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Comendador Francisco Souto Neto
OS
PRIMÓRDIOS DO PETRÓLEO NO BRASIL
E
“UMA HOMENAGEM PÓSTUMA”
NO
CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ
NO
CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ
Francisco Souto Neto
Dedico às minhas sobrinhas-netas
que serão a continuação das minhas memórias:
Marion Souto da Rosa Lemes
e Isabelle Edith Aguilar da Rosa
Arary Souto em 1951.
Na distante década de 80, meu amigo Aramis Millarch na sua coluna Tabloide do jornal O Estado do Paraná, chamou-me de guardador de memórias. Recentemente, nesta segunda década do século XXI, outro amigo jornalista, Aroldo Murá, do Diário Indústria & Comércio, repetiu as mesmas palavras ao escrever algo a meu respeito. De fato, é enorme o meu arquivo que se constitui de documentos e antigas publicações em jornais e revistas envolvendo variados assuntos. Recentemente, pondo ordem às documentações, encontrei um volume em forma de livro contendo textos inéditos, que pertenceu a meu saudoso pai, Arary Souto, com as páginas datilografadas por ele – que são cópias em papel carbono – e encadernado com uma capa impressa, na qual se lê:
CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ
1º
CONGRESSO PARANAENSE DE ESCRITORES
E
1ª
EXPOSIÇÃO DE ORIGINAIS, INÉDITOS E LIVROS DE AUTORES PARANAENSES
-
(CURITIBA)
INÉDITOS
Autor:
ARARY SOUTO
A capa da obra
Página com o currículo de Arary Souto,
assinada pelo próprio autor.
A
primeira página do volume contém as referências ao autor Arary Souto. Essas
referências foram transcritas da página 18 do jornal de cultura “Tapejara” (editado por Faris Antônio Salomão Michaeli), de
Ponta Grossa, de setembro de 1952, que na ocasião iniciava, pelo meu pai, a
apresentação dos intelectuais daquela cidade paranaense que faziam parte da
diretoria do Centro Cultural Euclides da Cunha. A referida página está assim
composta:
GALERIA DE JORNALISTAS EUCLIDIANOS
ARARY SOUTO
I
“Nascido a 18 de abril de 1908 em
Jacareí, no Estado de São Paulo, um dos mais velhos representantes da
tradicional família Salles Souto, cujo tronco é originário do famoso banqueiro
português Visconde de Souto, falecido no Rio de Janeiro. Após desempenhar nos
Estados de São Paulo e Mato Grosso cargos administrativos de grande relevância,
inclusive os de caráter público, transportou-se para o Paraná há seis anos,
tendo aqui se dedicado às lides jornalísticas.
É sócio e membro da diretoria do
Centro Cultural Euclides da Cunha; do Grupo Panamericanista de Intelectuales y
Artistas de Montevideo, Uruguai; da Associação de Cultura Panamericana de
Buenos Aires, Argentina; da Associação Cultural Agostín Aspiazú, de La Paz , Bolívia; da Ordem de
Constantino, de Londres, Inglaterra; do Instituto de Cultura Americana, Seção
Brasileira, Rio de Janeiro; acadêmico “honoris-causa” da Academia de Letras de
San Marino; acadêmico “honoris-causa” da Accademia Universale de Inventori e
Autori de Roma, Itália; Secretário Geral da seção do Paraná do Instituto de
Cultura Americana e Diretor Seccional no Paraná, da Associação Internacional de
Imprensa. É também atual diretor de redação do “Jornal do Paraná”, matutino
editado nesta cidade e Diretor Assistente da Companhia Impressora do Paraná,
cargos que vem desempenhando com proficiência.
Segundo parecer do Dr. Henry C.
Link, do Centro Psicológico de New York, é o Sr. Souto profundo conhecedor de
psicologia nos seus vários aspectos, de acordo com atestado publicado há alguns
anos no “Jornal do Paraná”, com apreciação do Dr. Faris Antônio S. Michaele.
