PORTAL IZA ZILLI
- O maior portal de comunicação social do Paraná -
- O maior portal de comunicação social do Paraná -
Iza Zilli
Comendador Francisco Souto Neto
“A presidenta”, uma questão de semântica... ou uma prova de boa ou má
educação.
Francisco Souto Neto
Causou-me espanto ouvir duas comentaristas
políticas que trocavam impressões no Canal Globo News a respeito de Dilma
Rousseff no dia em que ocorreu a sua deposição através de impeachment. Eram Eliane Cantanhêde e
Cristiane Lôbo. Disse Cantanhêde: “Eu
acho horrorosa essa palavra ‘presidenta’ que ‘eles’ usam”. Até aí tudo bem,
porque a forma talvez possa parecer estranha para aqueles que se habituaram ao
vocábulo “presidente” e que jamais antes, pela leitura, souberam que a palavra “presidenta” é correta e dicionarizada na Língua Portuguesa desde o século XIX.
Além disso, é perfeitamente normal que alguém não goste do feminino presidenta, preferindo a presidente. Mas é imperdoável que uma
jornalista da Rede Globo seja ignorante quanto a isto. Ao dizer “a palavra que ‘eles’
usam”, deixa claro que ela pensa, como muitos, que a palavra foi inventada por Rousseff e que
é uso exclusivo “deles”, os petistas.
FOTO 1 – A jornalista Eliane
Cantanhêde maltratando o idioma português.
Essa mesma jornalista, Eliane
Cantanhêde, depois repetiu: “...além
disso a, aspas, presidenta, é...(etc.)”. Ainda no mesmo tom de deboche na
análise com Cristiane Lôbo, ao evidenciar que colocava aspas na palavra presidenta que escolheu usar jocosamente
naquele momento, deixou claro que ela pensa que a palavra está errada, e com
isso certamente influenciou milhões de telespectadores ao seu erro perpetrado
contra o nosso idioma.
Há anos eu venho publicando artigos
em jornais sobre o referido vocábulo, que já era usado por Machado de Assis em
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, livro publicado em 1880. No ano de 1991, Nadyegge
Almeida (então diretora do Museu de Arte Contemporânea), que com Marisa Villela
fundara a Associação dos Amigos do MAC e do MIS aqui em Curitiba, convidou-me
para fazer parte da sua primeira diretoria, e trouxe para a presidência a
empresária Lylian Tamplim Vargas.
FOTO 2 – Ao centro Nadyegge Almeida,
Francisco Souto Neto e Lylian Vargas, ladeados pelos conselheiros João Henrique
do Amaral e Rodrigo Wagner de Souza em reunião de trabalho no Museu de Arte
Contemporânea.
Na qualidade de diretor-secretário,
eu lavrava as atas da Associação, e nestas eu mencionava Lylian Vargas como presidenta da instituição. Lembro-me de
que em 1993 Lylian Vargas passou a integrar o conselho consultivo da entidade,
que então já se chamava Sociedade dos Amigos dos Museus de Curitiba (Museu de
Arte Contemporânea, Museu da Imagem e do Som e Museu Paranaense) e entregou a
presidência a Dino Almeida.
FOTO 3 – O diretor-secretário da
Sociedade de Amigos dos Museus, Francisco Souto Neto, discursa ao microfone
fazendo a transição da presidência de Lylian Vargas para Dino Almeida, estes
ladeados pelos conselheiros Maury Rodrigues da Cruz, Nelson Ferri, Antônio
Carlos Espíndola Schrega, João Henrique do Amaral, Moysés Paciornik e Jair
Mendes.
Eu, mantido na diretoria, fiz o
discurso de transição de cargo dos presidentes, cerimônia realizada na
Secretaria de Estado da Cultura, e na ocasião referi-me à magnífica gestão
exercida “pela presidenta senhora
Lylian Vargas”. Empregar-se o vocábulo presidenta
era então considerado mais erudito do que a forma presidente, isto apesar de ambas serem corretas, e tanto uma quanto
a outra poderiam, como podem, ser usadas ao bel prazer do redator ou orador.
Em 1995 visitei a Islândia, onde pela
primeira vez na História tinha sido eleita uma mulher para a presidência de um país em todo o
mundo. Nos meus artigos publicados em jornais e revistas sobre a Islândia,
referi-me sempre à presidenta daquele
país, Vigdís Finnbogadóttir.
FOTO 4 – Vigdís Finnbogadóttir,
presidenta da Islândia.
Quando foi eleita Dilma Rousseff para
a presidência do Brasil, alguém perguntou-lhe: “A senhora prefere ser tratada
por presidente ou presidenta”? Ela respondeu: “Prefiro presidenta”. Eu gostei
de ouvi-la dizer isto, pois me pareceu uma escolha erudita.
FOTO 5 – Dilma Rousseff, presidenta
do Brasil.
