quinta-feira, 25 de maio de 2017

O VISCONDE DE SOUTO FINANCIOU A ESTRADA UNIÃO E INDÚSTRIA, A PRIMEIRA RODOVIA PAVIMENTADA NO BRASIL, por Francisco Souto Neto.



Diligência que em 1862 fazia o  transporte de viajantes entre o Rio de Janeiro e Paraibuna (Juiz de Fora)

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Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto


O visconde de Souto financiou
a Estrada União e Indústria,
a primeira rodovia pavimentada no Brasil

Francisco Souto Neto

       A biografia do visconde de Souto que será realizada pela Editora Prismas encontra-se em fase de diagramação. O título do livro é Visconde de Souto – Ascensão e Quebra no Rio de Janeiro Imperial. Nessa obra, eu e minha coautora Lúcia Helena Souto Martini revelamos alguns fatos pouco conhecidos do Brasil Imperial que envolveram o biografado, nosso trisavô. 

Com Vanderlei da Cruz, editor-chefe da Prismas, que segura o "print" (exemplar-protótipo) da biografia do visconde de Souto.


A capa.

Lombada do "print".

O livro aberto no capítulo sobre a Estrada União e Indústria.

Com o "print" ao lado do retrato do visconde de Souto na parede.


Comemorando o "print"

          Um dos capítulos da biografia diz respeito à história da primeira estrada macadamizada do Brasil, inaugurada em 1861, que foi financiada pelo visconde de Souto. Ao ser construída, tornou-se a maior obra de engenharia de toda a América Latina.

       A esse tempo, o banqueiro António José Alves Souto era conhecido como “comendador Souto”. O título “visconde de Souto” lhe seria outorgado no ano seguinte, 1862, pelo rei de Portugal dom Luís I.

       O relato da inauguração da Estrada União e Indústria consiste do Capítulo 27 da biografia acima referida. Hoje vou transcrever este pequeno trecho a meus leitores, com o propósito de dar-lhes uma ideia do que virá a ser o nosso livro, que deverá ter seu lançamento nacional na segunda quinzena de setembro vindouro, no Palacete dos Leões, Curitiba.


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CAPÍTULO 27
A ESTRADA UNIÃO E INDÚSTRIA
por
Francisco Souto Neto e Lúcia Helena Souto Martini



Francisco Souto Neto                                 Lúcia Helena Souto Martini

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       A primeira estrada pavimentada da América do Sul ligava Petrópolis, no Rio de Janeiro, a Paraibuna, antigo nome de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Com 144 quilômetros de extensão, foi inaugurada em 23 de julho de 1861; era macadamizada, isto é, tinha o leito composto por pedregulhos, areia e cimento, recebendo na superfície uma camada impermeabilizante. Destinava-se a carroças de quatro rodas, carruagens e diligências, e a receita provinha da cobrança de pedágio por mercadoria, mais precisamente por burro carregado. Sua construção constitui uma das mais interessantes páginas do Brasil imperial. Financiada por António José Alves Souto, futuro visconde de Souto, a seu tempo foi a maior obra de engenharia de toda a América Latina, tendo recebido o nome de Estrada União e Indústria. Essa rodovia contava com “estações” nas cidades principais e também vários postos para a substituição dos animais de tração cansados, avanços admiráveis para aquela metade do século XIX.


António José Alves Souto, o visconde de Souto (Acervo Beneficência Portuguesa, Rio de Janeiro).

       No dia 7 de agosto de 1852, Mariano Procópio Ferreira Lage obteve autorização para a sua construção, com base no decreto imperial de n.º 1301. O empreendimento era, em princípio, considerado impossível de ser realizado, pois seu traçado deveria vencer inúmeros cursos d’água e altas escarpas de granito da serra do Taquaril. Mariano Procópio contratou o arquiteto brasileiro Antônio Maria Bulhões para realizar o trecho de Petrópolis a Três Rios, e o alemão Keller para o trecho de Três Rios a Paraibuna.

Homens no penoso trabalho de macadamizar.

       O escritor Nelson Werneck Sodré, na segunda edição da obra História da burguesia brasileira, faz saber que a Estrada União e Indústria “foi financiada pelo banqueiro Souto” (SODRÉ, 1957, p. 123). O mesmo é afirmado por Almir Chaiban El-Kareh, no livro Filha branca de mãe preta: a Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II. Também a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de 1956 assinala: “O Comendador António José Alves Souto, que, compreendendo o alcance da grande empresa tentada pela Companhia União e Indústria, confiou-lhe avultados capitais”. (REVISTA IHGB, 1956, p. 175).

       Efetivamente, enquanto Mauá financiava a construção de estradas de ferro, o Souto começava a financiar estradas de rodagem.

"D. Pedro II saiu desta casa para inaugurar a Estrada União e Indústria, 23 de Junho de 1861", registra a placa nos jardins do Museu Imperial de Petrópolis.

