quinta-feira, 21 de julho de 2016

DINO ALMEIDA E SUA "CAIOBÁ, A DIVINA": HISTÓRIAS DA CRÔNICA SOCIAL (2ª Parte – Final)

PORTAL IZA ZILLI

Dino Almeida discursando, ladeado por Lylian Vargas e Francisco Souto Neto.

Iza Zilli


Comendador Francisco Souto Neto

DINO ALMEIDA E SUA "CAIOBÁ, A DIVINA"
HISTÓRIAS DA CRÔNICA SOCIAL.
(2ª Parte – Final)
Francisco Souto Neto
Na primeira parte deste artigo, referi-me aos primórdios da crônica social em meados da década de 50, da qual José Esmeraldino Bronze de Almeida, para nós apenas Dino Almeida, foi o expoente máximo no Paraná.

FOTO 1 – Dino Almeida

Cerca de dez anos após sucesso sempre crescente com suas colunas em jornais, Dino teve a ideia de criar dois concursos para enaltecer a beleza da mulher paranaense. Em 1966 realizou os primeiros “Glamour Girl” em Curitiba e “Garota Caiobá” no litoral. Na realidade, um certame de beleza foi intentado pelo colunista muitos anos antes, porém funcionou apenas como um ensaio, uma espécie de embrião do colossal evento que Dino Almeida, já muito influente e poderoso, implantaria depois. Por isso, a história dos seus concursos nos moldes criados em 1966 não menciona aqueles anteriormente realizados.

Glamour Girl

O Glamour Girl elegia a moça mais bonita e elegante do Paraná. Ao contrário do concurso Miss Brasil, as candidatas não se exibiam em maiô. No entanto, a movimentação em Curitiba era retumbante, envolvendo toda a infraestrutura de empresas de segurança e manobristas, isto sem falar na agitação dos salões de beleza, floriculturas, ateliês de alta costura e até das joalherias. Era uma efervescência que superava os concursos de Miss Paraná, este ligado ao Miss Brasil e Miss Universo.

O único jornal encontrado na internet no dia em que escrevo esta matéria, 20.7.2016, é o que se vê logo abaixo. É um pedaço não datado de uma das colunas de Dino Almeida. Pelo texto constata-se tratar-se da 28ª edição do concurso Glamour Girl do Paraná, e mais abaixo, no texto, lê-se que o ano era 1992.


FOTO 2 – Pedaço da página de uma coluna de Dino Almeida do ano de 1992 encontrada na internet, referindo-se ao 28º concurso Glamour Girl.

Em suas primeiras versões a partir de 1966, participavam somente candidatas dos clubes da capital paranaense. Mais tarde estendeu-se a todo o interior. Como ocorria também nos concursos Miss Brasil, as campeãs das principais cidades do Estado vinham a Curitiba para disputar a edição estadual.

Desde o início, o certame realizou-se no Country Club. Dino Almeida, sempre engajado em propósitos filantrópicos, introduziu ações beneficentes nos monumentais bailes do Glamour Girl. Ele encabeçou duas campanhas milionárias que marcaram época na história da filantropia em Curitiba, como o da garotinha Carolina, que sofria de câncer, e de uma moça num rumoroso e revoltante caso, em que o próprio namorado lhe desfigurou o rosto com ácido.

O Glamour Girl movimentava a elite curitibana. A coluna diária de Dino Almeida era publicada pela Gazeta do Povo, na época o jornal mais lido no Paraná. 

Lélia Brown

Para que se tenha uma ideia do que foi o concurso Glamour Girl, basta observar a fotografia abaixo, na qual aparecem Dino Almeida, Ibrahim Sued ao microfone, seguido da primeira Glamour Girl Lélia Brown e de Ângela Vasconcellos, a Miss Brasil 1964.


FOTO 3 – Dino Almeida, Rafael de Lala segurando um microfone, Ibrahim Sued, Lélia Brown com a faixa de “Glamour Girl 1966” e a Miss Brasil 1964 Ângela Vasconcellos.