Estes, em linhas gerais, os traços
inconfundíveis da personalidade do nosso prezado companheiro”.
A
página assim transcrita do texto redigido pelo editor do “Tapejara” contém a
assinatura de Arary Souto no volume datilografado e entregue ao Centro de
Letras do Paraná. Esse volume de inéditos consta de 50 páginas timbradas pelo
referido Centro de Letras, nas dimensões 23 x 32 centímetros , e
contém treze diferentes textos literários, envolvendo contos, crônicas e
opiniões sobre variados assuntos, escritos entre os anos de 1948 e 1952.
Um
dos contos chama-se “Paisagem ofuscada”:
"Paisagem ofuscada" - texto original datilografado por Arary Souto.
PAISAGEM OFUSCADA
Quem, nas cavalgadas intermináveis pelas imensas campinas, não sentiu, nas
manhãs engrinaldadas da neblina do mês de julho – quando ela, dona dos campos,
não permite a intrusão do astro-rei – um frêmito estranho ao ouvir, qual
fantasma, o chilrear das aves, o seu ruflar de asas, o piado tristonho da
perdiz na lomba invisível, em procura do companheiro oculto nas trevas brancas?
É o quadro da natureza ofuscado pelo giz da própria natureza, como a dizer ao
viandante: “Predomina sobre a minha força somente os teus ouvidos. De resto, tu
és infinitamente nada para me sondares. Domino campos e seres. Enxerga-os? –
Não! – Eu os agasalho e não permitirei que os teus olhos se afundem na
imensidão dos horizontes, em busca de cobiça. Não tens guia. És cego. Este é o
meu domínio ao mais forte. Quando me retirar ficarás dono desses horizontes.
Mas eu voltarei e na minha presença serás, ainda, infinitamente nada. Eu sou a
névoa, sou a treva que te desnorteia! Sou mais forte que tu!”.
Arary Souto
Ponta Grossa, agosto de 1952.
Dentre estes mesmos Inéditos, em outro trecho anterior a este, de 17 de outubro de 1948, Arary Souto refere-se ao início da exploração do petróleo no Brasil em 1923, antes da criação da Petrobrás, quando a prospecção podia ser feita por pessoas físicas, e presta uma homenagem a seu pai Francisco Souto Júnior (1881-1948), engenheiro e geólogo, que realizou uma das primeiras buscas de petróleo em solo pátrio, no município paulista de São Pedro, onde existe a Rua Engenheiro Francisco Souto Júnior em homenagem à sua memória.
O PETRÓLEO NO BRASIL
E
UMA HOMENAGEM PÓSTUMA
Num verdadeiro impulso de brasilidade, evocando seus dias de labor, sangrando o
solo de sua pátria em busca do ouro negro tão ambicionado pelos estrangeiros,
lembramos aos brasileiros que se bateram pela nacionalização da indústria do
petróleo em nossa terra, tão patrioticamente apoiada pelo eminente presidente
da república, general Eurico Gaspar Dutra, o que foi o vulto de Francisco Souto
Júnior, amigo e adepto de Monteiro Lobato, nos primórdios da exploração do
petróleo no chão brasileiro. Este relato é de conhecimento de muitos patrícios
que viram em Souto Júnior
a encarnação da honestidade, da bondade, de amor à família e ao solo pátrio.