       Omer Mont’Alegre, em Capital & capitalismo no Brasil, relata como foi organizado o cortejo de Petrópolis a Paraibuna, mencionando que a inauguração da rodovia ocorreu num mês de junho, enquanto outros autores citam julho:

       “Na inauguração, para o percurso de Petrópolis a Juiz de Fora, em 23 de junho de 1861, foi empregado um cortejo de cinco diligências, puxadas por quatro mulas em quatro parelhas, cada uma com capacidade para quatorze passageiros, além do cocheiro e condutor. [...] Era a primeira rodovia brasileira. A companhia construtora teve que enfrentar sérios problemas, face ao elevado custo, recorrendo ao crédito no Rio de Janeiro, da casa A. J. A. Souto & Cia. e em Londres. (MONT’ALEGRE, 1972, p. 130)”.


Diligências ou carruagens da Estrada União e Indústria (Museu Mariano Procópio).

       Dom Pedro II, a imperatriz e as duas princesas viajaram na carruagem imperial. Diversos convidados da corte fizeram o percurso em suas conduções particulares. Também o visconde de Souto preferiu ser levado por sua própria carruagem puxada por quatro cavalos, mas a partir de Petrópolis seguiu junto à comitiva imperial.

       Num aprofundado estudo de sociologia e antropologia, a historiadora Patrícia Falco Genovez escreveu A viagem enquanto forma de poder: a viagem de Pedro II e a inauguração da Rodovia União e Indústria, em 1861, publicada em Tempo, da UFF, onde, em meio a outras análises, relata vivamente o dia da inauguração com a presença de dom Pedro II em Paraibuna. No intróito ao seu trabalho, a autora transcreve o texto “Viagem de Petrópolis a Juiz de Fora por ocasião de inaugurar-se a Estrada União e Indústria, Juiz de Fora, Tipografia Sul, 1919, páginas 27, 29 e 30”:

O visconde de Souto (acervo Museu Histórico Nacional)

       “A multidão ocupava todos os arredores. A comitiva imperial, atravessando por entre as alas assim formadas, chegou à quinta do Sr. comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, destinada para residência de Suas Majestades e Altezas. À porta da casa foram as augustas pessoas recebidas com estrondosas aclamações, ao som do hino nacional tocado pela excelente banda de música da colônia, e por grande número de cidadãos. [...] Suas Majestades e Altezas recolheram-se para descansar, e as pessoas de sua comitiva, assim como os convidados recém-chegados, procuraram orientar-se a fim de acertarem quanto antes com os aposentos que lhes estavam destinados. O paço imperial achava-se disposto e mobiliado com extremo bom gosto e elegância, como tudo quanto foi feito pelo Sr. Comendador Ferreira Lage. [...] O que sobretudo não se pode referir com precisão foi o transporte de que todos se possuíram, quando, dando apenas alguns instantes às necessidades do toilette, acharam-se na presença da mais esplêndida iluminação.Tudo quanto a vista alcançava na extensa área que tentamos descrever, oficinas, armazéns, serraria, olaria, moinho, toda sorte de numerosos edifícios, telhados, muros, paço imperial, arcos, jardim, cerca, pontes, arbustos, lagos, ilhas, coreto, gruta, colina, castelo, tudo enfim cintilava ao clarão de cinco mil luzes, lampiões chineses e copos, delineando os contornos dos objetos iluminados; e tudo isto fora aceso como por milagre, em um abrir e fechar d’olhos; tão bem dispostas estavam todas as coisas! E como se não bastasse o que víamos, grandes fogueiras coroando as alturas circunvizinhas, o céu recamado de estrelas, uma noite tão serena que as folhas das árvores não se moviam, nem uma luz se apagava, os ecos repetindo as lindas peças de música tocadas pela excelente banda da colônia e composta de instrumentistas que dez meses antes não conheciam as sete notas, eram outros tantos motivos de gozo. O toque das trombetas percorrendo a estação, e anunciando que o jantar nos esperava, arrancou-nos a custo da contemplação do maravilhoso quadro que tínhamos diante dos olhos. (GENOVEZ; UFF et al., 1996, p. 161)”.

       Em seguida, Patrícia Falco Genovez apresenta sua visão sobre a importância da estrada que, entretanto, desviou o centro da cidade de Paraibuna, privando-a de uma estação, que foi construída fora do perímetro urbano, próxima às terras de Mariano Procópio, para o desgosto dos políticos locais e da população.


A estação de Paraibuna e diligências que ligavam a cidade acima, hoje Juiz de Fora, com a corte imperial (Rio de Janeiro).

       “Inaugurada no ano de 1861, a rodovia União e Indústria pode ser interpretada como uma 'ponte' que unia os interesses do Império aos da região sul da Zona da Mata Mineira e, particularmente, de Juiz de Fora. ‘Ponte’ não pelo aspecto econômico, mas sim pelo simbolismo de que se viu revestida. Na realidade, a primeira estrada macadamizada do país não foi capaz de propiciar o desenvolvimento industrial da cidade, pelo menos não o que se esperava, e comprometido o seu funcionamento pelo constante déficit da companhia, acabou superada em importância econômica pelos caminhos de ferro. Por outro lado, porém, a presença do imperador à inauguração e o discurso de progresso que a caracterizou, só a fizeram crescer na imaginação dos contemporâneos e até da historiografia posterior [...]. (GENOVEZ; UFF et al., 1996., p. 162)”.

