PORTAL IZA ZILLI
Comendador Francisco
Souto Neto
A situação política que aí está
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas.
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito!
Ah! Eu nem acredito!
(Ideologia – Cazuza)
Eu tenho a felicidade de ser
apolítico. Apolítico no sentido de não me interessar por nenhum partido
político. Pela corrupção que vejo grassar impune em Brasília – e obviamente nos
Estados federativos – os partidos me parecem todos iguais. O PT não é pior do
que o PSDB, este não é pior do que o PMDB, e assim por diante. Isso tem me
permitido analisar racionalmente todo esse complexo de contradições do
emaranhado político e chegar às minhas conclusões sem estar obliterado pelo
fanatismo, aquele mesmo fanatismo que tornou as multidões insufladas pelo ódio
e cegas à realidade.
O impeachment
Bastou assistir ao processo de impeachment de Dilma Rousseff para
avaliar quem são os “nossos” representantes no Congresso Nacional, mais
especificamente na Câmara dos Deputados, cujas “justificativas” e beijinhos aos
familiares chegaram a escandalizar e, pelo ridículo, até mesmo divertir a mídia
internacional.
Dilma Rousseff foi condenada pelas
chamadas “pedaladas fiscais”, porém sem a ocorrência de crime de
responsabilidade. Dois dias após o
impeachment, o Congresso Nacional aprovou lei que beneficia o governo
Michel Temer e tornou as “pedaladas fiscais”, que consideravam crime, em
procedimento legal e agora permitido ao novo presidente. Sancionada e publicada
na sexta-feira 2 de setembro de 2016 no Diário Oficial da União, a
Lei 13.332/2016 flexibilizou as regras para abertura de créditos
suplementares sem necessidade de autorização do Congresso. Crédito suplementar
é um reforço a uma despesa já prevista na lei orçamentária.
O antigo e respeitado Jornal do
Brasil, em 3 de setembro publicou análise de Ricardo Lodi: “O Congresso
Nacional, que nunca considerou as condutas supostamente praticadas pela
Presidente Dilma como ilícitas, encerrado o processo de impeachment, passou a considerar tal conduta como absolutamente
legitimada. Ou seja, o que até ontem consideravam crime, hoje é uma
conduta admitida. Isso confirma o que eu disse no sábado no Senado. A
conduta de Dilma Rousseff não era ilícita
antes e nem seria depois. Foi considerada crime somente para a aprovação do impeachment. Não tiveram nem o
pudor de disfarçar". Em suma, em apenas dois dias o Congresso Nacional resolveu
que aquilo que dizia ser crime, não era mais crime. Isto seria risível se não
fosse trágico.
FOTO 1 – Dilma Rousseff
A deposição de Rousseff configurou-se
num “golpe branco”, que é aquele praticado pelos caminhos legais, porém sem um
crime que o justifique. Isto é um fato indubitável e indiscutível. Só não vê
quem finge não ver ou, cego pelo fanatismo e histeria coletiva que abalaram
todo o país, não quis ir às fontes de informação superiores à tendenciosa
imprensa falada, escrita e televisionada que visou, sobretudo, a agir na defesa
dos seus próprios interesses.
As capas escabrosas das revistas
semanais, como aquela da cabeça de Lula decapitado e escorrendo sangue,
expostas nas bancas de revistas do País, causaram repulsa pelo incitamento à
violência e sugestão de linchamento físico, algo repugnante sob o aspecto
moral. Foi assim que se processou a lavagem cerebral dos brasileiros,
manietando-os na busca a bodes expiatórios. A corrupção que grassava no PT era
verdadeira, sim, e os corruptos e corruptores do partido tiveram e têm sua
merecida e exemplar punição; contudo, nenhum ato de corrupção pôde ser
formalmente atribuído a Rousseff, tanto que não a tornaram inelegível. Ela foi
o bode expiatório de uma luta pelo poder.
O governo Temer
O presidente que agora aí está, de
fala nervosa e cheio de dedos afetados por gestos rococós, chegou tentando
impor um ministério formado só por homens, maioria de “ficha suja”. Desde
então, cada erro do presidente tem correspondido a um retrocesso, aparentemente
não provocado por uma tentativa de correção, mas por temor à reação popular.
Temos presenciado na metade final de 2016, um desfile de aberrações. Exemplo
gritante é o de Temer ter perdoado a dívida das empresas de telecomunicações. 60 bilhões de reais, em detrimento a milhões
de reclamações de brasileiros que reivindicam seus direitos feridos por
prejuízos provocados pelas telefônicas. Título da notícia: “Para o povo aumento
de 20% na conta do celular, para as teles bilhões dados pelo governo”. Outra
manchete de jornal: “Imprensa francesa diz que Brasil está entregando reservas
estratégicas do pré-sal a ‘preço de banana’”. Ainda outra: “Ministro da Educação
Mendonça Filho quer fim do ensino noturno”. Pior ainda: “Ministro da Saúde
diminui número mínimo de médicos por UPA”.