Os mais importantes cronistas sociais do Brasil eram Jacinto de Thormes (heterônimo do intelectual Manoel Bernardes Müller) e Ibrahim Sued, este último o mais popular. Como eu já relatei na primeira parte deste artigo, entre as décadas de 50 e 60 vivíamos a era de ouro da crônica social. Pelo fato de receber o título de Glamour Girl das mãos de Ibrahim Sued, a vida de Lélia Brown, que era manequim (que é como se chamavam as modelos de agora) teve um notável impulso. Recebeu como prêmio uma viagem aos Estados Unidos e um estoque muito fino em maquiagem. Foi capa de O Cruzeiro, Manchete, e A Cigarra, as mais importantes revistas da época, também capa de várias revistas paranaenses. Foi convidada para desfilar como modelo nas passarelas do eixo Rio - São Paulo. No carnaval carioca, desfilou na Marquês de Sapucaí pelas escolas de samba São Clemente e Mangueira.

Lélia Brown casou-se com o advogado Dálio Zippin Filho e tornou-se uma artista plástica que desenvolveu uma carreira admirável.


FOTO 4 – “Viola” – Acrílica sobre tela de Lélia Brown. Coleção F. Souto Neto.

Muitas vezes me referi à arte de Lélia Brown através das minhas colunas em jornais e revistas. Quem desejar conhecer um pouco do seu trabalho artístico, poderá encontrar alguns subsídios na minha coluna “Expressão & Arte”, no Jornal Indústria & Comércio de 19 de agosto de 1989:


Em 1990 convidei Lélia Brown para fazer parte da comissão julgadora do VII Salão Banestado de Artistas Inéditos, ao lado Domício Pedroso e Dulce Osinski. Esses três artistas foram recepcionados em petit comitée por minha mãe em minha residência, o que foi registrado por toda imprensa, como se vê nos recortes de jornais abaixo:


FOTO 5 – A comissão julgadora do VII SBAI – Salão Banestado de Artistas Inéditos na sala da biblioteca da residência de Francisco Souto Neto. Na foto: Dulce Osinski, Domício Pedroso, Francisco Souto Neto, Lélia Brown e Dione Mara Souto da Rosa. Coluna Cláudio Seto (Correio de Notícias de 16.12.1989).


FOTO 6 – Lélia Brown, Francisco Souto Neto e Dulce Osinski. Coluna Dino Almeida (Gazeta do Povo, recorte não datado).


FOTO 7 – Na foto maior do recorte, Lélia Brown e Dª Edith Barbosa Souto, na sala da biblioteca de Souto Neto. Coluna Iza Zilli (Jornal do Estado de 8.1.1990).


FOTO 8 – Lélia Brown e Francisco Souto Neto na residência deste último. Coluna Ruy Barrozo (Jornal do Estado de 26.1.1990).


FOTO 9 – Lélia Brown e Dulce Osinski ladeando Francisco Souto Neto. Coluna Alcy Ramalho Filho (Gazeta do Povo, 5.1.1990).

Garota Caiobá

É surpreendente que haja tão poucos registros, na internet, que façam referências aos concursos Glamour Girl e Garota Caiobá, eventos que moveram a sociedade paranaense em todos os quadrantes do Estado.

Caiobá, para quem não é paranaense e não sabe, é um bairro da cidade litorânea de Matinhos, topograficamente separadas pelo Rio Matinho (isso mesmo, no singular), a aproximadamente 100 quilômetros de Curitiba.

Dino Almeida, que chamava o balneário Caiobá de “A Divina”, no ano de 1966 tirou aquele lugar do marasmo em que existia, ao realizar ali o concurso Garota Caiobá. Seis anos antes, em 1960, tinha sido inaugurado o Edifício MAPI, uma imensa estrutura de fachada quadrada com 16 andares.

FOTO 10 – O Edifício MAPI em construção na segunda metade da década de 50.


FOTO 11 – Atualmente, uma foto quase do mesmo ângulo da foto anterior.


FOTO 12 – Edifício MAPI em 1959 (Em primeiro plano, família não identificada).


FOTO 13  Francisco Souto Neto em Caiobá em 1977. O Edifício MAPI dominava todo o panorama do balneário.

FOTO 14 – Atualmente denominado Edifício Caiobá, forma o complexo arquitetônico Restaurante Panorâmico, Parque das Piscinas e Caiobá Praia Hotel.

