UMA PAIXÃO DA JUVENTUDE, UMA PNEUMONIA, UM LIVRO E UM SONETO ACROSTICADO EM VERSOS ALEXANDRINOS.
DIA DE PNEUMONIA
Soneto acrosticado
em versos alexandrinos,
de F. Souto Neto
Mas que súbita altura de temperatura!
Insólita dor o tossir me faz sentir!
Não sei; a quem, pois, minha débil voz atura?
Hoje à pneumonia em dia de destruir.
A mim não destruirão, estafilococos,
Perversos “diplococcus pneumoniæ”!
Não, se anticorpos lanço contra estreptococos
Em exércitos que me estremecem até!
Uma guerra estranha ocorre em minhas entranhas.
Mas terão anticorpos, ou não, algum louro?
Oh, sanhas da dúvida que me trazem manhas:
Não quero nunca morrer de pneumonia,
Inda que em suave agonia de leito de ouro,
Antes de ter beijado e amado Maria.
(Escrito em meu leito de enfermo,
no 2º dia da pneumonia,
[em Ponta Grossa] a 9.10.1969)
Em 1969, aos 26 anos de idade, tive uma pneumonia quando trabalhava na agência do Banco do Estado do Paraná, em Ponta Grossa. Recorri a um médico do Sindicato dos Bancários, que me tratou e determinou que eu passaria não me recordo quantos dias em casa, em repouso absoluto. Então aos cuidados de minha querida e saudosa mãe, enquanto passei os dias acamado dediquei-me principalmente à leitura.
Dois anos antes, em 1967, ao retornar de uma viagem a Bolívia, Peru, Chile e Argentina, eu comprara o romance existencialista A Náusea, de Jean-Paul Sartre, um dos meus autores prediletos e de quem eu já lera diversos outros livros. Ao ser acometido pela pneumonia, foi este o primeiro livro que peguei para ler na cama.
Antes de começar a leitura, preocupado com minha saúde e temendo por complicações que pudessem me levar à morte, resolvi escrever um soneto em versos alexandrinos, em forma de um acróstico, com as palavras “minha pneumonia”, entretanto dedicado a uma garota por quem eu era apaixonado há anos. Seu nome: Sônia Maria.
Ela era uma moça bonita e culta, atraente, de quem tentei me aproximar. Como eu era amigo de seu pai (e par de diretoria na União dos Trovadores), costumava frequentar a casa da família. Porém eu não era correspondido na paixão. Ela namorava um rapaz muito bem situado, que era visto dirigindo um belo carro “último tipo” (hoje diríamos “carro novo” ou “carro zero km”). Tendo perdido meu pai em 1963, eu era àquele tempo um simples escriturário no banco onde trabalhava.
Então, no meu segundo dia acamado, escrevi o acróstico, dedicando-o a “Maria”, que era o seu segundo nome. Mantive o seu primeiro nome em segredo, para não ser invasivo, já que pretendia publicar o soneto no Jornal da Manhã, o matutino que publicou os meus poemas durante muitos anos.
Poeta
e trovador, eu pertencia à diretoria da União dos Trovadores do Brasil, Seção
Ponta Grossa, e já me considerava – embora ainda não o fosse – um craque em
versificação, rima e métrica. Meu ingresso na União dos Trovadores deu-se por convite de Dr. Faris Michaele, jornalista que fora amigo e parceiro de meu pai Arary Souto, também jornalista.
A minha geração era muito romântica, ainda alheia aos benfazejos “excessos” de uma “revolução” pela inovação, ousadia e criatividade que a Semana da Arte Moderna de 1922 sugeriu aos criadores de todas as expressões da arte e, por extensão, ao próprio viver.
Em anos anteriores eu já escrevera outros acrósticos e poemas dedicados à minha referida musa que, entre outros atributos, era uma exímia dançarina de música espanhola. Por exemplo, o acróstico abaixo, “Sônia Espanhola”, foi publicado no Jornal da Manhã de Ponta Grossa, 22 de maio de 1964, cinco anos antes de “Minha pneumonia”:
Vale acrescentar que desde meados da
década de 60 até à metade dos anos 70, participei de concursos de poesia.