       Efetivamente, como se lê também em Filha branca de mãe preta, a construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II, numa bifurcação não prevista, avançou na direção de Juiz de Fora:

       “Incidente mais grave foi o ocorrido entre a Companhia da Estrada de Ferro Pedro II e os grupos de interesse ligados à Companhia da Estrada União e Indústria. Quando a linha chegasse a Barra do Piraí, os planos [...] à passagem do Paraibuna já deveriam estar aprovados, para dar continuidade ininterrupta aos trabalhos da linha. Foi aí que intervieram aqueles grupos reunidos em torno da União e Indústria. [...] (EL-KAREH, 1982, p. 119)”.

O comendador Alves Souto (futuro visconde de Souto) usando sua comenda da Ordem da Rosa.

O barão de Mauá (futuro visconde de Mauá) usando a sua comenda da Ordem da Rosa, tal como o visconde de Souto na foto anterior.

       Tais grupos eram representados pelo presidente da União e Indústria, Mariano Procópio Ferreira Lage; o barão de Mauá, cuja ferrovia particular, na Raiz da Serra de Petrópolis, recebia principalmente o café que vinha até ali pela Estrada União e Indústria; o banqueiro António José Alves Souto, financiador da estrada macadamizada, da qual era credor; e a diretoria da Estrada de Ferro da Cantareira, que se sentiu também prejudicada pela Estrada de Ferro Dom Pedro II.

       Prossegue a historiadora Falco Genovez sobre a matéria, objeto também do livro Tempo, publicado em 1996 pelo Departamento de História da Universidade Federal Fluminense:

       “A inauguração da rodovia União e Indústria, portanto, que se deu em 1861 e contou com a presença de Pedro II, na cidade de Juiz de Fora, por cinco dias, pode ser encarada como parte do projeto de unidade nacional. Um projeto que não se encontrava acabado naquela década. Bastante rica no tocante à sua descrição, a viagem de inauguração tornou bem evidente o perfil de uma elite que estabeleceu, nitidamente, as posições sociais de cada um de seus atores no palco da monocultura cafeeira e escravocrata do Império. (GENOVEZ; UFF et al., 1996, p. 163)”.


Aspecto da Estrada União e Indústria, macadamizada, em 1861.


Uma ponte na Estrada União e Industria.

       Mais adiante, a historiadora descreve como transcorreu o jantar comemorativo à inauguração da Estrada União e Indústria, no qual o comendador Alves Souto foi homenageado com um dos seis brindes levantados por algumas das personalidades presentes. O suntuoso palacete de Mariano Procópio, um castelo em estilo renascentista italiano, elegantíssimo, tinha aspecto arrebatador. Localizava-se nos arredores de Paraibuna, a três quilômetros do centro urbano. Ali, onde a família imperial se hospedava, foi servido o jantar:


A quinta do comendador Mariano Procópio Ferreira Lage em Paraibuna (Juiz de Fora em 1861).

Visconde de Souto.

Mariano Procópio

D. Pedro II.

       “Outro símbolo de distinção pode ser observado no jantar, quando os convidados foram chamados para o banquete, servido numa mesa de cem talheres, revezando-se por três vezes. Vários brindes foram feitos: a Mariano, pelo Sr. Bernardo Joaquim de Oliveira; ao Sr. diretor Dr. José Machado Coelho de Castro, pelo comendador Mariano; ao comendador Antônio J. A. Souto, pelo conselheiro Dr. Francisco de Paula Cândido; ao corpo legislativo e ao governo do país, pelo Dr. José Machado Coelho de Castro; aos engenheiros e empregados da companhia, pelo comendador Joaquim A. F. Pinheiro; à família imperial, pelo comendador Mariano. Os relatos da época não nos informam quem, além dos nomes citados nos brindes, estavam presentes à mesa na primeira vez que o banquete foi servido, mas é de se imaginar a concorrida ‘dança das cadeiras’ que se deve ter estabelecido. (GENOVEZ; UFF et al., 1996, p. 173)”.

       Das extensas considerações de Patrícia Falco Genovez a respeito do imperador, destaca-se o seu parágrafo final:

D. Pedro II e família imperial em Paraibuna, 1861

       “Pedro II também pode ser compreendido como uma figura política que via aproximar-se, com rapidez, a modernidade que poria fim à escravidão. Um viajante lúcido que compreendeu as tramas de poderes que se formavam em seu império. Sua presença marcava a monocultura, a escravidão e o poderio de barões latifundiários. Mas Pedro II sabia que a transição era inevitável e, também, mostrava sua face de modernidade ao financiar e incentivar um empreendimento como o do comendador Mariano. Enfim, este período tão específico da história do Brasil e da América do Sul, cuja riqueza de símbolos e ritos oferece uma constelação de nobres, títulos, ritos, cerimoniais, luxo e ostentação, apresenta uma malha delicada e perigosa de poderes que o historiador pode e deve observar mais de perto através da luneta da pompa. (GENOVEZ; UFF et al., 1996, p. 180)”.