O projeto arquitetônico do Edifício MAPI (nome da construtora), que é residencial, foi do alemão Franz Heep em parceria com Elgson Ribeiro Gomes. Considerou-se o movimento dos ventos naquele local, e o prédio foi projetado para dispensar o uso de ar condicionado, aparelho que na época tinha um preço proibitivo. Os apartamentos, todos de frente para o mar, resultaram bem ventilados. Eu me recordo de que quando uma imobiliária de Ponta Grossa iniciou a venda dos apartamentos, colocou na parede de pé direito muito alto do seu hall, um gigantesco painel com a foto do prédio, que era avistado por quem passasse pela calçada. Eu, menino interessado por arquitetura, parei, olhei e memorizei para sempre aquela imponente fachada azul e quadrangular.

Nesse prédio então cobiçado por investidores e afortunados veranistas, realizaram-se os primeiros concursos de Garota Caiobá. Na formação da comissão julgadora que elegia a mais bela garota, Dino Almeida convidava figuras relevantes da sociedade e da política do Paraná, e também figurões nacionais, principalmente os artistas mais famosos das novelas da Rede Globo. Alguns dos nomes: Tarcísio Meira, Glória Menezes, Tony Ramos, Yoná Magalhães, Tônia Carrero, Arlete Salles.

A repercussão era tão intensa, que não apenas o Paraná punha os olhos no seu litoral, mas também o país, porque o concurso era comentado na imprensa nacional, o mesmo que ocorria com o Glamour Girl de Curitiba.

Depois de alguns anos, o Garota Caiobá passou a ser realizado no Iate Clube.

Na internet há raríssimas referências ao concurso Garota Caiobá, e absolutamente nenhuma fotografia. Buscando imagens na data em que escrevo este texto, 20.7.2016, encontra-se apenas um único fragmento de jornal não datado versando sobre o Garota Caiobá, este referente à 25ª edição do concurso, como poderá ser visto logo abaixo. Na foto estampada no referido jornal, estão Carlos Marassi e Lais Mann, da Rede Paranaense de Televisão, e também Adriana Geronassi (Garota Caiobá 89) e Célia Manfrinato (Garota Caiobá 90). Alguns nomes conhecidos de personalidades que compareceram à festa, podem ser identificados na parte não cortada do jornal, como por exemplo: governador Álvaro Dias e Senhora, Ivana Hubsch (Miss Brasil), Túlio Vargas e Dª Lylian Vargas, Rosarita e René Dotti,     Marislei e Max Rosenmann, Juril Carnasciali, José Luiz e Regina Tizzot, o presidente do Banestado Carlos Antonio de Almeida Ferreira (de quem eu era assessor em 1991), Ruy Barrozo, Iza Zilli e inumeráveis outros nomes de destaque. Por aí tem-se uma ideia de quem descia ao litoral para assistir à eleição de Garota Caiobá.


FOTO 15 – Pedaço de jornal não datado, e faltando pedaços, referindo-se ao 25º concurso Garota Caiobá realizado em 1991. Atenção aos nomes que se salvaram do recorte que foi feito no jornal.

O esquecimento e talvez uma questão de antropologia cultural.

Com exceção do pedaço de jornal estampado acima, não há registros na internet dos nomes das Garotas Caiobá que foram eleitas durante 34 anos, de 1966 até 2000, ano anterior ao falecimento de Dino Almeida. Não há referências às histórias envolvendo o concurso, nem quem foram as concorrentes. São igualmente raríssimas as menções ao próprio Dino Almeida, que efetivamente movimentou a sociedade e o Estado em suas campanhas de filantropia e de apoio a movimentos culturais. Este meu artigo, publicado em duas partes, tem principalmente o propósito de resgatar um pouco dessa história, e convidar a quem viveu as experiências dos referidos concursos, e a quem conviveu com Dino Almeida, que façam comentários das suas lembranças no espaço a isto destinado abaixo deste blog, de modo que no futuro os pesquisadores possam encontrar subsídios para possíveis estudos que interessem à antropologia cultural.

