sábado, 31 de dezembro de 2016

A SITUAÇÃO POLÍTICA QUE AÍ ESTÁ por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI.

PORTAL IZA ZILLI

Comendador Francisco Souto Neto

A situação política que aí está

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas.
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito!
Ah! Eu nem acredito!
(Ideologia – Cazuza)

Eu tenho a felicidade de ser apolítico. Apolítico no sentido de não me interessar por nenhum partido político. Pela corrupção que vejo grassar impune em Brasília – e obviamente nos Estados federativos – os partidos me parecem todos iguais. O PT não é pior do que o PSDB, este não é pior do que o PMDB, e assim por diante. Isso tem me permitido analisar racionalmente todo esse complexo de contradições do emaranhado político e chegar às minhas conclusões sem estar obliterado pelo fanatismo, aquele mesmo fanatismo que tornou as multidões insufladas pelo ódio e cegas à realidade.

O impeachment

Bastou assistir ao processo de impeachment de Dilma Rousseff para avaliar quem são os “nossos” representantes no Congresso Nacional, mais especificamente na Câmara dos Deputados, cujas “justificativas” e beijinhos aos familiares chegaram a escandalizar e, pelo ridículo, até mesmo divertir a mídia internacional.

Dilma Rousseff foi condenada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, porém sem a ocorrência de crime de responsabilidade. Dois dias após o impeachment, o Congresso Nacional aprovou lei que beneficia o governo Michel Temer e tornou as “pedaladas fiscais”, que consideravam crime, em procedimento legal e agora permitido ao novo presidente. Sancionada e publicada na sexta-feira 2 de setembro de 2016 no Diário Oficial da União, a Lei 13.332/2016 flexibilizou as regras para abertura de créditos suplementares sem necessidade de autorização do Congresso. Crédito suplementar é um reforço a uma despesa já prevista na lei orçamentária.

O antigo e respeitado Jornal do Brasil, em 3 de setembro publicou análise de Ricardo Lodi: “O Congresso Nacional, que nunca considerou as condutas supostamente praticadas pela Presidente Dilma como ilícitas, encerrado o processo de impeachment, passou a considerar tal conduta como absolutamente legitimada. Ou seja, o que até ontem consideravam crime, hoje é uma conduta admitida. Isso confirma o que eu disse no sábado no Senado. A conduta  de Dilma Rousseff não era ilícita antes e nem seria depois. Foi considerada crime somente para a aprovação do impeachment. Não tiveram nem o pudor de disfarçar". Em suma, em apenas dois dias o Congresso Nacional resolveu que aquilo que dizia ser crime, não era mais crime. Isto seria risível se não fosse trágico.

FOTO 1 – Dilma Rousseff

A deposição de Rousseff configurou-se num “golpe branco”, que é aquele praticado pelos caminhos legais, porém sem um crime que o justifique. Isto é um fato indubitável e indiscutível. Só não vê quem finge não ver ou, cego pelo fanatismo e histeria coletiva que abalaram todo o país, não quis ir às fontes de informação superiores à tendenciosa imprensa falada, escrita e televisionada que visou, sobretudo, a agir na defesa dos seus próprios interesses.

As capas escabrosas das revistas semanais, como aquela da cabeça de Lula decapitado e escorrendo sangue, expostas nas bancas de revistas do País, causaram repulsa pelo incitamento à violência e sugestão de linchamento físico, algo repugnante sob o aspecto moral. Foi assim que se processou a lavagem cerebral dos brasileiros, manietando-os na busca a bodes expiatórios. A corrupção que grassava no PT era verdadeira, sim, e os corruptos e corruptores do partido tiveram e têm sua merecida e exemplar punição; contudo, nenhum ato de corrupção pôde ser formalmente atribuído a Rousseff, tanto que não a tornaram inelegível. Ela foi o bode expiatório de uma luta pelo poder.