Abaixo, fui um dos cinco classificados com o soneto Cama, publicado no
Jornal Integração, de Maringá, edição de dezembro de 1977, que circulava sob a
direção de José Gil de Almeida.
Prossigamos com “Minha Pneumonia”: feito
o soneto em 9 de outubro de 1969, eu o transcrevi na última página do livro de
Sartre que eu estava começando a ler. Como o soneto não estava perfeito na
forma, eu pretendia ainda lapidá-lo.
O soneto, para quem não sabe, é uma estrutura literária poética formada por quatorze estrofes ou versos compostos de dois quartetos e dois tercetos. Se o soneto for um acróstico, a letra inicial em cada um dos quatorze versos deve formar uma frase ou um nome próprio, isto é, o nome de uma pessoa, e esse nome ou palavra não pode ter nem mais, nem menos, do que quatorze letras.
Por exemplo, “LINDA PRIMAVERA”: neste exemplo hipotético, o soneto teria então que começar cada um dos quatorze versos (de dois quartetos e dois tercetos) com as seguintes letras:
L
I
N
D
A
P
R
I
M
A
V
E
R
A
O acróstico com o nome da minha inspiradora
e homenageada não poderia ser empregado num soneto – obrigatoriamente de 14
versos – porque o nome duplo “SÔNIA MARIA” tem apenas dez e não quatorze
letras. Assim, formei o meu acróstico com as palavras “MINHA PNEUMONIA”, frase
que contém as necessárias 14 letras, e dedicado a “Maria” – simplesmente
“Maria” –, porque Marias são muitas e a leitura do poema não
direcionaria o leitor à minha “indiscrição” que, naquela época, seria divulgar
o nome completo da minha musa...
E o soneto acrosticado, que transcrevi no livro que estava lendo quando tive pneumonia, ficou esquecido naquelas páginas. Nunca o lapidei e tampouco o publiquei.
Agora, passado mais de meio século, ao pegar o velho exemplar de “A Náusea”, senti-me muito surpreso ao encontrar ali o antigo soneto acrosticado, pois eu já não me recordava em que livro eu deixara o soneto anotado.
Resolvi corrigir o soneto, não no que escrevi originalmente no livro, mas numa cópia que imprimi da página manuscrita com o poema, agora acertando o número de sílabas poéticas que um soneto alexandrino precisa ter, obrigatoriamente, as 12 sílabas poéticas (e não sílabas gramaticais) em cada verso. Acertei esse número nos versos que estavam irregulares, porém ainda continua existindo uma falha grave no soneto, que é a seguinte: os versos alexandrinos exigem que a metade de cada estrofe, isto é, a sexta sílaba poética, tem que ser tônica... e nem todas as estrofes de Minha Pneumonia atenderam a essa exigência. Para corrigir isso, eu precisaria modificar o poema em sua quase totalidade. Pois então resolvi deixar assim como ficou, pelo menos com a versificação, a rima e a métrica corretas. Devo lembrar que a pronúncia da palavra latina “æ” (o æ "emendado") é “pneumonié”... para rimar com “até”.
Concluindo, quero deixar registrado que o
tempo escorre em velocidade inexorável e impiedosa. Para quem se aproxima da
idade de 80 anos, aquilo que ocorreu há mais de meio século parece ter sido
ontem. Por isso, os octogenários têm a impressão de não terem vivido tantos
anos. É como se houvesse algo de errado nessa contagem, um equívoco na
contagem do tempo. Talvez por isso as palavras do espanhol Calderón de la
Barca, escritas há mais de 500 anos, sejam tão verdadeiras e atuais:
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POST SCRIPTUM EM 26.9.2021
Com a concordância de Sônia Maria, vou anexar algumas fotos antigas e atuais da mesma.
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