Caiobá hoje

Vejo a cidade de Matinhos com seu balneário Caiobá evoluindo muito devagar e com graves falhas em seu desenvolvimento. Percebo, através das décadas, o oceano sempre avançando sobre a avenida beira-mar e destruindo seus calçadões, e noto as ruas mal cuidadas, de comércio pobre. Não há movimentos políticos e sociais em prol da construção de uma ponte que una Matinhos (isto é, Caiobá) a Guaratuba, o que representaria um enorme impulso desenvolvimentista a ambos os municípios e ao próprio Estado. Como pode haver tamanho silêncio a esse respeito? Guaratuba chega a parecer mais catarinense do que paranaense. Se o nosso litoral é tão exíguo, como explicar a ausência de políticas que se debatam sobre a perigosa rodovia que liga a capital do Paraná ao litoral do EstadoComo admitir que a estrada Alexandra-Matinhos não tenha acostamento? Ah, é a eterna pobreza dos cofres públicos. Nós estamos distantes anos-luz do padrão de países desenvolvidos, que oferecem estradas unicamente para carros de passeios e outras, ligando as mesmas cidades, destinadas exclusivamente ao tráfego pesado de ônibus e caminhões.

A estação rodoviária ficou distante do centro da cidade de Matinhos e nunca vi um ônibus urbano circulando, mas eu soube que existe uma linha que vai desde aquele terminal até ao balneário, e mais uma ou outra, que atendem à população dos bairros mais carentes e distantes das praias. Lojinhas e restaurantes funcionam apenas na alta estação. Noutros períodos, a maioria dos restaurantes de Caiobá não abre em dias úteis. Provavelmente faltam estímulos ao comércio. Pelo menos a restinga da Praia Brava tem mantido o mar afastado da Avenida Atlântica, e esta vem sendo modernizada desde o ano passado, o que representa, finalmente, uma tentativa de melhorar o balneário, e os primeiros quarteirões transversais ao mar estão sendo recapados com asfalto. Ainda assim, eu gostaria de ver uma Câmara Municipal mais atuante, porque desde o falecimento de Dino Almeida, Caiobá vem caindo no desinteresse popular, que percebe mais atrativos em Guaratuba... e no litoral catarinense. Basta vermos que Camboriú se transformou numa metrópole que atrai turistas do país inteiro e do Exterior.

Abaixo, algumas fotos que tirei em Caiobá no mês em curso, mostrando alguns avanços na Avenida Atlântica, que se encontra em obras desde o Edifício Caiobá, na base do Morro do Boi, até ao Rio Matinho. Porém entre este e o centro de Matinhos, nada está sendo feito por enquanto.


FOTO 16 – De costas para o Edifício Caiobá (ex-MAPI), a Av. Atlântica em obras (julho de 2016).

FOTO 17 – Mesmo quarteirão da foto acima, mas em sentido contrário, com as pistas da futura ciclovia já delineadas e em construção, tendo o Edif. Caiobá (ex-MAPI) ao fundo (julho de 2016).

FOTO 18 – Obras avançadas na Av. Atlântica, esquina com a Rua Cambará. Ao lado direito, os alicerces de uma estrutura que certamente será destinada, de algum modo, a incrementar o turismo (julho de 2016).

FOTO 19 – Detalhe dos alicerces da estrutura referida na foto anterior (julho de 2016).

FOTO 20 – Obras apenas iniciadas na Av. Atlântica, em frente aos edifícios Arethusa e Savannah, ao lado dos quais passa o Rio Matinho (julho de 2016).

FOTO 21 – Trecho praticamente concluído, mostrando bem à esquerda o leito estreito para passagem de veículos na Avenida Atlântica, depois as duas ciclovias (de ida e volta). Do centro da foto para a direita, vê-se o passeio para pedestres, e no jardim os alicerces de estruturas destinadas ao turismo (julho de 2016). Foto feita na esquina da Rua Andirá.

FOTO 22 – Rua Jaguariaíva, extensão da Rua Uniflor, paralela à Avenida Atlântica, esquina com a Rua Andirá, é uma das mais bonitas vias públicas do balneário. Mas quando chove, esta rua inunda, como inúmeros outros locais de Caiobá.

FOTO 23 – A mesma Rua Jaguariaíva, esquina com Rua Andirá, inundada em dia de chuva.

Acorda, Caiobá! Enfeite-se, engalane-se, porque A Divina, de Dino Almeida, merece continuar conquistando corações e mentes.
  