O governo Temer

O presidente que agora aí está, de fala nervosa e cheio de dedos afetados por gestos rococós, chegou tentando impor um ministério formado só por homens, maioria de “ficha suja”. Desde então, cada erro do presidente tem correspondido a um retrocesso, aparentemente não provocado por uma tentativa de correção, mas por temor à reação popular. Temos presenciado na metade final de 2016, um desfile de aberrações. Exemplo gritante é o de Temer ter perdoado a dívida das empresas de telecomunicações.  60 bilhões de reais, em detrimento a milhões de reclamações de brasileiros que reivindicam seus direitos feridos por prejuízos provocados pelas telefônicas. Título da notícia: “Para o povo aumento de 20% na conta do celular, para as teles bilhões dados pelo governo”. Outra manchete de jornal: “Imprensa francesa diz que Brasil está entregando reservas estratégicas do pré-sal a ‘preço de banana’”. Ainda outra: “Ministro da Educação Mendonça Filho quer fim do ensino noturno”. Pior ainda: “Ministro da Saúde diminui número mínimo de médicos por UPA”.

 As más notícias e os escândalos se sucedem em impressionante velocidade. Desde as brutais propostas do governo pelo fim do ensino universitário gratuito e pela reforma da previdência social, atos que prejudicarão a milhões de trabalhadores, os brasileiros sentem-se sob permanente bombardeio da mídia. Incomoda-nos até mesmo saber que a lista de compras para o avião presidencial de Temer incluiu, dentre outros itens de luxo, sorvetes Häagen-Dazs. Se o leitor for curioso, é só olhar quanto custa num supermercado um pequeno pote desse sorvete importado. Como de costume, temeroso da reação popular, Temer retrocedeu e mandou cancelar a licitação.

FOTO 2 – Michel Temer

Além disso, temos acompanhado ocorrências das mais bizarras no Congresso Nacional. Vou ilustrar um só exemplo: Quem quiser ouvir a declaração do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) sobre a PEC 241, para quem a Universidade deverá ser paga, e quem for pobre que não puder pagar, que não estude, este é o link:


Abaixo, a transcrição. Entretanto, a íntegra do diálogo poderá ser localizada na internet.

Repórter: Não é melhor cortar de quem tem?
Deputado Nelson Marquezelli – Não! Tem que cortar universidade, tem que cortar. Quem pode pagar, vai ter que pagar.
Repórter: Mas o...
Deputado Nelson Marquezelli – Meus filhos vão pagar!
Repórter: Pois é, mas os filhos do senhor têm condições, né?  Maioria da população brasileira não tem. O senhor acha justo?
Deputado Nelson Marquezelli – Quem não tem condições, não faz universidade.
Repórter: É mesmo? Então quem não tem condições, não deve fazer universidade?
Deputado Nelson Marquezelli – Quem não tem dinheiro não faz!

A previsão, segundo experts, é a de que o Congresso Nacional promoverá o impeachment de Temer no primeiro semestre de 2017. Só não o fizeram antes, porque a partir de 1º de janeiro, no caso de impedimento do atual presidente, segundo a nossa Constituição o sucessor não será eleito pelo democrático voto direto do povo, mas pelos políticos do próprio Congresso Nacional.

 
FOTO 3 - Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
E ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
O seu paradeiro
Está no estrangeiro
Onde está o dinheiro.
(Onde está o dinheiro? - Gal Costa)



Obviamente o país não suportará uma eleição em que um novo presidente seja eleito por uma casa – o Congresso Nacional – que conta com tantos políticos suspeitos de corrupção e que estão sendo investigados. Neste caso, caindo Temer, a Constituição terá que ser alterada para que seu sucessor seja eleito pelo povo, e não pelo Congresso Nacional. O que os políticos agora querem, é escolher um deles que aceite todas as condições que lhe forem impostas e que, guindado à presidência da República, os proteja das falcatruas em que se envolveram, sem que sejam levados às barras da Justiça. Eleição indireta servirá apenas para consolidar a corrupção que está matando o nosso País.