       Detalhes dos serviços oferecidos pela inovadora estrada, no que diz respeito às diligências destinadas ao transporte coletivo de passageiros, encontram-se em O ouro, o café e o Rio, livro de Brasil Gerson:


Diligência que em 1862 fazia o transporte de viajantes entre o Rio de Janeiro e Paraibuna (Juiz de Fora)

       “E as diligências, as seges construídas em Juiz de Fora dariam realmente o que falar. Grandes, confortáveis e elegantes, as diligências com lugar para 6 pessoas na berlinda e 10 em cima, sendo 14 passageiros e o cocheiro e o condutor, e espaço ainda para malas, todo esse peso puxado por 4 valentes mulos, a 16 quilômetros por hora. Os cocheiros e condutores vestiam sobrecasaca de pano azul com botões amarelos, e boné do mesmo pano com galão de ouro, numa descrição de um cronista de então. E ainda com assistência no caminho, nas 12 ‘mudas’ estabelecidas para a troca dos mulos, e uma estação imponente como a de Juiz de Fora que custara 780 contos, mais do dobro da do Campo de Santana, da Estrada de Ferro D. Pedro II. (GERSON, 1970, p. 68)”.
FOTO – Cristiano Benedito Otoni.

       As análises das divergências entre a Estrada União e Indústria e a Estrada de Ferro Dom Pedro II não podem deixar de evocar a figura polêmica de Cristiano Benedito Otoni (1811-1896), irmão de Teófilo Otoni, que foi capitão-tenente da Marinha, engenheiro, professor de Matemática, senador do império e, depois, investido do mandato de senador da república. É considerado o “pai das estradas de ferro no Brasil” por ter sido o primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II e o homem que fez os trilhos subirem a Serra do Mar em direção a Minas Gerais e a São Paulo, entre 1855 e 1865. Escreveu diversos livros, dentre os quais Autobiografia. Para que se tenha uma idéia do espírito provocativo do autor, vale transcrever o primeiro parágrafo do primeiro capítulo do referido livro, que se intitula Por que e para que escrevo:

       “Não é porque eu creia que estas memórias serão de grandes utilidades. Nem que se destine à Imprensa ou à posteridade, que (estou certo) não se ocupará com a minha pessoa. A ninguém pretendo mostrar este livro: aí ficará. Quando eu morrer, faça dele a minha família o que bem lhe parecer: leia-o ou não; mostre-o a quem quiser ou esconda-o; imprima-o ou queime-o, como for de seu agrado. (OTONI, 1983, p. 3)”.

Cristiano Benedito Otoni

       Tal Autobiografia é uma peça literária de grande valor histórico. No longo capítulo em que narra o que significou dirigir a Estrada de Ferro Dom Pedro II, até à sua exoneração por motivos políticos, conclui por fazer uma denúncia, envolvendo os maiores políticos de então:

       “Contraste curioso! O mesmo Ministro que me exaustorou e quase enxotou-me, assinou um aviso louvando os meus ‘grandes serviços’; e o mesmo ministério presidido pelo grande ator Marquês de Olinda, fez-me por Decreto, Dignitário da Ordem do Cruzeiro!!!. [...] Odiento e hipócrita Marquês de Olinda. (OTONI, 1983, p. 115 e 118)”.

Estrada União e Indústria e a Pedra de Paraibuna.

       A respeito da linha férrea que por deliberação ministerial deveria originalmente ser construída de Barra do Piraí até Entre Rios, na província do Rio de Janeiro, denuncia Cristiano Benedito Otoni:

       “Esta linha, previa-se, faria concorrência ruinosa à Estrada União e Indústria, à Estrada de Ferro de Mauá, e daria prejuízo à de Cantagalo: pelo que, unidas as três empresas ao então poderoso Banqueiro Souto, credor da primeira por cerca de 2.000:000$000 pleiteavam a supressão da 3ª seção: para eles, a Estrada de Ferro D. Pedro II não deveria dar um passo além da Barra do Piraí. Além do empenho dos quatro potentados – Souto, Ferreira Lage, barão de Mauá e visconde de Barbacena – recomendavam a medida certos temores financeiros: julgavam alguns, e entre eles o ilustrado visconde de Itaboraí, que a empresa era grandiosa demais para os nossos recursos. Ou porque entrasse sinceramente nessas vias acanhadas, ou também porque quisesse pregar-me peça, Manoel Felizardo de Souza e Melo, anuiu aos desejos dos quatro, resolveu a mutilação pedida, e chegou a anunciar-me verbalmente a deliberação: não deveria eu lançar um trilho mais além da Barra do Piraí. (OTONI, 1983, p. 98)”.