As más notícias e os escândalos se sucedem em
impressionante velocidade. Desde as brutais propostas do governo pelo fim do
ensino universitário gratuito e pela reforma da previdência social, atos que
prejudicarão a milhões de trabalhadores, os brasileiros sentem-se sob
permanente bombardeio da mídia. Incomoda-nos até mesmo saber que a lista de
compras para o avião presidencial de Temer incluiu, dentre outros itens de
luxo, sorvetes Häagen-Dazs. Se o leitor for
curioso, é só olhar quanto custa num supermercado um pequeno pote desse sorvete
importado. Como de costume, temeroso da reação popular, Temer retrocedeu e
mandou cancelar a licitação.
FOTO 2 – Michel Temer
Além disso, temos acompanhado
ocorrências das mais bizarras no Congresso Nacional. Vou ilustrar um só
exemplo: Quem quiser ouvir a declaração do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP)
sobre a PEC 241, para quem a Universidade deverá ser paga, e quem for pobre que
não puder pagar, que não estude, este é o link:
Abaixo, a transcrição. Entretanto, a
íntegra do diálogo poderá ser localizada na internet.
Repórter: Não é melhor
cortar de quem tem?
Deputado Nelson
Marquezelli – Não! Tem que cortar universidade, tem que cortar. Quem pode pagar,
vai ter que pagar.
Repórter: Mas o...
Deputado Nelson
Marquezelli – Meus filhos vão pagar!
Repórter: Pois é, mas
os filhos do senhor têm condições, né?
Maioria da população brasileira não tem. O senhor acha justo?
Deputado Nelson
Marquezelli – Quem não tem condições, não faz universidade.
Repórter: É mesmo?
Então quem não tem condições, não deve fazer universidade?
Deputado Nelson
Marquezelli – Quem não tem dinheiro não faz!
A previsão, segundo experts, é a de que o Congresso
Nacional promoverá o impeachment de
Temer no primeiro semestre de 2017. Só não o fizeram antes, porque a partir de
1º de janeiro, no caso de impedimento do atual presidente, segundo a nossa
Constituição o sucessor não será eleito pelo democrático voto direto do povo,
mas pelos políticos do próprio Congresso Nacional.
FOTO 3 - Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
E ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
O seu paradeiro
Está no estrangeiro
Onde está o dinheiro.
(Onde está o dinheiro? -
Gal Costa)
Obviamente o país não suportará uma
eleição em que um novo presidente seja eleito por uma casa – o Congresso
Nacional – que conta com tantos políticos suspeitos de corrupção e que estão
sendo investigados. Neste caso, caindo Temer, a Constituição terá que ser
alterada para que seu sucessor seja eleito pelo povo, e não pelo Congresso
Nacional. O que os políticos agora querem, é escolher um deles que aceite todas
as condições que lhe forem impostas e que, guindado à presidência da República,
os proteja das falcatruas em que se envolveram, sem que sejam levados às barras
da Justiça. Eleição indireta servirá apenas para consolidar a corrupção que
está matando o nosso País.
O Poder Judiciário
Neste contexto, o Judiciário, que é
um dos três Poderes da República, também tem passado por situações estranhas,
que não são de hoje. Primeira delas é constatarmos que o povo está dividido na
seguinte indagação: magistrados (juízes, desembargadores, ministros) devem ou não ser processados por abuso de autoridade ou por quaisquer outros
motivos como, por exemplo, por erro na interpretação da Lei, ou até mesmo – o que
é ainda pior – por corrupção? É claro que devem ser
punidos, pois eles podem ser tão falíveis quanto qualquer um de nós. Isto me
reporta a um episódio ocorrido no ano de 2007, portanto há dez anos, quando a
revista ISTOÉ estampou na capa de sua edição nº 1958, de 9 de maio, a manchete
“A JUSTIÇA NO BANCO DOS RÉUS”. A reportagem começava com esta denúncia: “Em,
todo o País, existem mais de 600 investigações envolvendo falcatruas de juízes.
Poucos são punidos. Muitos deles, mesmo afastados, continuam a receber salários”.
Ao início do segundo parágrafo, informava: “Os casos em apuração têm origem em
desvios dos mais diversos. Há processos contra juízes por retardarem o
andamento de processos. Também há por favorecerem uma das partes. Mas o mais
grave é que, invariavelmente, há suspeitas de venda de sentenças e corrupção.