Com sacrifício físico e monetário, esse homem dedicou sua vida aos estudos do
nosso subsolo, às expensas da Companhia Petrolífera Brasileira, que
infelizmente tão má orientação teve, e foi o primeiro homem no Brasil, e quiçá
na América do Sul, que fez brotar a tão ambicionada nafta nas sondagens
petrolíferas do bairro da Graminha, município de São Pedro, Estado de São Paulo
Fazendo um retrospecto desse grandioso feito, voltemos ao ano de 1923 e
vamos encontrar nas colunas do Jornal de São Pedro, em um número do mês de
outubro daquele ano, o seguinte comentário: “Petróleo – É com grande
satisfação que informamos aos nossos leitores os resultados das pesquisas do
petróleo nesta última semana, a cargo do ilustre engenheiro Souto Júnior. S.
s., após uma profundidade pouco superior a dezoito metros, teve a feliz
oportunidade de encontrar bem sensíveis depósitos de nafta, ou petróleo bruto,
tendo em seguida enviado telegrama à sede em São Paulo , comunicando
essa prodigiosa descoberta, acompanhado de uma regular quantidade do precioso
líquido. Hoje ou amanhã deverão chegar, de São Paulo, o exmo. dr. Baloni e
demais engenheiros, intensamente empenhados nessa questão, que, parece, está
francamente resolvida. Ao sr. Souto Júnior, cujo nome e esforços patrióticos,
estamos certos, ficarão perenemente ligados à grandiosidade da nossa terra,
enviamos destas modestas linhas as nossas mais sinceras felicitações”.
Mais ou menos nessa ocasião o jornal O Estado de São Paulo, em manchetes,
publicava tão auspiciosa notícia, tecendo comentários, os mais francos, em prol
do acontecimento, com gravuras fieis, concitando o povo brasileiro, então
incrédulo, a acompanhar o maior feito mineralógico em nosso solo. Em 26 de
outubro de 1923, recebia o Jornal de Piracicaba prova fiel da honradez e
patriotismo de Souto Júnior, pela carta que este lhe dirigiu e da qual, entre
outros assuntos, dada a humildade desse baluarte, e a vicissitude que enfrentou
com os maus brasileiros e a corja de sabotadores que, mancomunados, tudo
fizeram para abortar o jorro do líquido negro neste chão tão maculado por
indivíduos de ruim jaez. É o que transcreve aquele jornal, com o seguinte
cabeçalho: O QUEROSENE EM
SÃO PEDRO. E no seu singelo diapasão, declara Souto Júnior: “Sou
um brasileiro que procura, por todas as formas, honrar a Pátria que lhe serviu
de berço; repetindo, da significação do acontecimento, é o motivo de vir abusar
de vossa bondade. Cumpre-me, também, levar ao vosso conhecimento que só agora
disponho de uma máquina perfuradora, após nove anos de lutas sem tréguas,
máquina esta pertencente à Companhia Petrolífera Brasileira, por cuja
prosperidade, e com a maior boa vontade, tenho empregado os meus sinceros
esforços, convindo notar que a referida máquina ainda não está em funcionamento. Está
claro, sr. redator, que nas condições que com a máxima sinceridade acima
exponho, não poderia eu descobrir os desejados ‘pools’ de petróleo, o que,
aliás, não é necessário para se proclamar, alto e bom som, a existência do tão
cobiçado mineral, e que provo solenemente com a oferta que faço à minha
idolatrada Pátria, de uma infiltração de nafta, com pronunciamento pouco
vulgar, e em perfeito estado de conservação, manifestando-se em rochas, que me
autorizam afirmar sob minha palavra de honra, a existência do petróleo em nossa
zona, devendo fatalmente estender-se por horizonte vastíssimo. Peço vênia para
desafiar, baseando sempre no principal motivo que aqui me traz, refutando
maleivosas manifestações contrárias, a contestação sensata da minha afirmativa.
Por isso, sr. redator, proclamo novamente, alto e bom som, a existência de
petróleo em nosso caro Brasil, penitenciando-me no Sagrado Altar da Pátria, se
notabilidades no assunto me desmentirem, após as análises cuidadosas dessas
ocorrências. Convém ainda notar (o que é de máxima importância) que todos os
mencionados caprichos geológicos foram encontrados pelo humilde missivista, a
dezoito metros de profundidade, em um poço cavado, com acompanhamento de todas
as espécies de sacrifício, a picareta e explosões. Poderia ir além, se já não
estivesse abusando de vossa bondade, motivo pelo qual encerro minha obscura
missiva, agradecendo, mais uma vez, de todo coração, pela sua atenção.