       No entanto, numa mudança da política, a Estrada de Ferro Dom Pedro II foi autorizada a avançar até Entre Rios, e além. Num gesto de aparente represália, construiu sua estação ao lado da Estrada União e Indústria, tornando-a um simples seu afluente e levando a Estrada de Ferro da Mauá à bancarrota, assim liquidando esta parceria entre Souto e Mauá.

Passagem para diligência da Estrada União e Indústria (Museu Imperial de Petrópolis)

       O já mencionado livro História da burguesia brasileira oferece em números a decadência da Estrada União e Indústria, que em 1861 dera uma receita de 219 contos, declinou para 143 em 1862 e para 82 em 1863. Quando foi encampada em 1864 – ano da falência do visconde de Souto – seus compromissos elevavam-se a cinco mil contos de réis:

       “A encampação ficou em 9.161 contos, dos quais 6.000 seriam destinados aos credores ingleses e 2.000 à massa falida do banqueiro Souto, que financiara a construção. As esperanças de Mauá malograram-se: a Estrada de Ferro D. Pedro II transporia a serra por simples aderência: chegara a Belém [Rio de Janeiro] em 1858, e a Barra do Piraí em 1863, carreando o café e liquidando a ferrovia de Mauá, que ficara na dependência da Rodovia União e Indústria. A Serra de Petrópolis foi transposta depois, em 1883, pela Estrada de Ferro Grão-Pará, que incorporou o trecho de Mauá na Baixada, acabando, por sua vez, absorvida pela Leopoldina Railway, pertencente aos ingleses. (SODRÉ, 1964, p. 139)”.

       Mauá, apelidado de “o rei do Brasil”, viria a falir em 1875.

       A Rodovia União e Indústria continua a existir em muitos trechos, ainda com o mesmo nome. No atual Estado do Rio de Janeiro, identificada também como RJ-134, ela vai de Petrópolis a Areal, algumas vezes bem paralela ao traçado da moderna Rodovia Washington Luiz, que liga a cidade do Rio de Janeiro a Belo Horizonte. Em Minas Gerais, próxima a Juiz de Fora, a Rodovia União e Indústria, que lá é também chamada de BR-267, serve como uma variante da BR-040, a Rodovia Washington Luiz.

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sexta-feira, 5 de maio de 2017

CULTURA HOLLYWOODIANA PONTA-GROSSENSE ou O ICÔNICO CINE ÓPERA por Francisco Souto Neto


A monumental fachada do Cine Teatro Ópera (Álbum de Ponta Grossa, editado por Itacil Ferreira de Oliveira). 

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Iza Zilli

Comendador Francisco Souto Neto

Cultura hollywoodiana ponta-grossense
ou
o icônico Cine Ópera

Francisco Souto Neto

       Vivi minha infância e adolescência em Ponta Grossa. No final da década de 40 vi a construção do Edifício Ópera, com cinco andares, o mais alto da cidade e o primeiro com elevador. Era um prédio residencial e seu andar térreo foi ocupado pela monumental entrada do Cine Teatro Ópera, inaugurado em 1950, com 1.400 lugares e os assentos do balcão em couro ou courvin vermelho, no cruzamento das ruas XV de Novembro e Augusto Ribas, uma localização privilegiada. Os cinco andares do prédio de design elegante e a horizontalidade robusta do cinema impressionavam os ponta-grossenses.

FOTO 1 – Panorama de Ponta Grossa mais ou menos em 1948 ou começo de 1949. À esquerda, o Cine Ópera em construção. À direita, a catedral.

FOTO 2 – Foto aérea de Ponta Grossa em 1949 ou 1950. As setas indicam os três cinemas da cidade, a catedral e os locais da residência de Francisco Souto Neto entre as décadas de 40 e começo da de 50, e depois entre os anos de 1955 e 1962.

 
FOTO 3 – Ponta Grossa circa 1950. A antiga catedral domina o horizonte. À direita, o Edifício (o mais alto da cidade) e Cine Ópera. À esquerda, com quatro andares, o segundo prédio mais alto e o segundo a contar com elevador, o Edifício Santana.

       Em 1950 já existiam dois cinemas em Ponta Grossa. O Renascença, inteiramente de madeira, estava dotado de um palco. Seus camarotes, ou “frisas” com as chamávamos, tinham um encanto singular e todas as paredes eram pintadas de verde oliva. O outro cinema, o Império, que era tido como “mal frequentado”. Diziam correr um rio sob o mesmo, e temia-se que o prédio desabasse. O Ópera, suntuoso, tornou-se imediatamente o preferido pelo hight society.

As chanchadas da Atlântida e os seriados

       O filme inaugural foi Carnaval no Fogo, um acontecimento inesquecível para o menino que eu era, dirigido por Watson Macedo e estrelado por Oscarito e Grande Otelo, com Eliana Macedo e Adelaide Chiozzo. Eliana era a “namoradinha do Brasil” e a atriz mais conhecida e com o maior salário do país.