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quarta-feira, 13 de julho de 2016

DINO ALMEIDA E SUA "CAIOBÁ, A DIVINA": HISTÓRIAS DA CRÔNICA SOCIAL (1ª Parte)

PORTAL IZA ZILLI

O maior Portal de comunicação social do Paraná -

Dino Almeida


Iza Zilli


Comendador Francisco Souto Neto

Dino Almeida e sua "Caiobá, a Divina":
histórias da crônica social.
(1ª Parte)
Francisco Souto Neto
Passei uns dias em Caiobá, tratando de algumas reformas no apartamento de minha propriedade. Como sempre, no inverno o lindo balneário toma um aspecto desértico de solidão e quietude. Quando lá me encontro, não importa a estação do ano, eu não consigo me esquecer dos tempos efervescentes em que o saudoso Dino Almeida – o mais famoso cronista social do Paraná – levava glamour e sofisticação ao litoral paranaense.

Dino Bronze de Almeida nasceu em 1937 e faleceu em 25 de abril de 2001 aos 64 anos, 45 dos quais dedicados ao jornalismo. Formou-se em Direito. Começou no jornal A Tarde em 1955. Passou por vários outros jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão. De 1964 até 2001, publicou uma coluna diária no jornal Gazeta do Povo. Foi eleito vereador em Curitiba e esteve casado com Nadyegge Almeida durante 24 anos, com quem teve quatro filhos.



FOTO 1 - Dino Almeida

Antes de me referir a Caiobá propriamente dita, quero rememorar como conheci Dino Almeida, e dizer da importância que ele teve na História do Paraná.

Fadlo Auak em Ponta Grossa e Dino Almeida em Curitiba

Em março de 1958 eu era um menino aos 14 anos de idade. Morava com meus pais e meus irmãos Olímpio (aos 23 anos) e Ivone (aos 19) em Ponta Grossa, interior do Paraná. Meu pai, Arary Souto, tinha sido diretor de redação do diário Jornal do Paraná, e era o diretor geral da Rádio Central do Paraná, quando a televisão não tinha ainda chegado aos Campos Gerais e o rádio era o principal meio de comunicação de massas. Residíamos num belo casarão na Rua Augusto Ribas nº 571, entre a Rua XV de Novembro e a Marechal Deodoro, pegado à Câmara Municipal de um lado, e a uns 50 metros do Cine Ópera do outro lado.

Àquele tempo as famílias mais tradicionais costumavam dar grandes festas que movimentavam a sociedade local. Meus pais não gostavam muito dessas festas, mas meus irmãos, sim. Eu, aos 14 anos, nem pensava em festas de adultos, pois me ocupava das tarefas escolares (iniciava aquele período letivo matriculado no 3º ano ginasial), lia gibis, ia muito ao cinema estimulado pelo meu pai, e me enturmava com os colegas da Academia, como era chamado o Ginásio Ponta-Grossense.

Naqueles dias, Bernardo Sávio Filho e Vera Nascimento Sávio costumavam ser os anfitriões mais notáveis da cidade. Era a época dourada da crônica social, e o mais importante cronista de Ponta Grossa chamava-se Fadlo Auak, heterônimo de Sebastião Nascimento Filho, que assinava a coluna “Cortina de Seda” no Jornal da Manhã. Se numa festa não houvesse a presença de um cronista social, ela seria considerada irrelevante. Num exemplar de jornal que tenho em arquivo, de janeiro de 1958, Auak noticiou um “jantar americano” oferecido pelos Sávio para o hight society:


FOTO 2 – “Cortina de Seda”, de Fadlo Auak, de janeiro de 1958.

Em tais ocasiões alguns dos casais convidados e outros jovens costumavam dar mostras dos seus pendores artísticos. Como se lê na coluna acima, Abdo David João apresentou números cômicos, João Abrahão Maia (Janguta) dançou tango com sua esposa Graziela Pinto Maia – que fazia parte da lista das dez senhoras mais elegantes do Paraná – Olímpio Souto tocou violão e cantou, Ivone Souto e Chiquinho Missino apresentaram números de rock and roll, a anfitrioa Vera Nascimento Sávio, Hebe Fernal e Grazinha Maia (filha de Graziela e Janguta), que tinham sido ensaiadas pelo famoso professor Luiz Vilarejos, apresentaram um número de dança espanhola. Assim eram as festas da alta sociedade na década de 50.