O Poder Judiciário

Neste contexto, o Judiciário, que é um dos três Poderes da República, também tem passado por situações estranhas, que não são de hoje. Primeira delas é constatarmos que o povo está dividido na seguinte indagação: magistrados (juízes, desembargadores, ministros) devem ou não ser processados por abuso de autoridade ou por quaisquer outros motivos como, por exemplo, por erro na interpretação da Lei, ou até mesmo – o que é ainda pior – por corrupção? É claro que devem ser punidos, pois eles podem ser tão falíveis quanto qualquer um de nós. Isto me reporta a um episódio ocorrido no ano de 2007, portanto há dez anos, quando a revista ISTOÉ estampou na capa de sua edição nº 1958, de 9 de maio, a manchete “A JUSTIÇA NO BANCO DOS RÉUS”. A reportagem começava com esta denúncia: “Em, todo o País, existem mais de 600 investigações envolvendo falcatruas de juízes. Poucos são punidos. Muitos deles, mesmo afastados, continuam a receber salários”. Ao início do segundo parágrafo, informava: “Os casos em apuração têm origem em desvios dos mais diversos. Há processos contra juízes por retardarem o andamento de processos. Também há por favorecerem uma das partes. Mas o mais grave é que, invariavelmente, há suspeitas de venda de sentenças e corrupção. No mesmo STJ onde até dias atrás despachava o ministro Medina, tramitam 105 investigações criminais contra desembargadores estaduais, federais e da Justiça trabalhista”. Mais adiante relatou: “O levantamento feito por ISTOÉ esbarrou em algumas resistências que demonstram como a transparência ainda não é termo comum à Justiça como um todo. Dentre os 27 tribunais estaduais, oito simplesmente não responderam”. Explicou ainda mais a ISTOÉ: “Se por um lado os casos de corrupção togada têm aparecido mais, por outro ainda é preciso fazer ajustes. No Brasil, a lei até prevê a demissão como pena para juiz condenado. Mas, na prática, magistrados costumam ser punidos no máximo com aposentadoria compulsória e continuam ganhando os bons salários. Defenestrado do STJ após suspeita de favorecer narcotraficantes, o ex-ministro Vicente Leal continuou a receber os R$ 23 mil por mês e está advogando. Sua banca, aliás, atua no próprio tribunal do qual um dia ele fez parte. O próprio Paulo Medina, que acaba de se afastar, seguirá ganhando salário de ministro. Há mais problemas. Há dois anos, após intenso debate sobre a necessidade de controle externo do Judiciário, criou-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Hoje, o CNJ é um órgão corporativo e o ritmo das punições que tem aplicado ainda está longe daquele que se imaginava lá atrás”.

A reportagem inteira da revista ISTOÉ poderá ser lida no seguinte link:


Se não conseguir abrir o link, simplesmente coloque no Google: “istoé edição 1958 a justiça no banco dos réus”, que será levado à reportagem completa.

Escandalizado com esse estado de coisas, escrevi à revista, que na sua edição seguinte (ISTOÉ/1959-16/5/2007) publicou na seção CARTAS, à página 12, a minha indignação, que coincidentemente foi publicada ao lado de outra opinião que emiti sobre uma reportagem que se referia à biografia não autorizada de Roberto Carlos.

FOTO 4 – Página 12 inteira, da edição nº 1959 de ISTOÉ de 16/5/2007, seção CARTAS.

FOTO 5 – Detalhe da página 12 da edição nº 1959 de ISTO É de 16/5/2007, com duas cartas de Francisco Souto Neto sobre assuntos diferentes, publicadas lado a lado, a primeira delas comentando a reportagem “A JUSTIÇA NO BANCO DOS RÉUS” publicada na edição nº 1958.

Enfim, os magistrados podem ser aplaudidos, elogiados e homenageados pelos seus acertos. Mas eles não são infalíveis. No caso da Operação Lava Jato, quando começaram a ser levados à prisão os figurões corruptos da política em nível nacional, eu aplaudi entusiasticamente o juiz Sérgio Moro. E torço para que os políticos não abafem a atuação da Lava Jato, como alguns gostariam. Não é demais lembrar que, graças à Lava Jato, até o mais execrável, debochado e mentiroso dos políticos brasileiros, Eduardo Cunha, está preso já há três meses.