Francisco Souto Júnior”.
Hoje, nas imediações onde Souto Júnior sacrificou uma existência, erguem-se,
majestosas, as termas sulfurosas de São Pedro, fruto do seu esforço em busca do
petróleo. A dois do corrente entregou sua alma ao Criador, esse brasileiro puro
e imaculado. Eu não podia deixar de lhe prestar este tributo, porque, além de
ter sido o meu maior amigo, ele foi, também, meu extremoso
pai.
Arary Souto.
Ponta Grossa, 17 de
outubro de 1948.
Óleos sobre tela de Francisco Souto Júnior (à esquerda) e Arary Souto (à direita).
Tenho refletido sobre a manifestação inspiradora do meu pai em relação a seu genitor, e as palavras deste último – meu avô – publicadas no Jornal de Piracicaba no dia 26 de outubro de 1923, voltadas ao desejo de beneficiar a Pátria. Esses antigos escritos passam agora por mim e alcançam minha sobrinha, a advogada e escritora Dione Mara Souto da Rosa, bisneta de Francisco Souto Júnior. E toda esta dança de quatro gerações, numa espécie de formidável mandala formada por letras, palavras e frases, nasceu do trabalho datilográfico do meu pai com a finalidade de figurar num livro de inéditos promovido em 1952 pelo Centro de Letras do Paraná, a mesma instituição cultural cujo edifício-sede abrigou a ALJA – Academia de Letras José de Alencar até ao ano de 2014, Academia da qual eu e minha sobrinha somos membros, na qualidade de sócios patronímicos. Portanto, esta mandala cósmica ou espiritual faz uma completa e mágica jornada, partindo do volume “Inéditos de Arary Souto” no Centro de Letras e dando um longo giro de translação num movimento que durou 66 anos, – de 1952 ao corrente 2018 – ao redor de algo tão poderoso e intenso que escapa à nossa capacidade de compreensão, finalmente fechando-se sobre mim e minha sobrinha ao nos reunirmos no mesmo Centro de Letras, frequentado no passado por Arary Souto.
Foi
ainda no Centro de Letras do Paraná que a ALJA completou exatos três quartos de
século de existência – 75 anos! – pouco antes de iniciar uma fase inteiramente
nova de sua gloriosa escalada ao instalar-se, a partir de agosto de 2014, no
Palacete dos Leões, pertencente ao Espaço Cultural BRDE, dando início a uma
profícua parceria de cultura entre ambas as instituições em prol do Estado do
Paraná.
Ao fim da minha adolescência, Arary
Souto (1908-1963) nos deixou prematuramente, levado por insidiosa doença. Minha
mãe Edith Barbosa Souto (1911-1997) manteve acesa a luz da memória de meu pai,
simbolizada por uma fotografia dele num porta-retrato que manteve sempre ao
lado de um vaso com flores frescas. A lembrança e o exemplo de ambos têm sido
uma permanente fonte de inspiração, o lume que me guia e me estimula na jornada
através da vida.
*
POST SCRIPTUM
Abaixo, homenagem do radialista Aldo Mikaelli, de Ponta Grossa, a Arary Souto e Francisco Souto Neto, em antecipação das páginas do livro que deverá ser lançado neste ano de 2018, ainda inédito, que retratará os vultos históricos da cidade de Ponta Grossa:
Arary Souto
Francisco Souto Neto
*
Fantástico texto e incríveis memórias. Grata pela citação do meu nome. Espero um dia escrever como você e meu avô Arary Souto.
ResponderExcluirQuerida sobrinha e afilhada Dione Mara (Dirosa), você já é uma grande escritora... e com a passagem do tempo será cada vez melhor. E comentando minhas publicações, vai ajudando a perenizar a nossa história familiar, que é bem marcante. Obrigado. Um beijo.
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