Os seus desafetos na política,
entretanto, ignorantes do idioma castiço, acreditaram que a presidenta do Brasil acabava de
inventar uma palavra que seria usada unicamente pelos seus sectários políticos
ou simpatizantes, e imediatamente começaram a escrever artigos até mesmo acéfalos,
que pretenderam desqualificar o vocábulo e a própria presidenta. Cheguei a
encontrar um cartaz fotográfico no Facebook, no qual o conhecido professor
Ademir Pasquale Cipro Neto aparecia ofendendo a quem usasse a palavra
presidenta. No cartaz, estava escrito na foto do professor, como se as palavras
fossem dele: “FALOU ‘PRESIDENTA’ JÁ SEI QUE É RETARDADO”. Levei ao conhecimento
do conhecido professor, que tem uma conta no Facebook, mas coincidentemente
naquele mesmo dia ele já publicara sua opinião sobre o quiproquó: “Ambas as formas, ‘a presidente’ e ‘a
presidenta’ são corretas”.
FOTO 6 – O respeitado professor
Pasquale.
Naquela ocasião em que o pobre
vocábulo era tão desqualificado por pessoas que não tinham nem sequer a boa
vontade de consultar um dicionário para tirar a dúvida, escrevi um artigo a que
denominei “Quem ainda não recebeu aquele
texto cabotino que pretende dar uma ‘belíssima aula’ sobre a palavra
‘presidenta’?”, que em 2013 foi publicado em dois diferentes jornais, e em
2014 reprisado no Jornal Centro Cívico e que pode ser encontrado neste link:
Não posso reclamar: este tornou-se o
título com o maior número de acessos no meu blog de crônicas.
FOTO 7 – Coluna de Francisco Souto
Neto: “Quem ainda não recebeu aquele
texto cabotino que pretende dar uma ‘belíssima aula’ sobre a palavra
‘presidenta’?”.
Na semana passada, um amigo me
mostrou um artigo que encontrou na internet sobre a palavra presidenta, tão interessante principalmente
em seus últimos parágrafos, que além de dar, logo abaixo, o seu link, faço
questão de também transcrevê-lo na íntegra, porque é melhor do que os textos
que eu já escrevi sobre o mesmo assunto.
Quem costuma ter respeito pela Língua
Portuguesa encontrará aqui um precioso aliado, e aqueles que não são muito
amigos do vernáculo e que pensam que presidenta
é invenção de Dilma Rousseff ou do PT, terão a oportunidade de aprender ao
menos um pouquinho sobre o nosso tão maltratado idioma pátrio.
O link,
elaborado por DICIONARIOEGRAMATICA.COM, de 2 de maio de 2016, é este...
...e esta é a sua transcrição na
íntegra:
--------------------------------------------------------------------
FOTO 8 – Ilustração do link
DICIONARIOEGRAMATIVA.COM
“Presidenta” é mais antigo e tradicional em português do que “a presidente”
Postado em gênero
de palavras, história
da língua portuguesa, palavras
que faltam nos dicionários, palavras
usadas errado por dicionarioegramatica
A
palavra “presidenta” é feminino correto para “presidente”,
aceito por todas as gramáticas e presente em dicionários portugueses há
séculos. Hoje, “a presidente” é considerada igualmente correto,
mas a verdade é que “a presidenta” é forma muito mais antiga e
tradicional na língua portuguesa do que “a presidente”.
A
palavra presidenta está hoje em todas as gramáticas e
dicionários portugueses e brasileiros. Gramáticos
contemporâneos, como o professor Pasquale (vejam aqui) concordam: “pode-se
dizer a presidente ou a presidenta”.
As
gramáticas portuguesas e brasileiras tradicionais – como a Nova
Gramática do Português Contemporâneo, do brasileiro Celso Cunha e
do português Lindley Cintra, ou a Moderna Gramática Portuguesa,
de Evanildo Bechara – também concordam: “Quanto aos substantivos
terminados em -e, uns há que ficam invariáveis (amante, cliente, doente,
inocente), outros formam o feminino com a terminação em “a”: alfaiata, infanta,
giganta, governanta, parenta, presidenta, mestra, monja. Observação:
“governante”, “parente” e “presidente” também podem ser usados invariáveis no
feminino.”
“Presidenta”
está no Dicionário Aurélio desde a sua primeira edição,
em 1975 (ver aqui);
está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia
Brasileira de Letras desde a sua primeira edição, em 1932;
no Dicionário
da Academia Brasileira de Letras; e estava já
no primeiro Vocabulário Ortográfico sancionado pela Academia de
Lisboa, de Portugal, em 1912 (o
vocabulário integral pode ser acessado aqui).
Presidenta já
aparecia também em textos de nossos melhores escritores dois séculos
atrás: Machado de Assis, por exemplo, usa “presidenta” em Memórias
Póstumas de Brás Cubas, sua obra-prima, publicada em 1881 e
disponível gratuitamente aqui.
