A cruz invertida no altar de São Pedro, no nível mais
profundo do Cárcere Mamertino.
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Iza Zilli
Comendador Francisco
Souto Neto
Lembranças do Cárcere Mamertino e sua cruz
invertida
Francisco Souto Neto
Segundo antigo ditado, uma vida inteira
não é suficiente para conhecer Roma. Depois de algumas viagens à Cidade Eterna,
o turista que já visitou as suas principais atrações sente aumentar uma
inquietação ao perceber que as particularidades da capital da Itália, ligadas a
uma história de quase 3000 anos, são incontáveis, e cada vez mais fascinantes.
Se alguém viajar acompanhado de familiar ou amigo, é sempre necessário planejar
com antecedência os locais que desejam conhecer, debater as opiniões de todos
os participantes, e estabelecer as prioridades.
No último passeio que fiz a Roma, que
foi na companhia de Rubens Faria Gonçalves, tínhamos ambos o propósito de
conhecer o Cárcere Mamertino, também denominado Cárcere Tuliano, uma prisão
subterrânea que já existia três séculos antes de Cristo. São Pedro e São Paulo
estiveram ali aprisionados, além de enorme número de importantes personalidades
de várias eras, tais como reis, governadores, senadores, ministros. Não se tratava
de um lugar para prisioneiros comuns, mas para os de segurança máxima, isto é,
os inimigos públicos. Eles eram condenados à morte dolorosa, geralmente por
estrangulamento. Desse martírio só escapavam aqueles que, por sorte, morressem
antes por causas naturais, isto é, de frio, fome ou doenças. No ano de 314 o
Papa Silvestre dedicou a prisão a São Pedro em Cárcere (San Pietro in
Carcere), nome da igreja que foi construída sobre aquele lúgubre local. No
século XVI, a essa igreja foi sobreposta outra, denominada São José dos
Carpinteiros (Chiesa di San Giuseppe dei Falegnami), e de
situa ao lado de uma igreja bem maior (Chiesa dei Santi Luca e Martina). A
entrada da Igreja São José dos Carpinteiros está situada a uns quatro metros
acima da rua, devido a obras realizadas na década de 30 do século XX, que
baixaram o nível da praça em frente, para permitir o acesso direto ao Cárcere
Mamertino.
Esta gravura do século XIX mostra como era a fachada da
igreja (a menor, do lado esquerdo) que foi construída sobre o Cárcere
Mamertino.
Ao fundo, a Igreja San Giuseppe dei Falegnani, construída
sobre o Cárcere Mamertino. À direita, veem-se as colunas e a escadaria da
fachada de outra igreja, a Chiesa dei Santi Luca e Martina. Em primeiro plano,
Rubens Faria Gonçalves. Dá para ler na fachada da igreja ao fundo, a palavra
MAMERTINUM. Foto de Francisco Souto Neto.
A Chiesa dei Santi Luca e Martina sobre o Cárcere Mamertino.
Na calçada, uma pessoa olha para baixo, através da grade,
onde está a porta de entrada ao Cárcere no subsolo.
A inscrição MAMERTINUM indica onde é o cárcere, no subsolo.
Um desenho mostra os níveis subterrâneos do Cárcere.
Entrando no Cárcere Mamertino
Alguns autores já descreveram a entrada no Cárcere
Mamertino como uma “descida aos infernos”. Além de um lugar muito lúgubre, as histórias
escabrosas ocorridas ali desde antes de Cristo são de uma total desumanidade.
Ao nível da calçada, a entrada para a escada que desce aos
dois níveis subterrâneos do Cárcere Mamertino, localiza-se assim ao lado.
Detalhe do portão para as escadas descendentes.
Ao nível da calçada, a entrada para a escada que desce aos dois níveis subterrâneos do Cárcere Mamertino, localiza-se assim ao lado.
As duas escadas que levam do nível da rua à porta
propriamente dita do Cárcere.
Uma turista entrando no cárcere.
No primeiro subsolo do Cárcere Mamertino há hoje uma capela.