Três meses depois, o jovem cronista social Dino Almeida, que vinha fazendo muito sucesso em Curitiba, encontrava-se em Ponta Grossa para participar de um jantar a convite do casal André e Lélia Fatuch. Naquela ocasião Dino Almeida foi apresentado ao casal festeiro Bernardo e Vera Sávio, que os convidou para um chá em sua mansão na tarde do dia seguinte. Durante esse chá, meus irmãos, que eram também convidados, conheceram Dino Almeida e, simpatizando com o cronista, convidaram-no para uma “festinha” (que é como denominavam as festas informais) em petit-comitée em nossa casa, no dia seguinte. Dino aceitou.

Conhecendo Dino Almeida em 1958

Durante o almoço meu irmão comunicou ao nosso pai: “Papai, ontem eu convidei um moço que está fazendo sucesso com uma coluna social em Curitiba, para uma festinha aqui em casa hoje à noite”. Acrescentou que ele, Olímpio, e minha irmã tinham-no conhecido na casa dos Sávio, e que se tratava de um rapaz muito bem educado e fino. Os convidados para a “festinha” não seriam mais do que apenas umas 15 pessoas, dentre elas Nilton Romanowski, Michel Acras, Zilá Lopes, Marli Mascarenhas,  Vera Gaertner, Marlene Sant’Anna, Loil e Haydée Noemberg, João Copla e alguns outros. Meus pais concordaram.

As festas do meu irmão eram ao som de música popular norte-americana, nas vozes de Doris Day, Jane Froman, Julie London, sempre à luz de velas. Minha mãe, Dª Edith Barbosa Souto, encomendava salgadinhos e doces. Nessas ocasiões, meu pai não permitia bebida alcoólica, mas apenas refrigerantes. E ambos, meu pai e minha mãe, permaneciam entre os convidados até ao final da festa. Todos sabiam que beijos eram impróprios, e a simples presença dos meus pais era o suficiente para que soubessem portar-se convenientemente segundo os costumes da época.

Num dos momentos em que passei por ali, meu irmão chamou-me e me apresentou ao Dino Almeida. Cumprimentei-o, comi alguns doces e fui para o meu quarto, longe do vozerio, como faria qualquer outro menino de 14 anos.

FOTO 3 – Meu pai Arary Souto.


FOTO 4 – Minha mãe Edith Barbosa Souto.


FOTO 5 – Meu irmão Olímpio Souto ouvindo um disco de Jane Froman.

FOTO 6 – Minha irmã Ivone Barbosa Souto em nossa sala (Ivone Souto da Rosa após casar-se). Era o tempo dos vestidos rodados.


FOTO 7 – Eu, Francisco Souto Neto, aos 13 ou 14 anos. Sim, naquele tempo meninos usavam terno e gravata em casa. 

Alguns dias depois, li a coluna “Nossa Sociedade”, que Dino publicava no Diário do Paraná, de Curitiba. O cronista referia-se à festa dos Sávio e mencionava meus irmãos Olímpio e Ivone. Na primeira das fotografias ali publicadas, via-se o próprio Dino Almeida entre Bernardo Sávio Filho e Janguta Maia seguido de André Fatuch.


FOTO 8 – Coluna "Nossa Sociedade", assinada por Dino Almeida no jornal Diário do Paraná, de Curitiba. Edição de 1.4.1958.

Lembro-me de que, entusiasmado com o sucesso de Fadlo Auak e Dino Almeida, tive vontade de também escrever para jornais. Meu pai aconselhou-me a “esperar por mais algum tempo” até que eu tivesse um melhor domínio do idioma.

No ano seguinte Fadlo Auak cedeu a sua coluna “Cortina de Seda” para uma misteriosa Belinda, cuja identidade ninguém conhecia. Como Belinda se mostrava inovadora, eu resolvi ousar. Arrisquei: escondido do meu pai, escrevi uma carta a Belinda oferecendo colaboração e assinei o pseudônimo de “Mister X”. Para mim não seria difícil escrever sobre o hight society, porque bastava ouvir as novidades que os amigos dos meus irmãos, reunidos na nossa sala, comentavam. Não revelei a Belinda a minha identidade, porque eu era ainda um garoto, e se ela soubesse disso, certamente não se interessaria em ter, dentro da sua coluna de tamanho prestígio, a colaboração de um menino inexperiente. Fiz isto sem que ninguém soubesse. Para minha surpresa, Belinda aceitou a colaboração e publicou as notinhas que lhe enviei. As minhas notícias dentro da Cortina de Seda passaram a levar o subtítulo “Mexericos de Mister X”. Por incrível que pareça, Mister X fez sucesso. No domingo, jornal aberto nas mãos do meu irmão, ouvi-o dizer à nossa irmã: “Veja, agora há um tal Mister X fazendo fofocas na Cortina de Seda”... e eu senti um frio na barriga. Mas esta já é outra história. O episódio de minha entrada no jornalismo, influenciado por Fadlo Auak e Dino Almeida, ficou registrado na imprensa, como se vê na coluna abaixo, publicada por Belinda em 1959:


FOTO 9 –  No segundo semestre de 1959, a misteriosa Belinda passa a assinar a Cortina de Seda (Jornal da Manhã, Ponta Grossa) no lugar de Fadlo Auak. E ganha um colaborador, também misterioso, que assina... Mister X. Quem seria Mister X? 

Voltemos ao Dino Almeida, muitos anos após os acontecimentos acima narrados.

Dino Almeida nas décadas de 80 e 90

Meu pai faleceu na primeira metade da década de 60 e eu ingressei no Banestado por concurso, no cargo de escriturário na agência local, onde permaneci durante cerca de dez anos. No fim da década de 70 passei em concurso interno para o cargo de inspetor, e durante o Governo Canet, em Curitiba, assumi o cargo de confiança de assessor de diretor. Entre as décadas de 80 e 90 ascendi aos cargos de assessor da presidência do Banestado e assessor para assuntos de cultura. Meu envolvimento nos projetos culturais do Banestado, onde criei e consolidei um vasto e abrangente Programa de Cultura, começou a ser notado pelos jornalistas de Curitiba, que compareciam a eventos por mim dirigidos, tais como exposições de arte, lançamentos de livros, e atividades congêneres. Numa dessas ocasiões fui “apresentado” ao Dino Almeida. Achei desnecessário dizer que já o conhecia desde sua visita à minha casa paterna em Ponta Grossa. Sempre gentil e simpático, tirou uma fotografia minha com alguns dos presentes (ele andava com uma pequena câmera fotográfica no bolso), que atenciosamente publicou em sua prestigiosa coluna. Nascia ali uma amizade entre nós.

Comentava-se que a coluna social de Dino Almeida fazia aumentar a tiragem diária do jornal. Ele era boníssimo e envolveu-se em inúmeros casos de filantropia. Eleito vereador, teve uma atuação destacada na Câmara Municipal de Curitiba, voltada para as pessoas que precisavam de apoio e atenção. Foi um bom vereador e deixou sua marca na história da cidade. Hoje existe um prêmio com  o seu nome, que homenageia profissionais de imprensa que se destacam em suas atividades.

Algumas pessoas diziam que Dino Almeida cobrava para mencionar nomes em sua coluna. Nunca vivi, nem conheci alguém que tivesse passado por essa experiência. Ele mencionou meu nome inúmeras ocasiões ao longo de muitos anos, sempre de maneira elogiosa, dezenas de vezes com minha fotografia. Jamais falou em cobrança. A propósito, tive com Dino uma experiência memorável, que ficou como um exemplo da honestidade e seriedade do meu amigo colunista. Ocorreu o seguinte:

“Gente que é notícia”, por Dino Almeida

Desde o ano de 1986 eu vinha tendo sérios desentendimentos com o Cemitério São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro, conhecido como Cemitério do Catumbi, porque lá estão sepultados meus trisavós, o Visconde e a Viscondessa de Souto, e uma favela avançava pelos fundos do cemitério, onde se localiza o setor histórico da necrópole, e tinham sido construídos barracos sobre vários túmulos, dentre os quais o de Theóphilo Otoni. Foram tantos absurdos que ali aconteciam, que busquei socorro na imprensa carioca. O Jornal do Brasil foi o mais atencioso de todos, porque mandou uma equipe de repórteres ao cemitério, estes atestaram a veracidade da minha denúncia, e dedicaram meia página ao que foi chamado de “Escândalo do Catumbi”. Em Curitiba, o jornalista Aramis Millarch, que lia o Jornal do Brasil, tomou conhecimento e passou a publicar na sua coluna “Tabloide”, do jornal O Estado do Paraná, vários artigos de apoio à minha luta pela moralização do cemitério. Dino Almeida, que então já me conhecia bem, ligou-me dizendo-me que queria publicar esse assunto num local de destaque dentro da sua coluna na Gazeta do Povo, que se chamava “GENTE QUE É NOTÍCIA”. Ele colheu informações comigo, com Aramis e com o próprio Jornal do Brasil, e fez um belo trabalho que muito me sensibilizou.


