sábado, 18 de fevereiro de 2017

OS ITALIANOS DE SAVONA, por Francisco Souto Neto para o Portal Iza Zilli.

PORTAL IZA ZILLI
- O maior portal de comunicação social do Paraná - 

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Os italianos de Savona
Francisco Souto Neto

       No ano de 2001 tive que ir à cidade de Savona, ao norte da Itália, porque dali partiria o navio que me levaria em cruzeiro pelo Mediterrâneo. Embora as publicações sobre a Ligúria nada apontassem de grande interesse a respeito de Savona, eu, que me considero um turista independente, resolvi chegar à localidade com três dias de antecedência ao embarque no Costa Riviera, para poder conhecer e vivenciar a antiga cidade portuária e seus arredores.

Uma Savona escura e atemorizante

Devido a um atraso do trem, cheguei a Savona quando já era noite. Achei a estação ferroviária esquisita e escura. Sua porta desembocava numa enorme escadaria, desagradável obstáculo para as rodinhas da minha mala. Do outro lado da rua mal iluminada, vi apenas um matagal. Talvez mais “perdido” do que eu, um senhor que estava saindo da estação, olhou para aquele mato e comentou em italiano com forte sotaque: “Isto se parece com a Bulgária”. Pensei: “Só se for a Bulgária após um bombardeio”.

FOTO 1 – Escuridão...

       Eu tinha uma reserva no Hotel Savona, distante uns 500 metros da estação. Não havia táxi, e fui a pé puxando a mala até ao destino. Meus passos ecoavam pelas ruas vazias e silenciosas. Temi ser assaltado e me apressei. Após o grande terreno baldio, passei pela Piazza Aldo Moro, àquela hora sem uma viva alma, atravessei uma ponte e cheguei ileso à Piazza Del Populo, onde se localizava o meu hotel.

       Na manhã seguinte, observei pela janela as árvores da praça e o movimento das pessoas. Uma senhora de bastante idade que vinha carregando pesada sacola de supermercado, sentou-se num dos bancos e começou a movimentar os pés no ar. Depois contornou aquele banco e, segurando-se numa das laterais, abaixou-se por algum tempo e levantou-se. Repetiu por muitas vezes a flexão dos joelhos. Percebi que ela se exercitava no caminho entre o mercado e a sua casa. Fui ao banheiro, escovei os dentes, voltei à janela, e lá continuava a senhora a exercitar-se, enquanto sua sacola repousava sobre o banco. Naquele exato momento passei a gostar de Savona, sem saber ainda que a cidade me reservava muitas outras situações de extremo brilho humano.

Uma Savona brilhante e encantadora

FOTO 2 – Rua que conduz ao porto, ao fundo. As calçadas cobertas por galerias são uma característica da cidade e da região.

FOTO 3 – Magnífica esquina de Savona.

FOTO 4 – O porto de Savona.

FOTO 5 – Francisco Souto Neto em frente a exuberante jardim de Savona.

       Optei por um passeio a pé, em direção às praias. Após uns cinco quarteirões de riquíssima arquitetura e lojas finas, avistei o azulíssimo Mar da Ligúria. De repente vi surgir ante meus olhos um mundo todo diferente. Numa extensa rua para pedestres, paralela à praia, passeavam pessoas muito velhas, exageradamente elegantes. No lado da rua oposto à praia, havia jardins repletos de parques onde observei uma febril atividade de crianças. Como num quadro de Brueghel, havia ali todo gênero de jogos infantis. No outro lado estava a praia propriamente dita, mas muito diferente das que vemos no Brasil. Um curto espaço das areias era livre. A partir dali, a cada trecho de uns 40 metros, havia cercas de delimitavam os diversos espaços pagos de praia particular, onde as pessoas encontram cabines para trocar de roupa, chuveiros, espreguiçadeiras e guarda-sóis coloridos. A areia desses espaços particulares era incessantemente varrida pelos empregados. À disposição dos usuários havia bares e lanchonetes de aspecto asséptico. Notei que as pessoas mais velhas ficam deitadas nas espreguiçadeiras, enquanto os adolescentes e crianças brincam manualmente com bolas. Eram centenas as pessoas que se divertiam nas praias pagas, mas curiosamente ninguém se atrevia a molhar mais do que os pés. Apenas umas cinco pessoas andavam ao quebrar das ondas, mas ninguém nadava. Andei cerca de um quilômetro pela calçada, que fica uns quatro metros acima do nível das praias, sem ver uma única pessoa nadando, embora as areias particulares estivessem cheias de gente. Trata-se, pois, de uma questão cultural: os savonenses gostam de estar na praia, e não do banho de mar, e assim é.