Anos
antes, em 1878, o português O Universo Ilustrado narrava o
enterro fictício de uma “presidenta”; em 1851, a Revista Popular de Lisboa
também se referia à “presidenta” de uma reunião.
Ainda
em Portugal, podemos encontrar presidenta no primeiro vocabulário
oficial da língua portuguesa, elaborado em 1912 por Gonçalves Viana (disponível aqui) .
“Presidenta”
está também no vocabulário do português Rebelo Gonçalves (1966),
e, desde um século antes, no Dicionário de Português-Alemão de Michaëlis (1876),
no de Cândido de Figueiredo (1899),
no Dicionário Universal / Texto Editores (1995),
na primeira edição do Dicionário Lello (1952) e
na primeira edição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (também
de 1952).
Na
verdade, ainda antes disso – no ano de 1812 (antes ainda,
portanto, da independência do Brasil de Portugal), a palavra “presidenta”
já aparece dicionarizada: está no Dicionário de Português-Francês de
Domingos Borges de Barros, que viria a ser diplomata e senador. Versão
digitalizada do dicionário, de 1812, pode ser acessada aqui.
Por
falar em outras línguas: não apenas no francês, mas também nas línguas irmãs do
português, o galego e o espanhol, presidenta é
considerado o feminino mais gramaticalmente correto de “presidente”.
A
palavra “presidenta” nada tem a ver, portanto, com Dilma
Rousseff ou com o PT, e quem se recusa a usar a palavra por achar que é uma
invenção recente de petistas está apenas atestando ignorância em relação à
língua portuguesa.
Isso
porque a forma “a presidenta” é, na verdade, mais antiga e mais
tradicional na língua portuguesa que “a presidente”.
Como se
pode ver em todos os dicionários e vocabulários oficiais anteriores a 1940
(por exemplo: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui), até a metade do
século passado a palavra “presidente” era considerada
substantivo exclusivamente masculino, e “presidenta” era o único
feminino aceito para “presidente”.
Em
outras palavras: apenas a partir de 1940 a forma “a presidente” passou a
ser aceita por gramáticos e dicionaristas portugueses e brasileiros. Ou
seja: a palavra “presidenta”, dicionarizada desde 1812, é mais
antiga e tradicional em português que a forma neutra “a presidente”,
apenas dicionarizada a partir de 1940.
A passagem,
no século passado, de “presidente” como forma exclusivamente
masculina para forma neutra baseou-se no mesmo processo de “neutralização de
gênero” pelo qual passaram, e vêm até hoje passando, vários
outros substantivos portugueses – como “a parente”, que antes só se dizia
“parenta” -, sobretudo profissões – como “a oficial” (que antes só se dizia
“oficiala”), “a cônsul” (que antes só se dizia
“consulesa”) ou “a poeta” (que antes só se dizia “poetisa”).
A
Revista Veja, por exemplo, deixou de usar a palavra “presidenta”
apenas quando Dilma Rousseff chegou ao poder e disse que gostaria de ser
chamada assim. Até então, porém, a mesma Veja usava “presidenta” - vide
exemplos de edições da década de 1970 (ao
se referir à então presidenta deposta da Argentina),
de 1980, de 1990 e mesmo 2000.
Do
mesmo modo, anos antes de o PT chegar ao poder, os demais órgãos de
imprensa usavam “presidenta” – como a Folha de S.Paulo – por
exemplo, em 1996 (“Secretária
de Turismo de Alagoas e presidenta da Fundação”), 1997 (“Segundo
a presidenta da CPI, deputada Ideli Salvatti”), 2003: (“A presidenta da
CDU e líder da bancada parlamentar, Angela Merkel, já deixou claro que seu
partido não se dispõe a salvar a situação para o governo de Berlim.”), etc.;
O Estadão (em 2004: “Empresária de
Shakira era presidenta da companhia”; em 2008: “disse
a presidenta da Plataforma, Maribel Palácios”, etc.), o Correio Braziliense,
etc.
Em resumo:
hoje, é indiferente o uso de “a presidenta” ou “a presidente” – ambas as
formas são gramaticalmente corretas e equivalentes.
Mas,
ao contrário do que diz o senso comum e do que supõem muitos em sua ignorância,
“a presidenta” não é informal, não é uma invenção recente nem é “coisa de
feministas” ou “de esquerdistas” (pelo contrário, é a forma mais antiga e
tradicional em língua portuguesa).
Um
bom exemplo de sensatez, por exemplo, vem do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB – um dos principais
opositores de Dilma Rousseff, que, no entanto, nunca deixou de falar “presidenta”,
por saber que essa forma é antiga, tradicional e perfeitamente correta em
português.
-o-
Nenhum comentário:
Postar um comentário