FOTO 4 – O cartaz de Carnaval no Fogo.


FOTO 5 – Eliana Macedo, a artista máxima da Atlântida Cinematográfica, com Anselmo Duarte.

 
FOTO 6 – Cena de Grande Otelo e Oscarito em Carnaval no Fogo.

 
FOTO 7 – Oscarito em primeiro plano. Ao fundo, Eliana Macedo e Adelaide Chiozzo.

       Abaixo, uma cena de filme em que Eliana canta e dança evocando Carmen Miranda, observada por Anselmo Duarte e Grande Otelo:


       Os filmes adorados pelas crianças das matinês aos domingos eram quase sempre “farvéste”, como os garotos pronunciavam farwest, estrelados por Roy Rogers e outros cowboys daquela época. Mais importantes ainda eram os seriados. A cada domingo projetava-se um novo capítulo. Os seriados mais famosos daquele início da década de 50, foram A Deusa de Joba (Darkes Africa no original), de 1936, e O Homem Foguete (King of the Roquet Men), de 1949.
       Depois de adulto, quando surgiram os filmes copiados em fitas VHS, comprei Deusa de Joba para rever aquilo que tanto me entusiasmara na infância, e me surpreendi com a baixíssima qualidade do seriado, uma produção paupérrima, primária e monótona, que certamente seria tratada com a maior indiferença pelas crianças da atualidade.

FOTO 8 – Cartaz do seriado A Deusa de Joba.

 
FOTO 9 – Cena com dois homens alados.

       Se alguém quiser ter uma ideia de como era o seriado A Deusa de Joba, eis o link de uma parte da série:


       Ao contrário do Capitão Marvel que voava pelos poderes outorgados pelo velho Shazam, o herói do seriado O Homem Foguete era impulsionado por dois propulsores atados às espáduas. Eu e meu amigo Carlinhos – Carlos Roberto Emílio – brincávamos de voar enquanto corríamos pela rua com duas garrafas amarradas às costas.

FOTO 10 – Cartaz de O Homem Foguete.

 
FOTO 11 – O Homem Foguete em ação.

       Abaixo, o link do seriado completo O Homem Foguete, para quem se dispuser a verificar essa história fantasiosa e inverossímil que tanto encantava as crianças:


       Mas as crianças do começo da década de 50 não assistiam apenas às matinês. Com muita frequência acompanhavam os pais nas sessões à noite. Aos sete, oito ou nove anos eu costumava ir ao Ópera com meus pais aos domingos. Quando eu não conseguia acompanhar as legendas com a necessária agilidade na leitura, meus pais me explicavam, com paciência, o que estava acontecendo. 
       Os filmes de Hollywood demoravam de um a dois anos, para chegar aos cinemas de Ponta Grossa. Dois deles, projetados entre 1950 e 1951, que fizeram grande sucesso, foram Joana D'Arc, com Ingrid Bergman, e Sansão e Dalila, com Victor Mature e Heddy Lamarr. Eu estava entre os meus 6 e 7 anos. Em minha memória, sempre tive a certeza de ter assistido a esses dois filmes no Cine Ópera... Entretanto as memórias de crianças dessa idade podem ficar retorcidas com a passagem das décadas. Digo isto porque o memorialista Antônio Celso Moreira, de Ponta Grossa, me comprovou que esses filmes foram exibidos no Cine Império e não no Ópera.



FOTO 12 – Cartaz de Joana D’Arc (1948).

 
FOTO 13 – Cartaz de Sansão e Dalila (1949).

       A música de Sansão e Dalila, por Victor Young, ficou para sempre gravada em minha memória. Muitos anos mais tarde comprei um exemplar do referido filme em VHS, e me senti surpreso com o fato de que a trilha sonora, de fato, estava registrada na minha memória com toda a sua fidedignidade.
       Abaixo, a apresentação de Sansão e Dalila com a bela música de Victor Young, e os cinco primeiros minutos do filme:


Hollywood

       Ao começar a cursar o 1º ano do ginásio em 1956, eu e minha família já morávamos na Rua Augusto Ribas, a 50 metros da porta de entrada do Cine Ópera.

FOTO 14 – Na foto acima, o Edifício e o Cine Ópera estão coloridos em amarelo. Residíamos na Rua Augusto Ribas nº 571. Minha casa está com o telhado pintado de vermelho. Uma casinha no fundo do quintal era um quarto de despejo, que apelidamos de “rancho”, onde meu pai guardava ferramentas e muitos objetos sem utilidade à espera de um destino. Assim como os norte-americanos costumavam ter um sótão para guardar tudo o que não está em uso, nós tínhamos o “rancho”. O quarto era grande, onde também se encontrava a cama do Cacique, nosso cão perdigueiro. O nosso quintal está pintado de verde. Ali tínhamos um jardim, uma horta e um galinheiro. O telhado pintado de azul na foto acima, na esquina, era da Câmara Municipal de Ponta Grossa. No lugar do nosso casarão e da Câmara Municipal, hoje existe uma gigantesca agência do Banco do Brasil. Na ilustração acima, está agrupada uma foto da fachada da casa, o desenho da planta da casa no contexto do terreno... e uma fotografia do meu pai Arary Souto, que naquela ocasião era o diretor geral da Rádio Central do Paraná.