FOTO 6 – Atrás de Francisco Souto Neto, as praias particulares. À esquerda da foto, vêem-se pessoas jogando na areia. Na extrema direita, um pouco fora da foto,  localiza-se a Passeggiata Walter Tobagi, com suas árvores, exclusivamente para pedestres.

Amarcord de Fellini na praia à noite

       É como se existissem três diferentes Savonas: a do centro da cidade cosmopolita, a do seu porto e a da praia. Se esta última pareceu-me interessante durante o dia, sua faceta noturna, sobretudo no setor livre e, portanto, grátis, mostrou-se surpreendente. É que além dos habituais donos de cachorros – e vi uma moça dividindo o sorvete com seu cão guloso, ambos alternando-se nas lambidas – e das crianças brincando à Brueghel, havia barracões a beira-mar enfeitados com bandeirinhas que abrigavam palcos, nos quais dançavam casais embalados por músicos e cantores apreciados por pessoas que bebiam sentadas em frente a mesinhas armadas na areia.

       Num desses palcos destacavam-se dois pares, o primeiro formado por duas mulheres de meia-idade que dançavam com admirável sincronismo, seus pezinhos ágeis e rápidos elevados pelos saltos altos; e o segundo por um senhor calvo, muito barrigudo, e sua mulher bem baixinha. Aquele barrigão afastava a bailarina, mas ainda assim rodopiavam com segurança, beleza e alegria.

       Os aromas variados, compostos dos perfumes das pessoas e das cozinhas das lanchonetes ao ar livre, temperavam o footing, principalmente dos idosos. Vi três senhoras passeando de braços dados – como a Gradisca de Fellini e suas duas amigas – mas todas elas de cabelos brancos, com batom vermelho, saltos altos e muito elegantes. Elas passaram em frente a um velhinho garboso sentado num dos bancos, que com elas flertou sem dissimulações.

FOTO 7 – Nesta cena de Amarcord, de Federico Fellini, três amigas (Gradisca, a atriz Magali Noel, ao centro) fazem o footing, com a Gradisca apoiada no braço de cada uma das amigas, tal como as senhoras idosas da Passeggiata Walter Tobagi de Savona.

       Como num filme felliniano, tudo era extremamente belo e inacreditável para quem vive no nosso Brasil atual. E que privilégio o das crianças que brincam dia e noite na segurança dos parques, e o dos idosos bem tratados que vivem em países civilizados, que se vestem bem e que passeiam e namoram na praia sem o temor a assaltos.

       Em suma, minha primeira impressão negativa de Savona se dissipou, enquanto esta, a de uma cidade adorável, invejável e extraordinária, ocupou todo o espaço da minha memória.

       No terceiro dia, ao embarcar no Costa Riviera, sentia-me em êxtase, encantado com a singela beleza do cotidiano de Savona e com aquela italianada maravilhosa e feliz.

FOTO 8 –  Alegres idosas de Savona

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domingo, 5 de fevereiro de 2017

FAFÁ DE BELÉM, QUEM DIRIA, TEM ME TELEFONADO por FRANCISCO SOUTO NETO para o PORTAL IZA ZILLI..


PORTAL IZA ZILLI
 - O maior portal de comunicação social do Paraná - 

Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Fafá de Belém, quem diria, tem me telefonado

Francisco Souto Neto

       Ontem Fafá de Belém me telefonou mais uma vez. Sempre achei a cantora nada menos do que formidável. Grande intérprete! Quem não se lembra dela cantando para o Papa João Paulo II e quebrando o protocolo para dar um emocionado abraço ao Sumo Pontífice? Que dizer da sua deliciosa gargalhada? Não há como também não me referir aos seus exuberantes atributos físicos que fizeram os fãs apelidarem um carro da Volkswagen de “Fusca Fafá de Belém”, que fez época e se tornou famoso.

Fafá de Belém

       Ah, e certa ocasião, há muitos e muitos anos, quando embarquei num voo Curitiba – São Paulo, fui procurando pela minha poltrona numerada e... quem diria, avistei a Fafá já sentada num poltrona do corredor sem levantar os olhos para ninguém. Meu lugar era três filas além. Quase brequei para apreciá-la melhor, mas me lembrei do que me dissera meu pai: “se você encontrar algum artista na rua, não o interpele nem o interrompa; respeite a privacidade do mesmo”. Lembrei-me também de que meu irmão mais velho, certa vez em Nova York, ao entrar num elevador deu de cara com Maggie Smith. Contava ele que, ao encará-la, ela baixou os olhos. Então, como todo rapaz bem educado, eu passei direto pela Fafá como se não a reconhecesse, sem sequer lhe desejar um “bom dia, dona Fafá”. Depois, já acomodado mais atrás, fui apreciando o topete dos seus cabelos uns centímetros acima do encosto da poltrona. Fiquei com uma bruta raiva de não ter tido a sorte de me sentar ao lado da musa.