FOTO 10 – Francisco Souto Neto no quadro “Gente que é notícia” da coluna de Dino Almeida (Gazeta do Povo de 24.5.1987)

Fui ao seu escritório para agradecer-lhe pessoalmente. Um tanto preocupado com o tempo que ele dispendeu nas pesquisas e com o espaço que usou para divulgar a notícia, eu me senti um pouco desconfortável e achei que deveria perguntar-lhe se ele costumava cobrar em casos como aquele. Sua resposta ficou gravada na minha memória: “Não, Souto. Isto é notícia. É diferente de pessoas que querem aparecer sem nenhum motivo. Você não me deve absolutamente nada. Somente a sua amizade”.

Nadyegge Almeida, esposa de Dino, foi-me apresentada pela fotojornalista Alice Varajão, na Galeria de Arte Banestado. Anos depois, no começo da década de 90, Nadyegge, então diretora do Museu de Arte Contemporânea, e Marisa Villela, diretora do Museu da Imagem e do Som, me convidaram a participar da primeira diretoria da Associação de Amigos dos Museus (depois Sociedade de Amigos dos Museus) de Curitiba, cuja primeira presidenta foi Lylian Vargas.


FOTO 11 – Reunião de trabalho da Sociedade de Amigos dos Museus, no Museu de Arte Contemporânea. Na foto: João Henrique Amaral, Nadyegge Almeida, Francisco Souto Neto, Lylian Vargas e Rodrigo Wagner de Souza.


FOTO 12 – Para acomodar as fotografias nos espaços de sua coluna, Dino Almeida as recortava com uma tesoura, conforme fosse necessário.

Ao final da sua gestão, Lylian Vargas transferiu a presidência para Dino Almeida. Eu prosseguia com o cargo de diretor-secretário da instituição. As fotos abaixo registram alguns momentos da tomada de posse da nova diretoria, e alguns dos convidados à solenidade.


FOTO 13 – Em novembro de 1993 Dino Almeida assume a presidência da Sociedade de Amigos dos Museus. Na foto, toda a nova diretoria: Mauri Rodrigues da Cruz, Nelson Ferri, Lylian Vargas, Dino Almeida, Carlos Spíndola Schrega, Francisco Souto Neto (discursando ao microfone), João Henrique Amaral, Moisés Paciornik e Jair Mendes.

FOTO 14 – Dino Almeida, o novo presidente da Sociedade de Amigos dos Museus, seguido da ex-presidenta Lylian Vargas, Carlos Espíndola Schrega e Francisco Souto Neto (diretores).

FOTO 15 – Discurso de posse de Dino Almeida. Atrás aparecem Lylian Vargas (que passou a conselheira da instituição), Francisco Souto Neto (diretor-secretário), João Henrique Amaral (conselheiro) e Moisés Paciornik (vice-presidente cultural).

FOTO 16 – Marisa Villela, Francisco Souto Neto, Lylian Vargas e Regina Tizzot.

FOTO 17 – Nely Almeida, Francisco Souto Neto, Anita Zippin e Jair César.

Praticamente todos os colunistas e também as redações de todos os jornais de Curitiba noticiavam. Abaixo, exemplos de apenas três colunas:

FOTO 18 – Coluna de Mary Schaffer.

FOTO 19 – Coluna de Alcy Ramalho Filho.

FOTO 20 – Coluna de Nemécio Muller.

 Tive então o prazer de trabalhar com Dino Almeida como seu par de diretoria, naquela causa que exercíamos por puro diletantismo, objetivando nada mais do que prestar apoio ao Museu de Arte Contemporânea, Museu da Imagem e do Som e Museu Paranaense. Dino Almeida, como sempre, trabalhava em prol da cultura do Paraná, sem nada receber em troca.


(Conclui na 2ª Parte – Final: “Dino Almeida e sua Caiobá, a Divinahistórias da crônica social”).

Veja clicando este link:



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