 
FOTO 15 – Rua Augusto Ribas com a “ilha” que separava as duas pistas. Na parte mais alta da cidade localizava-se o Cine Ópera, aqui visto de trás.

 
FOTO 16 – Minha mãe (com capa preta) e minha irmã (capa branca) atravessando a Rua Augusto Ribas em tarde chuvosa, para irem à bombonière da Anastácia, que naquele tempo funcionava colada ao Cine Ópera. Anos depois instalou-se no casarão do “lado de cá” da mesma Rua XV.

 
FOTO 17 – Dona Edith Barbosa Souto chegando em casa com o filho de 12 anos, Francisco Souto Neto, em 1956.


FOTO 18 – A cerimônia para entrega dos diplomas ao término do curso ginasial na Academia, foi realizada no palco do Cine Ópera. Era dezembro de 1959. Arary Souto foi chamado para compor a mesa das autoridades. Quando Francisco Souto Neto subiu ao palco para receber o diploma, para sua surpresa foi o próprio pai quem lhe entregou o documento.

FOTO 19 – O Cine Ópera no cartão postal acima, é como o víamos do portão de casa.


FOTO 20 – Olimpio Souto, o mais velho dos três irmãos, em casa, ouvindo Jane Froman.

FOTO 21 – Ivone Barbosa Souto (Ivone Souto da Rosa após o casamento), a irmã “do meio”, em casa, momentos antes de ir ao cinema.

FOTO 22 – Francisco Souto Neto, o irmão “caçula”, aos 15 anos, em casa.

       Meu pai era cinéfilo. Ele e minha mãe iam frequentemente ao cinema. A mim, ele dizia: “se você for comigo, eu pago seu ingresso e você economiza o dinheiro da sua mesada”. Meus pais eram muito liberais. Eu tinha toda a “liberdade com responsabilidade”. Meus colegas precisavam pedir aos pais para irem ao cinema, ou mesmo à casa de algum amigo. Se os pais estivessem mal humorados, simplesmente respondiam “não” e não havia o que discutir. Comigo era diferente. Eu apenas dizia a meus pais: “Vou ao cinema”, ou “vou a tal lugar”, e isto era o suficiente. Eram pais inteligentes que nunca levantaram a mão para agredir um filho.
       Os cinemas de Ponta Grossa tinham certas regras para a exibição dos filmes. Aos domingos havia matinê, quando projetavam trailers, o jornal cinematográfico da semana, quase sempre algum desenho animado – eu gostava muito do Possante, o ratinho voador –  e depois um filme do faroeste norte-americano, ou mexicano da Pelmex, ou ainda comédias com Jerry Lewis ou outros, e finalmente um capítulo do seriado. Ainda aos domingos, à noite projetava-se o lançamento de algum “grande” filme que, como disse anteriormente, chegava à estreia em Ponta Grossa com cerca de dois anos de atraso em relação a São Paulo e Rio. Eram sempre “lançamentos” de filmes norte-americanos “made in Hollywood”, estrelados pelas divas a respeito das quais os jovens tudo sabiam através da revista Cinelândia. Lana Turner em dramas, comédias com Doris Day e Rock Hudson, Jayne Mansfield e Marilyn Monroe, ou fitas com Esther Williams – que nadava o tempo todo; ela estava mais para sereia do que para atriz. Era assim o pasteurizado cinema hollywoodiano da época. Por exemplo, após uma noite mal dormida, agitando-se na cama, Lana Turner acordava com o cabelo perfeitamente penteado, nem sequer um fio fora do lugar. Não era habitual filmar em locação. Se o filme fosse com Carmem Miranda e a história se passasse no Rio de Janeiro, como em Uma Noite no Rio, ele era inteiramente filmado em estúdios, com pinturas do Rio de Janeiro no paredão próprio dos cenários.

FOTO 23 – Lana Turner.

 
FOTO 24 – Doris Day e Rock Hudson.

 
FOTO 25 – Sophia Loren com Jayne Mansfield.

FOTO 26 – Marilyn Monroe.

FOTO 27 – Esther Williams.

FOTO 28 – Carmen Miranda.

       Naquela metade do século XX, o cinéfilo jovem não se importava muito com o nome do diretor do filme. O que valia eram os atores, isto é, o glamour de Hollywood.
       No Cine Ópera, mas também nos outros, às segundas-feiras repetia-se o filme do domingo. Na terça-feira o programa era composto com dois filmes combinados ao acaso. Na quarta eram dois outros filmes. Na quinta o programa apresentava outros dois diferentes... e na sexta, idem. O programa dos sábados era pesado: projetavam três filmes diversos e “inéditos”.