FOTO 6 – Eduardo Cunha.

Entretanto, meu entusiasmo por Moro foi se arrefecendo quando percebi que ele parece não estar dando importância a nomes delatados pela Odebrecht, quando estes envolvem filiados ao PSDB. Esse indício de parcialidade tem sido muito evidente. Um juiz não pode proteger políticos corruptos por serem eles ligados ao partido da sua simpatia. Este fato tem sido constantemente denunciado por um segmento da imprensa brasileira e criticado pela mídia estrangeira, principalmente a europeia.

Em suma, vivemos um momento de reflexão. Esses problemas têm que ser resolvidos urgentemente, mas sem histerias e extremismos. Todos precisamos colaborar para que o País se desvie da convulsão social, porém, como já disse recentemente, sempre dentro do estado democrático de direito, este que supera o simples Estado de Direito e que defende, através das leis, todas as garantias fundamentais baseadas no Princípio da Dignidade Humana.

Dentro de poucas horas terminará o ano de 2016. Aproveito a oportunidade para desejar a meus leitores que 2017 lhes venha com empatia e tolerância às opiniões que lhes sejam antagônicas, para que alcancemos o desiderato que nos é comum, de paz, amizade, saúde e prosperidade a todos. 

Curitiba, 31 de dezembro de 2016.

-o-

OBSERVAÇÃO ACRESCIDA EM 29.1.2017:


Meu colega acadêmico João Carlos Cascaes, da Academia de Letras José de Alencar, fez um sensível comentário que muito me sensibilizou, sobre meu artigo acima, "A situação política que aí está", que poderá ser ouvido nesta gravação do YouTube:


-o-

8 comentários:

  1. Acabo de ler o seu artigo. Parabéns pelo texto bem fundamentado e claro. Gostaria de poder tecer maiores comentários sobre esse conturbado assunto, mas não detenho elementos; entretanto parabenizo-o por ser um pesquisador e buscador da verdade. De homens com a sua integridade e honestidade é que o país precisa. Pena que a corrupção está espalhada como uma praga repugnante, destruindo as instituições e esmagando a democracia.

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    1. Obrigado, Dirosa, por ler e opinar. Grato, principalmente, por perceber a sinceridade e a isenção do meu artigo, escrito com base em fatos reais e de modo absolutamente honesto. A corrupção tem mesmo que ser perseguida, denunciada e extinta. Só assim poderemos ter esperanças pelo nosso país.

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  2. Querido amigo.
    Parabéns por sua excelente cronica, de profundas seriedade e honestidade. Neste momento histórico da nação, em que presenciamos uma desabalada decadência moral, social e política (com a econômica como produto), palavras como as suas nos confortam. Talvez um surto coletivo de honradez venha-nos salvar de nos esfacelarmos como uma segunda Roma. Amigo, você lança uma semente que certamente, e para nosso bem, germinará.

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    1. Estimado colega acadêmico Arioswaldo, Presidente de Honra da Academia de Letras José de Alencar!
      Suas palavras, mais do que generosas, são um estímulo para que eu continue escrevendo sempre sincera e honestamente, qualquer que seja o tema. Obrigado por sua ampla visão de mundo. Um fraternal abraço.

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  3. “Onde está o dinheiro”? De fato, está no estrangeiro enterrado em obras públicas monumentais (que deveriam ser e estar no Brasil, gerando empregos e renda), nas negociatas do Porto de Santos, nas cuecas e malas de dinheiro, nos prejuízos da Petrobrás, escondidos em imóveis, nos abusos e desvios do erário via superfaturamentos criminosos, em paga de propinas aos corruptos de todo o gênero infiltrados até o quinto escalão dos partidos e empresas envolvidas na macabra trama sistêmica da corrupção homicida.

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    1. Caro Bevilacqua, eu agradeço-lhe por ter lido a minha crônica acima, que escrevi há já dois anos e meio, e por suas palavras de apreciação e estímulo. Um abraço.

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