À esquerda, vê-se uma escada que sobe para a saída, e outra escada que desce ao
nível mais profundo do cárcere.
Numa das paredes do nível da capela, há uma tenebrosa placa
de mármore informando alguns dos mais importantes prisioneiros que ali
estiveram, e a maneira como foram mortos...
Eis a cruz invertida no altar de São Pedro, no nível mais
profundo do Cárcere Mamertino.
Outra placa indica que São Pedro, acorrentado com São Paulo a
este local, batizou 47 prisioneiros e dois guardas (que depois foram também
mortos por causa disso).
Uma fonte brotou neste local, cuja água foi usada por
São Pedro para os batismos (vide o círculo no chão, que é onde há água da
fonte).
A entrada para o Cárcere Mamertino se
faz por uma escadaria que começa no atual nível da rua, exatamente sob a
fachada das igrejas sobrepostas, que se aprofunda paralela à calçada, onde há
quatro janelões, que à distância parecem enormes portas abertas, mas que estão
protegidas por grades, para que os transeuntes não caiam no
desvão. Descendo por essa escadaria, o visitante chega a um nível profundo,
onde se encontra a chamada cela superior, abafada e sem janelas. Numa das
paredes está fixada imensa placa de mármore gravada com os nomes dos
prisioneiros mais famosos que ali encontraram a morte dolorosa. Ao lado do
nome, consta a causa mortis e o ano da execução. Uns eram
decapitados, outros estrangulados, outros morriam “de fome”, e assim por
diante. A cela inferior da masmorra era alcançada através de um buraco no chão,
em que colocavam uma escada de madeira para a descida dos prisioneiros, de onde
somente sairiam, ou mortos, ou para serem executados. Dizia-se, já naqueles
tempos remotos, que aquela escada de madeira era uma descida para os infernos.
Atualmente há uma escada de pedra num canto que foi aberto para que os
visitantes possam descer sem maiores riscos. Esse plano inferior da prisão,
úmido, está ligado ao principal esgoto da cidade, que se chamava Cloaca Máxima.
Às vezes, quando o prisioneiro era executado naquele local, costumavam jogar o
corpo ao esgoto, ali ao lado.
Há uma fonte no chão. Como a iluminação
local era fraca, não conseguíamos ver o interior do buraco. Rubens Faria
Gonçalves testou-o com uma das mãos... e encontrou a água. Segundo a lenda,
quando São Pedro estava ali aprisionado, fez brotar aquela fonte, que antes não
existia, e com a sua água batizou 42 outros prisioneiros, e também os dois
guardas do cárcere, que se chamavam Processo e Martiniano. Esses guardas foram
igualmente condenados e supliciados. Outro milagre atribuído a São Pedro teria
ocorrido no momento que ele descia pela escada de madeira para aquela
escuridão, quando foi brutalmente empurrado por um dos guardas contra a parede.
Quando o santo bateu o rosto no obstáculo de pedra, esta teria amolecido, e
parte do seu rosto ficou ali impresso. Segundo a tradição cristã, houve mais um
milagre por São Pedro: as correntes que o prendiam, soltaram-se e caíram ao
chão. Essas correntes estão expostas numa das mais importantes igrejas de Roma,
que se chama Igreja de São Pedro Acorrentado (Chiesa di San Pietro ai
Vincoli).
Nesse piso mais profundo há mais um
altar, assim transformado em capela. A cruz desse altar está invertida, alusão
a São Pedro, que saiu dali para ser crucificado de ponta-cabeça. Ao lado do
altar existe uma coluna onde, segundo a lenda, estiveram acorrentados Pedro e
Paulo. Não resta dúvida de que a visão daquela cruz invertida causa grande
impressão às pessoas que visitam o pavoroso calabouço.
Saímos daquele espaço abafado e escuro.
Subimos ao piso superior da masmorra e dali outros degraus nos levaram para o
nível da rua. Encontramos a paisagem ensolarada, e uma brisa reconfortante nos
trouxe de volta à Roma atual. Partimos para novos passeios, porém com o
pensamento ainda aprisionado ao lugar horrendo que acabáramos de visitar.
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