Fafá de Belém

       Mas... como entender essa intimidade com a Fafá, que me telefona sempre tão bem humorada? Quando eu atendo ao telefone, ouço mais ou menos o seguinte: “Oi, como vai? Tudo bem com você? [ouve-se a interlocutora gargalhar inconfundivelmente] Quem está falando sou eu, a Fafá de Belém...”. Trata-se, obviamente, de uma gravação com a voz da cantora feita por uma empresa para vender seus produtos.

Agnaldo Rayol

       Outros grandes cantores e artistas também nos chamam ao telefone: Agnaldo Rayol, Moacir Franco... Mas que diabo! Todos eles, Fafá inclusive, fazem isso nos horários mais impróprios: quando estou concentrado num bom livro, ou no instante em que assisto a um filme pela televisão, ou quando me encontro num merecido cochilo após o almoço, ou naquele momento muito impróprio em que estou no banheiro. 

Moacir Franco

        Se não forem as vozes dos habituais Fafá, Moacir e Agnaldo, são o Banco Santander, o Bradesco e outros chatos, oferecendo cartões de crédito e diversos mimos. Ou é a incansável Legião da Boa Vontade, à qual sempre digo educadamente que não tenho boa vontade para quem me incomoda por telefone. Também mais variadas empresas ligam com suas irritantes gravações, uma oferecendo Viagra a preço de banana, outra até mesmo se propondo a tratar dos meus funerais a custos módicos, e assim por diante. A mais insistente e incômoda das empresas funerárias chama-se Ômega Assist, à qual já pedi seguidas vezes que retire meu nome de sua lista de pessoas incomodadas, porém seus preguiçosos e desatentos diretores não tomam conhecimento. Ainda bem que não estamos em época de eleições, porque senão eu incluiria nesta crônica os telefonemas gravados por políticos que nem conheço, pedindo votos. Observe-se o detalhe: nunca tive e nunca terei um telefone celular porque gosto mesmo é do meu bom e velho telefone fixo e isto significa que, para atender a uma ligação, preciso às vezes atravessar a minha casa inteira.

       Isso tudo se traduz em invasão de privacidade. Essas empresas, em vez de serem apreciadas pelos serviços, mostram-se abusivas, insistentes, atrevidas, incômodas. A vontade que dá é mesmo a de processá-las para que aprendam a trabalhar com mais ética e menos invasões aos nossos domicílios. Mas cadê a nossa sonolenta Justiça para coibir tais abusos? O problema é que a Justiça no Brasil é tão morosa, tão preguiçosa, que teríamos que esperar por uma solução munidos da paciência de Jó durante anos a fio.

       Será que os artistas mencionados não percebem que as pessoas se irritam com tal tipo de propaganda? Certamente os honorários que recebem são bem compensadores, a ponto de eles se submeterem a esse gênero vexatório de trabalho: o de incomodar pessoas desconhecidas em suas próprias casas. Será que sabem que em vez de aplaudidos, são xingados? E as demais empresas não sentem vergonha por não atenderem ao pedido de milhares de pessoas do outro lado da linha que imploram para não serem incomodadas em casa?

       Isso me faz sentir saudade do tempo em que tínhamos listas telefônicas que eram renovadas anualmente e entregues em nossas casas. Desde a época remota em que residia em Ponta Grossa, eu proibia os guias telefônicos de reproduzirem o número do meu aparelho. Só parentes e amigos mais chegados tinham conhecimento do meu telefone. Era uma tranquilidade!

       Atualmente há outro tipo de invasão, que é aquela que vem através da internet e que enche nossa paciência e a caixa de e-mail com ofertas as mais indesejáveis, misturadas a armadilhas de hackers. E a ética dessas empresas, onde é que fica?

Fafá de Belém

       Ao encerrar, vou enviar um recadinho à Fafá: “Minha adorada cantora Fafá de Belém! Por favor, não mande mensagens telefônicas robóticas a seus admiradores, porque até mesmo fãs, como eu, deixam escapar pesados palavrões ante tal insistência que se arrasta há anos. Quando você quiser falar comigo, telefone você mesma para mim, pessoalmente, sem a intermediação dos seus robôs, que então a ouvirei com grande prazer, e até me atreverei a lhe pedir que cante um pouco para mim, em capela, o comecinho da canção ‘Vermelho’. Serei capaz de acompanhá-la em dueto. Com meus abraços e beijos”.

       Vai também um recadinho coletivo a todos os demais invasores de privacidade: “Xô, urubus”!

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