidente desobrigou o uso de máscaras.

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Hoje é dia 23. Já nos aproximamos do fim de agosto. Não me animei a prosseguir neste texto. Sinto-me desalentado, inerme, quase sem o meu tônus vital, quase apático, ante os infindáveis desmandos do presidente Bolsonaro, de muitos dos seus ministros e de políticos, desde o começo deste (des)governo. No tocante à pandemia provocada pela covid-19, embora eu não costume transcrever palavras de outros jornalistas, vou tomar a liberdade de fazê-lo agora, com um texto do conhecido e respeitado jornalista Leonardo Sakamoto, colunista do UOL, publicado no dia 19 último. Diz Sakamoto:

”Jair Bolsonaro afirmou que a eficácia da máscara na prevenção ao coronavírus é ‘quase nula’ a um grupo de fãs, na porta do Palácio do Alvorada, nesta quarta (19).
O presidente respondia a uma seguidora que disse que só tiraria fotos com ele quando não precisasse mais usar o equipamento. Depois, ainda repetiu para quem tivesse ficado com dúvida: ‘eficácia quase nula’. Incentiva, dessa forma, que os brasileiros não se protejam no dia em que ultrapassamos o registro de 111 mil mortos pela covid.
Não surpreende que Bolsonaro minta sobre a importância fundamental do uso de máscaras para prevenir a infecção pela doença - qualquer pedaço de tecido barato com elásticos tem um papel mais relevante que o dele para salvar brasileiros. Mas isso é uma demonstração irônica de falta de empatia, pois a maioria das pessoas não têm babás como ele e veem nas máscaras uma das únicas formas que contam para se proteger. Pois são baratas de se fazer e acessíveis. Avança, dessa forma, sobre a única forma que famílias pobres que estão sendo obrigadas a sair de casa para trabalhar têm de tentar alguma proteção contra a doença. Nula é, portanto, a efetividade de suas ações. Mas se analisarmos o... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/19/nulo-contra-a-covid-bolsonaro-diz-que-mascara-tem-eficacia-quase-nula.htm?cmpid=copiaecola”.

O Brasil já tem os números estarrecedores de 114.744 óbitos pela covid 19, e 3.582.362 infectados. Enquanto pessoas continuarem seguindo as instruções do seu mito de papel, mais demoraremos para nos livrarmos do mal que tanto aflige a nós e a todo o planeta.

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Francisco Souto Neto em agosto de 2020, aos 77 anos, em quarentena há cinco meses, olhando para o futuro.

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2 comentários:

  1. Querido Padrinho. O seu texto traduz a sensação de muitos brasileiros que discordam as atuais políticas de pouco caso com os cidadãos e cidadãs brasileiras. Nisso, inclui-se a minha. Uma apatia e desânimo tomam conta das pessoas. É esperar que tudo passe, e logo.

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    1. Querida Mara, obrigado por opinar. Sim, é a expectativa de todos.
      Desejo que em 2021 já estejamos livres desse mal, embora me faça parecer que isso só se dará em 2022. Espero estar enganado. O tempo responderá.

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