FOTO 29 – Kim Novak

       É claro que eu ia também ao Império e ao Renascença. A propósito, foi no Império que eu assisti a um filme que me encantou, Ulisses, com Kirk Douglas, Rossana Podestá e Silvana Mangano. Naquele tempo alguns filmes eram feitos em dois idiomas: inglês e italiano ou inglês e francês. Mais habitualmente era feito num só idioma, o inglês original, depois dublado para o francês ou italiano. O Ulisses a que assisti, por sorte, era a versão italiana. Lembro-me de ter ficado impressionado com o italiano falado por Silvana Mangano, que fazia dois papéis: o de Penélope e da feiticeira Circe. Tão encantado me senti com o idioma que alguns dias depois me matriculei num curso de italiano ministrado pelo professor Bruno Enei, um excelente mestre, que era amigo e companheiro de Rotary Clube do meu pai.

FOTO 30– Silvana Mangano


       O cinema norte-americano podia, sim, ser muito criativo, como Hitchcock com seu Vertigo (Um Corpo que Cai), dirigindo uma Kim Novak de diáfana beleza, contudo havia muito mais a admirar no cinema do restante do mundo. Numa daquelas sessões de dois filmes diferentes, o segundo era falado num idioma estranho aos meus ouvidos. Tratava-se de A Fonte da Donzela, de Ingmar Bergman, filme sueco. Descobri que havia vida para  além de Hollywood.

FOTO 31 – Ponta Grossa edificando-se no começo da década de 60. Os dois primeiros edifícios com mais de 10 andares em Ponta Grossa foram o Marieta e o Bamerindus. Na foto acima o Edifício e Cine Ópera estão pintados de amarelo. Minha casa na Rua Augusto Ribas, que deste ângulo aparece somente a parte bem superior das paredes (quase no telhado) do lado norte, está assinalada em cor de abóbora. Ao falecimento do meu pai em 1963, mudamo-nos para um apartamento no prédio que está colorido em azul, na Rua Paula Xavier, entre XV de Novembro e Dr. Colares.

       Aos poucos fui descobrindo diretores que não eram fugazes e previsíveis como os gênios da lâmpada de Aladim, mas que podiam ser incrivelmente inovadores. Vittorio de Sica, Federico Fellini, Buñuel, Antonioni, Alain Resnais, Pasolini, Visconti, Rosselini, De Sica e toda uma plêiade de nomes extraordinários. O neorrealismo no cinema italiano foi absolutamente impactante.

Um salto no tempo e a poeira das estrelas

       Passaram-se os anos, passaram-se as décadas. O cinema da metade do século passado agora é só História. Para fazer face ao cinema mundial, o norte-americano também evoluiu enormemente. Hoje o cinema latino-americano está muito representativo. O mexicano tem surpreendido pelo seu profundo sentido social. O argentino também está num patamar notável. Que dizer do admirável cinema dos países asiáticos? 
        O próprio cinema brasileiro vem passando por um momento muito interessante e criativo, notadamente em Pernambuco. Tenho assistido a filmes pernambucanos dignos de prêmios internacionais. O cinema “tradicional” também evolui; para comprovar, basta assistir ao magníficoAquarius, de Kleber Mendonça Filho, com Sônia Braga. Mas isto será assunto para um artigo no futuro. Voltemos ao Cine Ópera. 
       Por algum tempo o Cine Teatro Ópera transformou-se um templo evangélico, mas felizmente depois de alguns anos voltou a ser cinema. Um pouco deformado, mas sobreviveu.
       Agora o edifício e o cinema cercam-se de modernos arranha-céus. 

FOTO 32 – Os três últimos andares do Edifício Ópera com seu terraço famoso, entre os prédios de Ponta Grossa que agora obstruem o horizonte (foto Marcelo Kaczmarech). 

       No último andar do Edifício Ópera funcionava o Clube dos Solteiros, do Nininho. E no terraço do prédio reuniam-se ao redor de um telescópio os membros da Sociedade Ponta-grossense dos Amadores da Astronomia. Meu pai Arary Souto foi diretor da referida sociedade, e algumas vezes o acompanhei ao terraço do Ópera, ávido para perscrutar visualmente o Universo.

FOTO 33 – O terraço do Edifício Ópera, onde se reunia a Sociedade Ponta-grossense de Amadores da Astronomia – SPAA, a cuja diretoria meu pai pertenceu por um tempo (fotomontagem Kaczmarech).

        Aguço o meu olhar e vejo no terraço do Ópera alguns amigos do meu pai, da diretoria da SPAA. Não vejo o meu pai ali. Bem me disse ele, há mais de 60 anos, nesse lugar, em noite estrelada, que somos todos poeira de estrelas. 
         Mas ainda ouço os sons dos filmes provindos do cinema logo abaixo. Primeiro, o tema de Sansão e Dalila. Logo depois, o batuque de Deusa de Joba...


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