No mesmo STJ onde até dias atrás despachava o ministro Medina, tramitam 105
investigações criminais contra desembargadores estaduais, federais e da Justiça
trabalhista”. Mais adiante relatou: “O levantamento feito por ISTOÉ
esbarrou em algumas resistências que demonstram como a transparência ainda não
é termo comum à Justiça como um todo. Dentre os 27 tribunais estaduais, oito
simplesmente não responderam”. Explicou ainda mais a ISTOÉ: “Se por um
lado os casos de corrupção togada têm aparecido mais, por outro ainda é preciso
fazer ajustes. No Brasil, a lei até prevê a demissão como pena para juiz
condenado. Mas, na prática, magistrados costumam ser punidos no máximo com
aposentadoria compulsória e continuam ganhando os bons salários. Defenestrado
do STJ após suspeita de favorecer narcotraficantes, o ex-ministro Vicente Leal
continuou a receber os R$ 23 mil por mês e está advogando. Sua banca, aliás,
atua no próprio tribunal do qual um dia ele fez parte. O próprio Paulo Medina,
que acaba de se afastar, seguirá ganhando salário de ministro. Há mais
problemas. Há dois anos, após intenso debate sobre a necessidade de controle
externo do Judiciário, criou-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Hoje, o
CNJ é um órgão corporativo e o ritmo das punições que tem aplicado ainda está
longe daquele que se imaginava lá atrás”.
A reportagem inteira da revista ISTOÉ
poderá ser lida no seguinte link:
Se não conseguir abrir o link, simplesmente coloque no Google:
“istoé edição 1958 a justiça no banco dos réus”, que será levado à reportagem
completa.
Escandalizado com esse estado de
coisas, escrevi à revista, que na sua edição seguinte (ISTOÉ/1959-16/5/2007)
publicou na seção CARTAS, à página 12, a minha indignação, que coincidentemente
foi publicada ao lado de outra opinião que emiti sobre uma reportagem que se
referia à biografia não autorizada de Roberto Carlos.
FOTO 4 – Página 12 inteira,
da edição nº 1959 de ISTOÉ de 16/5/2007, seção CARTAS.
FOTO 5 – Detalhe da página
12 da edição nº 1959 de ISTO É de 16/5/2007, com duas cartas de Francisco Souto
Neto sobre assuntos diferentes, publicadas lado a lado, a primeira delas
comentando a reportagem “A JUSTIÇA NO BANCO DOS RÉUS” publicada na edição nº
1958.
Enfim, os magistrados podem ser
aplaudidos, elogiados e homenageados pelos seus acertos. Mas eles não são
infalíveis. No caso da Operação Lava Jato, quando começaram a ser levados à
prisão os figurões corruptos da política em nível nacional, eu aplaudi entusiasticamente
o juiz Sérgio Moro. E torço para que os políticos não abafem a atuação da
Lava Jato, como alguns gostariam. Não é demais lembrar que, graças à Lava Jato,
até o mais execrável, debochado e mentiroso dos políticos brasileiros, Eduardo
Cunha, está preso já há três meses.
FOTO 6 – Eduardo Cunha.
Entretanto, meu entusiasmo por Moro
foi se arrefecendo quando percebi que ele parece não estar dando importância a
nomes delatados pela Odebrecht, quando estes envolvem filiados ao PSDB. Esse
indício de parcialidade tem sido muito evidente. Um juiz não pode proteger políticos
corruptos por serem eles ligados ao partido da sua simpatia. Este fato tem sido
constantemente denunciado por um segmento da imprensa brasileira e criticado
pela mídia estrangeira, principalmente a europeia.
Em suma, vivemos um momento de
reflexão. Esses problemas têm que ser resolvidos urgentemente, mas sem
histerias e extremismos. Todos precisamos colaborar para que o País se desvie
da convulsão social, porém, como já disse recentemente, sempre dentro do estado
democrático de direito, este que supera o simples Estado de Direito e que
defende, através das leis, todas as garantias fundamentais baseadas no
Princípio da Dignidade Humana.
Dentro de poucas horas terminará o
ano de 2016. Aproveito a oportunidade para desejar a meus leitores que 2017
lhes venha com empatia e tolerância às opiniões que lhes sejam antagônicas,
para que alcancemos o desiderato que nos é comum, de paz, amizade, saúde e
prosperidade a todos.
Curitiba, 31 de dezembro de 2016.
-o-
OBSERVAÇÃO ACRESCIDA EM 29.1.2017:
OBSERVAÇÃO ACRESCIDA EM 29.1.2017:
Meu colega acadêmico João Carlos Cascaes, da Academia de Letras José de Alencar, fez um sensível comentário que muito me sensibilizou, sobre meu artigo acima, "A situação política que aí está", que poderá ser ouvido nesta gravação do YouTube:
-o-